O Lítio

Entre a promessa energética e os desafios estruturais

O lítio ganhou relevância mundial nas últimas décadas por ser um insumo essencial para a transição tecnológica rumo a fontes sustentáveis. Sua importância tem sido amplamente estudada por especialistas que buscam equilibrar os benefícios dessa promessa energética com os desafios estruturais que ela impõe. Mas, afinal, o que é o lítio e para que ele serve? Essa pergunta é fundamental para compreendermos suas utilidades e impactos.

O que é o Lítio

O lítio é um metal alcalino leve que provém principalmente de duas fontes naturais: (i) salmouras e (ii) rochas duras. As salmouras se encontram em regiões áridas onde a água subterrânea rica em minerais se acumula e evapora lentamente, deixando para trás lítio dissolvido em sais concentrados. Esses salares incluem o de Uyuni (Bolívia), Atacama (Chile) e o do Tibete (China). Já os depósitos de rocha dura consistem, como o nome indica, em lítio presente em rochas ígneas, cuja extração requer mineração convencional. Os principais locais desses depósitos incluem Greenbushes (Austrália), Québec (Canadá) e Minas Gerais (Brasil).

A demanda

O principal uso do lítio está na fabricação de baterias recarregáveis para veículos elétricos, telefones celulares e armazenamento de energia renovável. Historicamente, antes de sua aplicação em energia limpa, o lítio era utilizado em cerâmicas, vidros resistentes ao calor, medicamentos psiquiátricos e lubrificantes industriais. Atualmente, a demanda por tecnologias limpas conferiu ao lítio um valor geopolítico e econômico estratégico. Esse fenômeno intensificou a disputa global pelo controle das reservas e da produção do recurso, tornando-o objeto de conflitos e tensões entre países que o possuem.

O Lítio

Os produtores e detentores de jazidas

No cenário internacional, há várias décadas Austrália, Chile e China lideram a produção mundial de lítio, sendo responsáveis por mais de 85% do total extraído. A Austrália utiliza tecnologia consolidada para extrair lítio de rochas duras. O Chile produz lítio a partir de salmouras no Salar de Atacama com elevados níveis de eficiência. A China consolidou-se como a principal processadora mundial de lítio e desenvolveu uma indústria pioneira de baterias. A Argentina também aumentou significativamente sua produção, consolidando o chamado “Triângulo do Lítio” junto à Bolívia e ao Chile. Essa região concentra mais de 50% das reservas mundiais, embora a exploração seja altamente desigual. Por fim, destaca-se a Bolívia, que, apesar de possuir a maior reserva conhecida, ainda não figura como produtora relevante nos rankings internacionais.

A Bolívia e o seu grande potencial

Na Bolívia, o lítio está localizado principalmente no Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, situado no departamento de Potosí, ao sudoeste do país. Esse salar contém salmouras ricas em carbonato de lítio, além de outros minerais como potássio, magnésio e boro. Segundo estimativas do Serviço Geológico dos Estados Unidos, a Bolívia possui aproximadamente 21 milhões de toneladas de lítio, o que representa cerca de 21% das reservas globais conhecidas, posicionando o país como um ator potencialmente estratégico. No entanto, ao contrário do Chile e da Argentina, a Bolívia enfrenta condições geológicas e técnicas mais complexas para sua extração. A elevada concentração de magnésio dificulta o processo de separação do lítio, aumentando os custos operacionais. Somado a isso, fatores políticos e estruturais têm dificultado o desenvolvimento de uma indústria nacional competitiva.

A extração de lítio na Bolívia poderia gerar enormes benefícios econômicos, mas enfrenta obstáculos estruturais e socioambientais consideráveis. Um dos principais desafios é o cumprimento do direito à consulta prévia dos povos indígenas que habitam áreas próximas aos salares. Na prática, essas comunidades exigem que a exploração mineral melhore suas condições de vida e solicitam maior participação nas decisões. Outro aspecto relevante é a fragilidade institucional do Estado para fiscalizar projetos de grande escala em regiões remotas. Ademais, o lítio boliviano encontra-se em ecossistemas frágeis e protegidos, onde a extração intensiva pode afetar fontes de água e a biodiversidade. Esses fatores devem ser cuidadosamente considerados para evitar conflitos sociais e danos irreversíveis, embora o governo boliviano busque acelerar o processo extrativo sem estudos técnicos adequados nem avaliações de impacto ambiental compatíveis.

