Uma jornada de conquistas

A eterna chama da gratidão

Desde muito cedo Leo fortaleceu o desejo de absorver todo conhecimento possível, tudo que a mente humana produziu em sua trajetória sobre a Terra. Portanto, suas anotações aumentavam constantemente, agregando novas informações e temas para pesquisa. Para ele tudo era importante. Adorava saber como as coisas eram feitas. Seguidamente desmontou e remontou objetos, sentindo imensa satisfação em completá-los em sua forma original, em fazê-los funcionar, em uma jornada de conquistas interminável!

A busca de joias em forma de palavras

Portanto, quando muito jovem, visitava os poucos sebos existentes na cidade a procura de livros específicos e para descobrir outros, desconhecidos. Neles encontrou preciosidades, obras de colecionadores, vendidos por herdeiros pouco interessados nesse tipo de coisa. Fazia listas das publicações que desejava ler e das músicas de compositores eruditos que desejava ouvir. Constantemente criava histórias cheias de emoção, às quais incorporava trilhas sonoras compostas por melodias de sua preferência.

Ousadias recompensadas

Um dos seus irmãos dava aulas particulares de diversas disciplinas. Então, Leo estava sempre por perto, deste modo, criou interesse por línguas, história e geografia. A propósito, com uma velha gramática da língua francesa ele ensaiava, com a ajuda do seu irmão, articular frases curtas. Também começou a ler literatura e a história daquele país.

Em seguida, quando tinha 15 anos, ele foi até a Aliança Francesa e, com alguma insistência, conseguiu falar com o diretor, um senhor francês, magro, de rosto alongado, mãos com dedos finos e compridos, nariz proeminente e olhar astuto. Leo lhe falou do seu desejo de aprender a língua, citou os livros que lera e alguns fatos da historia da França que escolheu para a ocasião. Despertou a sua admiração, e este lhe concedeu bolsa de estudos para os 3 anos básicos, com a condição de ter notas exemplares.

Os primeiros passos em uma cultura admirável

A felicidade de Leo não tinha tamanho. Ia para as aulas com grande expectativa e, apesar da sua decisão de manter-se invisível, sobretudo por suas roupas simples e pela seu acanhamento, sobressaiu-se e se tornou favorito de alguns professores. Estudava as lições das próximas aulas antecipadamente. Contudo o acesso à biblioteca foi um evento especial, principalmente pelas revistas, onde pode ter contato com as tendências culturais do momento naquele país. Por conseguinte, emprestava livros e chegou a decorar vários poemas, tanto clássicos quanto modernos. Então, o acervo de sua Arca de Noé se amplificou, com o conhecimento da efervescência cultural na capital francesa. Em suma, peças de teatro, concertos, manifestações artísticas, sofisticação e inovações. Todas essas informações eram devoradas com sofreguidão, como um viajante sedento que, finalmente, encontra um manancial.

Em conclusão, após os 3 anos, nos quais se saiu com notas acima da média, ele desejava passar para o nível superior, onde estudaria linguística, gramática, fonética, literatura entre outras matérias. Mas, não tinha recursos para tal. No entanto, manteve contato com alguns colegas e o conhecimento que adquiriu lhe abriu portas, o qualificou para os grupos seletos dos quais participou mais tarde.

A escalada para outro convívio

Sua cidade natal mantinha vínculos com os Estados Unidos da América, por ter sido utilizada como base para as forças armadas daquele país, durante a II Grande Guerra. Da mesma forma que fizera com a língua francesa, Leo também conseguiu falar com o diretor da Sociedade Cultural Brasil Estados Unidos, onde conquistou bolsa de estudos para os 3 anos básicos. Entretanto, nesse caso, mais adiante, conseguiu fazer o Curso de Treinamento para Professores, ao fim do qual, foi convidado para lecionar na entidade.

A melodia do coração ao luar

Uma das suas lembranças mais preciosas deste período tem a ver com a árvore que enfeitava um pequeno jardim, na frente da escola. No alto de um morro, diante do mar, com uma visão ampla da paisagem. Ali, ao som suave de suas folhas, à brisa que vinha do oceano, sentado em um banco, ele assistia a lua cheia levantar-se no horizonte, num esplendor raramente visto posteriormente, pois esse lugar foi palco para outras histórias cheias de emoção onde seu coração cantava de puro contentamento.

Uma jornada de conquistas. A melodia do coração ao luar.

A atração pela quintessência da harmonia

Assim também, Leo conseguiu bolsa para estudar violino na Escola de Música, usando a mesma tática. Falou com a diretora, contou-lhe sobre sua predileção por alguns compositores e das músicas que conhecia. Lá ele estudou por dois anos. Durante esse período lhe era concedida uma sala e um instrumento para praticar. Viveu algumas das experiências mais significativas de toda sua vida. Frequentou a biblioteca onde teve acesso a long plays com obras encantadoras e biografias de compositores eruditos.

