Eleições bolivianas

As mais importantes de toda a sua história

As atuais eleições bolivianas foram as mais importantes de toda a sua história. De maneira geral, a Bolívia atravessa uma conjuntura econômica e política delicada após um ciclo de crescimento exaurido. Luis Arce chegou ao poder por voto popular em 2020, sucedendo Jeanine Áñez, presidente interina em 2019, que impediu o retorno de Evo Morales. Aquela transição seguiu-se à crise pós-eleitoral e ao relatório de auditoria da OEA que apontou irregularidades na eleição de 2019. Essa sequência reabriu o debate sobre legalidade, legitimidade e governabilidade, com efeitos persistentes. Depois, a deterioração macroeconômico reconfigurou preferências eleitorais e preparou uma mudança de ciclo. Nesse contexto, o país encaminhou-se para um giro a posições de centro reformista.

Eleições bolivianas

A crise econômica como argumento eleitoral

Enquanto isso, a economia sofre uma escassez de divisas que repercute diretamente no fornecimento de combustíveis. A produção de gás, principal produto de exportação do país, contraiu-se e isso implica menores ingressos em dólares. Por causa disso, a Bolívia não consegue comprar todo o combustível de que necessita e, em várias cidades, observam-se filas extensas por dias. Esses episódios alimentaram o descontentamento social antes do segundo turno e repercutiram diretamente na cotação do dólar. Em consequência, o fantasma da desorganização política e econômica virou argumento eleitoral decisivo.

Do mesmo modo, o custo de subsídios de combustíveis pressiona seriamente os cofres do Estado. Autoridades informaram desembolsos semanais próximos de 56 milhões de dólares para sustentar preços internos altamente subsidiados. Em 2025, a despesa acumulada superou 14 bilhões de bolivianos até outubro, cerca de US$ 2 bilhões ao câmbio oficial. Diversos estudos estimam que os subsídios rondaram 4% do PIB boliviano. Por isso, qualquer reforma deverá ser gradual para evitar choques inflacionários.

Reservas internacionais baixas e elevada informalidade no mercado de trabalho

Apesar dos esforços oficiais, as reservas internacionais (RIN) caíram a mínimos históricos recentes. O BCB informou uma recuperação parcial em 2025 frente ao fechamento de 2024. Até agosto, as RIN alcançaram 2,881 bilhões de dólares, com compras de ouro interno. A melhora não reverte a tendência de mais de uma década de queda. Esse nível limita a margem para sustentar importações e estabilizar o mercado cambial. Portanto, a gestão de reservas será prioridade imediata do próximo Poder Executivo.

Adicionalmente, o mercado de trabalho mostra informalidade muito elevada e um clima de investimento frágil. Relatórios trabalhistas situam a informalidade perto de 80% do emprego não agrícola. A captação de investimento estrangeiro direto segue baixa na região andina. Paralelamente, medições de Estado de Direito colocam o país em posições atrasadas, com altas taxas de insegurança jurídica e um aparelho estatal ineficiente. Por isso, corrigir essas falhas institucionais será tão crítico quanto estabilizar preços.

A direita volta ao poder na Bolívia

Nesse contexto, os bolivianos elegeram Rodrigo Paz como presidente em um segundo turno realizado em 19 de outubro. Ele obteve cerca de 54,5% frente a Jorge “Tuto” Quiroga, segundo apurações preliminares. Seu companheiro Edman Lara aportou um impulso populista que lhe rendeu apoio de partidos de esquerda tradicional. Sua campanha combinou mensagens anticorrupção e promessas de ordem. Além disso, capitalizou o cansaço com desabastecimentos e a erosão do modelo gasífero. Paz prometeu reformas graduais e acordos para assegurar combustíveis. Igualmente, propôs atrair investimento com estabilidade e transparência institucional.

Sob o olhar internacional, analistas destacam um giro ao centro reformista, afastado de políticas altamente dispendiosas da esquerda. Reuters e The Guardian sublinham o desafio de governar sem maioria folgada no parlamento. Também ressaltam o potencial do lítio caso se esclareçam regras e se abram contratos a todas as empresas interessadas, desviando o privilégio antes dado a russas e chinesas. Analistas internacionais alertam para a sensibilidade social de ajustar subsídios, o que pode derivar em conflitos difíceis de conter.

Os desafios ambientais e sociais

Agora, os desafios ambientais e sociais são igualmente estruturais. Incêndios sem precedentes deixaram entre 10 e 12 milhões de hectares afetados em 2024. Organismos e meios documentam impactos severos sobre florestas e comunidades indígenas. Além disso, a contaminação hídrica por mineração acionou medidas constitucionais em 2025, pois afetou os meios de vida de moradores do Lago Titicaca. Essas crises exigem sistemas de prevenção, fiscalização e restauração mais robustos. Também obrigam a condicionar subsídios e emprego a práticas limpas. Garimpeiros e transportadores deverão migrar para padrões produtivos compatíveis com saúde ambiental.

Assim, o novo programa governamental deverá equilibrar estabilização, investimento e proteção social. Primeiro, assegurar diesel e gasolina com contratos-ponte e logística eficiente. Segundo, ordenar o subsídio com focalização e compensações claras e temporárias. Terceiro, reativar gás e eletricidade com incentivos exploratórios e manutenção de redes. Quarto, atrair investimento estrangeiro com garantias regulatórias, justiça e menos entraves burocráticos. Quinto, blindar florestas com moratórias específicas e protocolos anti-queimada exigíveis. Sexto, sanear bacias mineiras com planos de fechamento, monitoramento e sanções efetivas. Entre muitas outras necessidades a serem enfrentadas de imediato.

Um discurso anticorrupção transversal

É importante perguntar: por que venceram Rodrigo Paz e Edman(d) Lara neste ciclo? Porque ofereceram ordem gradualista diante da escassez e da fadiga inflacionária. Além disso, articularam um discurso anticorrupção transversal em redes e bairros populares. Também prometeram abastecimento imediato, subsídios transitórios e regras pró investimento. Igualmente, propuseram revisar contratos estratégicos com transparência, incluindo o lítio. No entanto, governar exigirá pactos com sindicatos, cívicos e governadores. O êxito dependerá de resultados tangíveis em combustível, emprego e segurança jurídica. Ademais, sabe-se que Evo Morales teria orientado seus seguidores a votar em Paz e Lara, o que pode gerar cobranças futuras e enfraquecer o novo governo.

Por tudo isso, a Bolívia inicia um ciclo de reformas com expectativas altas e paciência curta. A prioridade será estabilizar combustíveis e defender reservas com realismo. Em seguida, restaurar a confiança jurídica para atrair capital e tecnologia. Por fim, o governo deverá comunicar metas, prazos e custos sem eufemismos. Só assim a promessa de mudança poderá traduzir-se em bem-estar sustentável.

André Tejerina

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