Ecos de um Mundo Oculto

O Voo da Imaginação

Ao longo de sua vida, Leo criou uma película etérea sobreposta à realidade. Uma tapeçaria de sonhos e fantasias que lhe permitiam navegar além do mundano. Contudo, sua imaginação criava cenários sobrenaturais, onde emulava e desvendava sentimentos e qualidades admiradas em outras pessoas. Elas eram incorporadas em sua própria essência, como Ecos de um Mundo Oculto.

Tentando entender a essência das coisas

As bibliotecas da cidade eram santuários sagrados para Leo, portais para explorar a vastidão das suas sensações e sentimentos. Todavia, os livros e especialmente dicionários, se tornaram seus cúmplices fiéis, guias na busca incessante pelo entendimento da condição humana. Instrumentos para mergulhar na essência das coisas.

Carregava consigo uma imensidade de informações sobre as interações entre as pessoas e seus desdobramentos. Então, as observava incessantemente, de preferência sem ser notado. Tentava fazer conexões entre o que diziam e o que seus gestos e expressões faciais revelavam. Portanto, as incongruências eram anotações preciosas em seu diário de investigações.

Criando denominações para seus observados

Às vezes, era exaustivo reconhecer certos comportamentos. Então, ele mergulhava em suas pesquisas detalhadas, sempre que podia, tentando decifrar as sutilezas que sua sensibilidade captava. Algumas características se destacavam em determinadas pessoas. Ele criava denominações para elas, como “o homem do sorriso congelado”. “A mulher com a tristeza nos cantos dos olhos”. Mas era a espontaneidade que realmente o fascinava, a liberdade com que alguns pareciam dançar pela vida, livres do peso da autoconsciência que o aprisionava. Leo sonhava que, um dia, poderia ser assim, simplesmente completo, sem a vigilância constante que o sufocava internamente.

O olhar humano era algo que o atraia profundamente. Era uma janela para uma verdade oculta, divergindo muitas vezes dos gestos, das palavras, das expressões do rosto, dos movimentos da boca.

Um estranho no ninho ou “inadequado”?

Acreditava que as pessoas o viam com a mesma clareza que ele as via, como se ele fosse transparente e o conteúdo de seu interior estivesse exposto, à mercê dos olhares alheios. Isso o aterrorizava, levando-o a se esconder em sua introspecção. Era chamado de “estranho” por alguns parentes, uma palavra que ressoava como um fardo. Ser estranho era como estar num imenso palco, onde todos o apontavam com o dedo, o olhavam e julgavam. Ele se sentia desajustado. Entretanto, com o tempo e com a descoberta de novas palavras e conceitos, redefiniu-se como “inadequado”, um rótulo que, paradoxalmente, lhe trouxe alívio e uma nova perspectiva sobre sua existência.

Perguntava-se constantemente quantas pessoas como ele existiam no mundo. Sonhava acordado com a possibilidade de encontrar outros habitantes dessa dimensão sutil que permeava o mundo dos “normais”. Muitas vezes chegou a pensar que estava sozinho na vida. Um estranho entre estranhos.

Um observador solitário na teia dos acontecimentos

Em seus momentos de solitude, criava experiências imaginadas que lhe permitiam voar acima da realidade. Elevava-se muito alto sobre a sua casa, sobre o bairro e sobre a Terra, tendo uma visão ampla dos cenários. Observava o mundo com uma clareza quase premonitória o que lhe dava a sensação de poder. Era como, estando sobre o telhado da sua casa, que ficava no topo de uma ladeira, observava as ruas ao seu redor.

Tinha a impressão que conseguia ver o futuro. Sabia que aquelas pessoas que caminhavam por ruas perpendiculares, na maioria das vezes, se encontrariam na esquina. Quando isso não acontecia, por alguma eventualidade, ele entendia que as previsões sempre eram suscetíveis a variantes. Esse entendimento moldou sua visão do mundo. incorporou-se em sua vida, lhe permitindo contar com a maleabilidade na teia dos acontecimentos.

