Redenção Florescimento e Plenitude

Uma Jornada ao Encontro do Amor e de Si


No curso da sua vida Leo teve muitas experiências, tanto maravilhosas quanto desconcertantes, com outros seres humanos. A sua carência de amizade e validação o levou a envolver-se com pessoas problemáticas e alguns sanguessugas. Apesar de todos os filtros que criou e dos sinais que a vida lhe comunicava, ele se enganou diversas vezes. De fato, o seu coração se enternecia com facilidade, principalmente quando encontrava alguém atravessando situações que ele já passara. Apesar de suas precauções, levou muito tempo para endurecer a couraça que tentava construir para se defender. E, mesmo assim, haviam brechas por onde a sua piedade se sentia tocada. Por isso, sendo refém da culpa durante grande parte da sua vida, se martirizava ao extremo, se negasse ajuda a alguém necessitado. Então, numa jornada ao encontro do amor e de si ele encontrou redenção florescimento e plenitude, como jamais imaginara.

Especificidades paradoxais

A sua tendência a ver o melhor em tudo identificava nuances delicadas em pessoas aparentemente rudes. Ao mesmo tempo percebia durezas cortantes em alguns que aparentavam doçura e empatia.

Leo passou muito tempo evitando permitir que outros se aproximassem de sua intimidade. Quando finalmente baixou a guarda e se aventurou no mundo dos relacionamentos, ficou encantado com a amizade que lhe foi oferecida e compartilhou seus tesouros com generosidade e entusiasmo. Por conseguinte, com algumas dessas pessoas, desenvolveu laços de amizade e lealdade que perduram até hoje. Alguns desses anjos lhe trouxeram emoções de profunda comunhão, em momentos de intimidade, repletos de gentilezas.

Almas gêmeas: o milagre do encontro

Com uma diferença de cinco anos, Leo desenvolveu uma relação de alma gêmea com uma das pessoas mais importantes de sua vida. Conhecendo-a desde o berço, ainda pequeno, seu amor por ela foi imediatamente correspondido, como se seus espíritos se reconhecessem e se amassem além dos limites do tempo e da idade. Dessa forma, ao longo de suas vidas, compartilharam todos os momentos com doação e generosidade. Desde jovens, tornaram-se conselheiros um do outro e, quando juntos, a energia que os une é perceptível para os parentes próximos. Assim sendo, em todos os momentos de extrema necessidade, dúvida ou sofrimento, Leo encontrou nela um suporte de palavras sábias, confiança e reafirmação na magia da existência.

Elucidando causas ocultas

Conhecendo esses fragmentos da sua vida, pode-se demandar clareza, onde tudo foi exposto de forma velada. Afinal de contas, o que aconteceu que o tornou tão arredio à convivência humana? Neste ponto introduz-se um capítulo essencial para se entender o complexo emaranhado de agonia e êxtase que constituem os elementos de sua vida, aqui exposta.

Igualmente cabe perguntar, o que ele se faz seguidamente: como relatar a sua história omitindo detalhes tão essenciais para compreensão do todo? Para salvaguardar sentimentos de outrem? É provável que os fatos aqui expostos, possam trazer desconforto para as partes envolvidas. Todavia a admiração pela sua família a eleva a um patamar sagrado, onde suas qualidades de honestidade, bondade e generosidade se sobressaem. Leo os têm no altar do seu coração. Ademais, os eventos a seguir foram definitivamente abençoados com a graça do perdão.

O despertar do primeiro amor

Por volta dos 10 anos, Leo conheceu a irmã de um colega de escola. Na saída da aula, eles se viram e seus olharas se mantiveram fixos de maneira peculiar. Aquele contato o marcou tocando poderosamente o seu coração. As emoções despertadas o fizeram esperar, após o termino das aulas, conversando com o outro na frente da escola. A sua esperança era vê-la outra vez, o que aconteceu de forma regular. Sempre aquele olhar, aquela comunicação silenciosa. Naquelas circunstâncias eles eram o centro do universo. Nada importava e sua concentração em todos os detalhes daquele momento o levaram a revivê-lo muitas vezes.