O controle estatal é o maior obstáculo para adquirir know-how

A empresa estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) é a responsável pela administração do lítio e seus derivados. Conforme a legislação boliviana, a YLB deve manter pelo menos 51% de participação em qualquer empresa mista. Essa exigência busca garantir o controle estatal sobre um recurso considerado estratégico para o país. No entanto, tal rigidez tem limitado a capacidade de atrair investimentos estrangeiros com tecnologia e experiência no setor. As condições atuais dificultam a transferência tecnológica e o acesso aos mercados internacionais. Como consequência, o país celebrou contratos controversos com empresas estrangeiras, sem a realização de processos licitatórios públicos.

Entre 2023 e 2024, o governo boliviano firmou acordos com consórcios chineses e russos para aplicar o método de extração direta de lítio (EDL). Esse método permite extrair lítio de salmouras sem a necessidade de evaporar grandes volumes de água. Os contratos assinados foram criticados por falta de transparência, ausência de licitação e baixa participação de atores locais. Alguns setores argumentam que esses acordos privilegiam interesses geopolíticos em detrimento de benefícios econômicos reais para o país. Também existem dúvidas quanto à viabilidade tecnológica dos métodos propostos e aos prazos previstos para resultados concretos. Esse cenário tem provocado forte rejeição em setores sociais e acadêmicos, que exigem maior soberania técnica e transparência nos processos.

A crise econômica e os obstáculos para a sustentabilidade do projeto

A Bolívia atravessa uma crise econômica devido à redução dos volumes de gás natural disponíveis para exportação, sendo que, no passado, o gás foi o principal motor do crescimento econômico do país. No entanto, substituir o crescimento impulsionado pelo gás pela exploração do lítio implica enfrentar diversos desafios, entre os quais se destacam a sustentabilidade ambiental, a autonomia indígena e a segurança jurídica. A sustentabilidade deve ser não apenas ambiental, mas também social e financeira, a fim de assegurar legitimidade e continuidade ao projeto.

Especialistas afirmam que os benefícios econômicos do lítio poderiam, a longo prazo, superar os do gás, desde que se estabeleça uma cadeia de valor industrial sólida. Exportar apenas carbonato de lítio não é suficiente: a Bolívia deve buscar a fabricação de baterias, cátodos e materiais avançados. Segundo o Banco Mundial, países que avançam para etapas industriais multiplicam por cinco ou seus rendimentos em relação à simples exportação de matéria-prima. Enquanto uma tonelada de carbonato de lítio pode custar cerca de 25 mil dólares, uma bateria de íons de lítio pode ultrapassar os 100 mil dólares por tonelada equivalente. Contudo, isso exige investimentos em ciência, infraestrutura, capacitação técnica e uma governança institucional que a Bolívia atualmente não possui. Sem um ambiente propício, o país corre o risco de continuar exportando apenas matéria-prima, sem agregar valor.

Uma riqueza geológica inegável, mas falta compliance

Para concluir, a Bolívia encontra-se em uma encruzilhada histórica diante de sua riqueza em lítio e da necessidade de um desenvolvimento sustentável. O país possui uma vantagem geológica inegável, mas enfrenta desafios institucionais, sociais e ambientais significativos. Aproveitar o potencial do lítio exige uma abordagem integrada, que combine ciência, planejamento e justiça social. As decisões tomadas hoje definirão o modelo de desenvolvimento da Bolívia para as próximas décadas. Não se trata apenas de extrair um mineral, mas de construir uma nova matriz produtiva, resiliente e equitativa.

André Tejerina

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