Ecos  de um Mundo Oculto. Tentando entender a essência das coisas.

O poder metamórfico das palavras além da imaginação

A imaginação de Leo não era apenas uma fuga, mas um processo transformador. Uma das coisas mais importantes que ele veio a compreender foi como tudo isso funcionava. Havia uma fase inicial onde, de certa forma, ela “inventava” os acontecimentos. Mas, em seguida os eventos se desenrolavam como visões, amplificados por emoções que ele não controlava, mas nas quais se imergia completamente. As palavras tinham um poder metamórfico sobre sua percepção, elas lhe proporcionavam novas perspectivas, as vezes com conexões surpreendentes. Ele as manipulava com maestria, redefinindo-se constantemente.

Incrível empatia e conexão com os animais

A palavra “magia” encontrou um lugar especial em seu vocabulário, conectando suas visualizações com acontecimentos extraordinários. Sua relação com os animais e plantas era mágica. Com exceção dos cães, os quais temia, calangos, sapos, pássaros, insetos, todos eram companheiros em sua jornada, comunicando-se através de olhares e toques delicados. Essa comunhão sagrada era cultivada com carinho. Quando conseguia tê-los nas mãos e os aproximava para olhar de perto, percebia nuances em seus corpos, em seus olhos, e uma espécie de aceitação e comunicação extremamente agradável. Ele os tocava, sentindo a vulnerabilidade daqueles seres. Com exceção dos insetos, quando possível, tentava mesmo ouvir as batidas de seus corações.

Os morcegos foram um capítulo à parte. Inicialmente temidos, tornaram-se símbolos dessa magia. O primeiro contato aconteceu em umas férias, onde descobriu um deles dentro da rede onde dormia. O susto inicial foi substituído pela piedade, por aquele ser que se debatia, amedrontado. Ao pegá-lo na mão, sentiu sua profunda delicadeza, sua pele finíssima, uma fragilidade absoluta. Podia ser esmagado sem qualquer esforço. Reconheceu similaridades entre esse ser rejeitado e a sua própria condição. Teve muitos encontros com eles que se transformaram em experiências de empatia e conexão. Eles se equilibravam e se moviam em suas mãos demonstrando confiança e, por assim dizer, reconhecimento.

Os sonhos, a solidão e a criatividade incomensurável

Os sonhos de Leo eram vastos e vívidos, realmente fantásticos. Muitas vezes acordou chorando, não de tristeza, mas de pura emoção, o coração batendo acelerado. Reconheceu em muitos deles reflexos das circunstâncias de seu cotidiano. Diários de sonhos preenchiam volumes, cada detalhe registrado com precisão. Esse exercício lhe permitia recordar tudo que vira, sentira e os pensamentos que tivera, tornando o mundo onírico uma de suas dimensões favoritas. Sonhar era viver uma experiência completa, nos mínimos detalhes. Chegou a analisar e classificar os seus sonhos em categorias, identificando símbolos, repetições e mensagens perfeitamente claras, como indicações de sua evolução e dos caminhos que deveria seguir.

Raramente compartilhava essas experiências, temendo ser ridicularizado, mas isso não o impediu de fazer amigos e de brincar com outros da sua idade, mantendo sempre a consciência da dimensão de seu mundo interno e da importância em preservá-lo como um segredo. Os ecos de um mundo oculto.

Vivia como um eremita. No entanto, sua solidão era um terreno fértil para a criatividade incomensurável. E, como numa história de magia, o amor entrou em sua vida, uma conexão de almas que transcendia palavras, desencadeando sentimentos grandiosos que sua sensibilidade exacerbada amplificava em puro êxtase. Mas essa, ah, essa é uma história para outra hora.

Curitiba, 07 de julho de 2024

Fonte: Imagens criadas pelo DALL-E + 3 com prompts de Manoel Augusto Queiroz.

Manoel Queiroz

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