Como resultado, compareceu a concertos inesquecíveis, frequentou palestras e, pela primeira vez em sua vida assistiu, projetados numa tela, excertos da Paixão Segundo Mateus de J. S. Bach e do Anel dos Nibelungos de Richard Wagner. O impacto sobre sua imaginação foi fortíssimo. Leo mergulhou nessas obras com intensidade, vivendo cada ária como se estivesse presente. Ele lembra detalhes dessas apresentações, assim como do palestrante, um compositor brasileiro pouco conhecido no país, mas que levava uma vida ativa em concertos, regências e composições na União Soviética, onde habitava com sua esposa, também atuante como cantora lírica.

Hiperatividade e deleite

Nessa fase Leo corria de um lugar para o outro, cheio de atividades agradáveis, pois além desses cursos, ainda frequentava a Escola Técnica, nadava e cantava em um coral. Internamente ele continuava com as suas estratégias, a disciplina e o estado de observação constante sobre si mesmo.

Conflitos familiares e atitudes radicais

O único aspecto que lhe trazia desconforto era a convivência doméstica. Ele havia deixado de ir a missa com a família há alguns anos. Também os desafiou, confrontando-os, o que provocou a ira dos irmãos. Nesse processo, Leo teve os seus livros queimados no quintal, como intimidação pelas suas atitudes. Esse fato o ofendeu de tal maneira que ele se viu obrigado a usar os seus métodos de desvalorização para afastá-los de seu coração. Um recurso doloroso, como matar toda expectativa de reconhecimento e amor, como sufocar a esperança. No entanto, não fosse isso, ele teria perecido, talvez por suas próprias mãos, sucumbindo à pressão e ao processo de humilhação sumária ao qual era submetido.

Nesse sentido, vale salientar que sendo o filho mais novo e tendo uma disposição para sobreviver sob quaisquer circunstâncias, sua revolta foi um grito de autovalorização. A reação dos seus familiares era decorrência da rigidez e autoritarismo comuns naquela época, principalmente para inibir o seu desrespeito. Na sua evolução e amadurecimento as emoções negativas que o torturavam em relação a esses fatos foram apaziguadas.

O acervo dos tesouros da criatividade

Através dos anos, Leo colecionou listas com nomes de livros, filmes, peças de teatro e toda sorte de manifestação cultural que tomou conhecimento. Eventualmente, com o advento dos computadores pessoais e da Internet, ele veio a acumular centenas de itens em formato digital. Certa vez, uma amiga o questionou sobre o fato de não haver tempo para usufruir todas essas obras. Afinal, seriam necessários anos para ler, assistir e ouvir todas as preciosidades que Leo colecionava. Contudo, para ele o que importava era o conhecimento que ele carregava dentro de si. Todos aqueles livros, revistas, filmes, peças de teatro e registros que ele dispunha estavam em sua mente. Ele soubera de sua existência, como foram criados, a que se referiam, os desejara e, em sua busca incansável, os possuía. Conhecia todas as relações e o contexto em que foram produzidos.

Ademais, o seu intelecto, cheio de conexões que explodiam em centenas de outras ligações, identificava a importância do tesouro que guardava. Alias, referências surgiam continuamente na tela de fundo de sua consciência. E as sincronicidades confirmavam que a vida falava com ele, lhe concedendo cada vez mais informações, clarificando, criando compreensões extraordinárias.

Marcas dos seus passos no tecido da realidade

Leo se sente privilegiado. Apesar das tribulações por que passou, ele caminha com a humilde certeza, enraizada nas profundezas de seu ser, que a sua vida, assim como a de todos afinal, é necessária para o propósito da existência como um todo. Sua mente, uma constelação de ideias brilhantes, tem uma fome insaciável e deseja tornar-se a morada de todo o conhecimento humano, preservando a história e iluminando o futuro. Cada um dos seus passos são testemunhos de sua dedicação e paixão incansáveis para conquistar a realização daquilo a que se propôs. Ele tem o seu coração pleno de gratidão e modéstia. Reconhece as suas conquistas como marcos de uma jornada de constante evolução.

A pureza das emanações da alma

Sua marcha deixa um rastro de boas memórias e carinho por onde passa. Ele olha para o futuro com a confiança e a tranquilidade de quem compreende o verdadeiro valor de sua humanidade, com amor e convivências harmônicas.

Ao redor de sua órbita de existência, giram estrelas de afeto e respeito, guiadas pela luz de suas intenções. Em cada pessoa que encontra, ele deixa um pouco de sua essência, e absorve inspiração e o melhor que possa haver, num contínuo fluxo de reciprocidade.

Manoel Augusto Queiroz
Curitiba, 15 de outubro de 2024

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