Força motriz da natureza
A água é conhecida mundialmente como uma substância essencial para a vida na Terra e em qualquer parte do universo. É composta por dois átomos de hidrogênio ligados a um de oxigênio, daí sua composição química H2O. Segundo diversas teorias, a água proveio de vulcões que liberaram vapor do manto terrestre, situado entre a crosta e o núcleo. Outros estudos indicam que outra parte da água chegou à Terra por meio de asteroides. O certo é que não existe um consenso universal sobre sua origem definitiva na terra. Entre suas características mais importantes encontram-se seus três estados: líquido, sólido e vapor. Isso permite trocar energia e matéria por meio de mudanças de fase, regular o clima, armazená-la e sustentar processos biológicos essenciais. Em palavras atribuídas a Leonardo da Vinci: “a água é a força motriz da natureza”.
Agora, a maior parte da água terrestre é salgada e não é apta para o consumo humano direto. De fato, mais de 96% encontra-se nos oceanos, o que requer processos energeticamente intensos para torná-la potável, como ocorre em países desérticos. Da mesma forma, cerca de 2,5% é doce, encontrada majoritariamente em gelo e aquíferos. Portanto, apenas uma fração mínima está disponível em rios e lagos. Por isso, a água superficial acessível é surpreendentemente escassa, embora não pareça assim à primeira vista. Em consequência, sua gestão exige eficiência no uso, controle de perdas, reutilização segura, proteção de fontes e planejamento integrado por bacia.
Uma distribuição muitas vezes disforme e insegura
Entre suas múltiplas dificuldades para aproveitá-la, a sua disponibilidade tampouco se reparte de forma uniforme entre continentes. Por exemplo, o continente americano concentra uma proporção muito elevada de recursos doces renováveis. A América tem o rio Amazonas que percorre majoritariamente o Brasil, mas também outros oito países em sua bacia. Igualmente, a água doce nesse continente encontra-se em abundância nas geleiras do norte e do sul. Por sua vez, os Grandes Lagos dos Estados Unidos, o Lago Titikaka na Bolívia ou a represa de Brokopondo no Suriname são exemplos da riqueza hídrica da região. Ao mesmo tempo, a América tem regiões desérticas no Chile, como o deserto do Atacama, que detém recorde de déficit de chuvas. Do mesmo modo, a Ásia possui uma grande fração, mas com populações mais densas e demandas maiores, o que torna sua gestão um desafio constante. Por outro lado, a Europa e a África contam com menores recursos per capita, porém a diferença de acesso ao recurso é imensa. Em conclusão, abundância regional nem sempre implica acesso seguro e equitativo.
Na mesma linha, a hidrologia global muda rapidamente por causas climáticas e pelo uso humano. Observações de satélite indicam que mais da metade dos grandes lagos perderam volume nos últimos anos. O fenômeno inclui bacias na Ásia Central e na América do Norte, afetadas por evaporação e extrações acumuladas. Em paralelo, o Rio Negro registrou mínimos históricos em Manaus durante 2023 e 2024. Essas vazantes interromperam a navegação, o abastecimento e a geração hidrelétrica regional. Em conjunto, infraestrutura e cadeias logísticas operam sob estresse crescente e mais variável.

Uma massa hídrica planetária quase constante
Convém precisar que a massa hídrica planetária permanece quase constante, mas sua distribuição muda. O ciclo a redistribui entre oceanos, continentes e atmosfera, modificando a disponibilidade local. Na Ásia, as geleiras do Hindu Kush Himalaia recuam aceleradamente desde 2011. Esse retrocesso ameaça os aportes de estiagem aos grandes rios asiáticos. Ao mesmo tempo, estudos a partir de satélites evidenciam a superexploração de aquíferos no Indo-Ganges e na planície do Norte da China. Tais quedas reduzem vazões de base, elevam custos e fragilizam os abastecimentos urbanos. Por isso, constância global não equivale a segurança hídrica onde as pessoas vivem.
Por outra parte, a oferta e a demanda apresentam tensões estruturais crescentes. Hoje, a agricultura realiza cerca de 70% das extrações de água doce. Além disso, o crescimento urbano e industrial compete por fontes limitadas. Segundo estudos da ONU, uma em cada quatro pessoas carece de água potável gerida com segurança. Em consequência, aumentam os riscos sanitários e os custos de tratamento que, por sua vez, afetam setores produtivos por restrições hídricas. Igualmente, avaliações regionais do IPCC projetam secas mais prováveis em regiões que antes não sofriam de estresse hídrico.
O alto custo social
Agora, os riscos de um mundo com escassez severa são sistêmicos. Primeiro, comprometem a segurança alimentar, energética e sanitária de populações inteiras. Segundo, exacerbam conflitos por alocação e governança de bacias compartilhadas. Terceiro, elevam perdas econômicas em setores sensíveis a interrupções. Além disso, encarecem tratamento e distribuição em cidades vulneráveis. Da mesma forma, degradam ecossistemas e serviços ambientais essenciais. Em síntese, o custo social supera amplamente investimentos preventivos bem desenhados.
Finalmente, a segurança hídrica exige gestão integrada por bacia e decisões com evidência pública verificável. Deve-se priorizar a redução da demanda, reparar vazamentos urbanos, modernizar a irrigação pressurizada e a eficiência industrial. A disponibilidade fortalece-se mediante recarga gerida de aquíferos, reúso potável indireto e dessalinização impulsionada por energias renováveis. Soluções baseadas na natureza restauram áreas úmidas, protegem bofedales andinos e estabilizam vazões ecológicas. Por sua vez, políticas tarifárias com blocos crescentes e proteção social fomentam o uso consciente sem penalizar lares vulneráveis. Uma transição hídrica justa evita deslocamentos, reforça a resiliência comunitária e prioriza direitos humanos sobre usos extrativos.
André Tejerina