Marcas de uma paixão

Entretanto, demoraram meses até que se vissem de perto e se falassem. Numa ocasião na escola onde as famílias estavam presentes para uma missa de final de ano, sentaram-se na mesma fila de bancos, em lado opostos. Suas cabeças se moviam e seus olhos se encontravam numa sincronia que só a mágica do amor proporciona. Então, seu coração batia tão forte que parecia audível a todos os presentes. Sua memória gravava cada detalhe desses momentos e sua imaginação amplificava as sensações. O cheiro de breu queimando nos turíbulos, misturava-se ao odor das rosas brancas aos pés dos santos. Da mesma forma, os cânticos e orações em uníssono o fazia imaginar milhares de anjos tecendo louvores a essa luz que inundava todo o seu ser. E, quando gotas de água benta tocavam a sua pele, seu espírito se sentia abençoado pela aprovação divina.

Um rastro de paz em meio à inquietação

Com efeito, esses sentimentos o alimentaram de luz e esperança. Em sua vida familiar conturbada, esta emoção abriu uma dimensão para o mundo celestial. Ela lhe levava a um paraíso onde se refugiava, degustando aquela emoção, espalhando-a pelo seu corpo, inundando o mundo com a sua vibração. Esse ritual de espera pelo olhar aconteceu durante muito tempo. Portanto, nas férias, aquela devoção preenchia a sua vida de satisfação, e ele se concentrava naquele fulgor, ampliando-o.

O poço de agonia e a redenção

Logo depois, Leo encarou eventos dramáticos onde foi acusado de coisas que ele nem mesmo conhecia. Sentiu-se degradado. Amargou com a vergonha de si mesmo, apesar de não ter noção do que acontecera. Eventualmente, quando tomou conhecimento da conotação sexual das imputações, Leo mergulhou num abismo de dor e constrangimento. Um verdadeiro júri dos infernos o torturava e ele se debatia num poço de agonia. No entanto, muito longe, a lembrança daquela emoção, da missa, dos cânticos, da água benta e, principalmente, daquele olhar inundavam sua alma como um banho de luz purificador. Ao mesmo tempo que descobrira o amor, o sexo entrou em sua vida sob esse ângulo aviltante e repulsivo.

A pura devoção de um amor juvenil

Esse evento o marcou de tal forma que ele deixou de ir a missa com a sua família. Apesar de comprovada a sua inocência, sentia-se indigno e, como sempre, deslocado. E a mácula daquele evento sobre a pureza do seu amor o tornou taciturno. Como alguém ameaçado por sombras que podiam melindrá-lo no momento da sua maior felicidade. Seu desejo era afastar-se, estar invisível. Por conseguinte, por mais de dois anos, aos domingos, caminhava até uma praça, na frente da casa dela, onde, sentado num banco, oculto pelos arbustos, lhe enviava seu afeto em forma de oração. Imaginava que aquela energia resplandecente que o iluminava chegava até lá, e rememorava todas as vezes em que haviam estado próximos. Também fantasiava futuros encontros, com mais intimidade e contato físico.

A voz da sabedoria

Ao mesmo tempo, através do livro Cartas a um Jovem Poeta, Leo assimilou o amor platônico. Não como geralmente é imaginado, com sua carga de afastamento forçado e aflição, mas como uma oportunidade de lapidar-se, de tornar-se admirável aos olhos de quem se ama. Logo após ele conheceu O Banquete, onde o filósofo expõe, de forma completa, usando Sócrates como porta-voz, a concepção de amado amante. Essas informações tornaram-se mensagens vivas que acenderam em seu ser a chama da devoção àquele sentimento que, de certa forma, o resgatava do naufrágio.

O mistério da conexão entre seres

Seus encontros com ela estavam sempre subordinados aos contatos com seu amigo. Este esporadicamente o convidava para lanchar, tanto na sua casa quanto na casa de seus avós. Essas visitas se tornaram de extrema importância. Entrar na intimidade daquele ser, estar à mesma mesa, ouvindo a sua voz e sentindo a intensidade do seu olhar o inundava de felicidade. Além de fazê-lo sentir-se digno.

A sintonia fina da sensibilidade

Uma vez, na despedida para as férias, sentaram juntos no mesmo sofá. Esse primeiro contato físico o eletrizou deixando-o extremamente atento para evitar que a sua comoção fosse exposta. Finalmente, no momento mais feliz dessa historia, tiveram a oportunidade de ficar sozinhos. Se olharam em silêncio. Dos seus olhos fluía com intensidade a emoção que comungavam. Ao se despedirem ela lhe disse ao ouvido: eu sinto o mesmo que você! Beijou-lhe o rosto e, de súbito, voltou para dentro de casa. Leo ficou parado como se atingido por um raio, com uma alegria tão avassaladora que teve que correr, tomado por uma vitalidade extraordinária. Nessa noite, praticamente não dormiu e, quando o fez, sonhou que estavam juntos, usufruindo prazeres indizíveis.

Expulsão do paraíso e peregrinações

Pouco depois ele soube que a família se mudara para outra cidade. Esse golpe o pegou desprevenido. Após aquela confissão, na despedida, imaginara muitas coisas que gostaria de lhe dizer e compartilhar. Ficou desolado. Mergulhou num torvelinho de tristeza. Durante muitos meses Leo contava a passagem do tempo pelas vezes que pronunciava o nome dela em pensamento. Mais tarde, quando percebeu as lacunas, compreendeu que aquela adoração estava esmorecendo. Depois, já adulto, soube que ela casara e tivera filhos. Mas agora só restavam boas lembranças e gratidão pela presença daquele anjo que, numa fase de extrema perturbação, lhe trouxera regozijo e sonhos de amor.

No entanto, através da sua vida, todas as vezes que se apaixonava, sonhava com ela. Esse símbolo se tornou um parâmetro sob o qual avaliava a relevância de suas paixões.

O processo alquímico: a grande obra

Desconfiado de qualquer coisa que tocasse o seu coração, Leo criou o que ele chamava “guilhotina”. Observava, tentando distanciar-se ao máximo. Nunca precisou puxar a corda. No fundo desejava que aquelas pessoas o decepcionassem para fugir do mergulho na sua intimidade. Chegou mesmo a imaginar o seu coração como um castelo numa ilha, cercada por um fosso com jacarés, com uma ponte levadiça e cuja porta era defendida por um dragão de três cabeças. Apesar de algumas vezes sentir-se envolvido, principalmente após o sexo, Leo fugia, inventando todo tipo de desculpas para evitar se comprometer.

A alma, a espada e a rosa

Após uma série de terapias e familiaridades que, enfim, derrubaram as suas defesas, Leo decidiu conscientemente se provar em relações emocionais íntimas. A sua imperícia e expectativas negativas influenciaram maciçamente na desconsideração e desrespeito com que foi tratado e traído. Seus algozes foram seus grandes mestres. Proporcionaram-lhe oportunidades de evolução acelerada. Como resultado, o trabalho de autovalorização e cultivo do amor próprio, lhe concedeu a experiência do amor correspondido. Essa dádiva que ele reconheceu como um prêmio que a existência lhe concedia.

Receptividade e zelo

E assim, como o sol que tinge o céu de tons laranja e rosa, Leo inunda a sua alma de serenidade. Incorporando tudo, agonias e êxtases, desapegado. O amor que ele encontrou não está apenas dos braços de outra pessoa, mas no amor que ele se dá. Ao mesmo tempo que se congratula pela coragem de permitir-se ser amado.

Manoel Queiroz

Curitiba, 10 de setembro de 2024

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