Quando a ficção se torna realidade, o herói se materializa

No mês passado, a BBC publicou um artigo onde se questiona o papel de filmes e séries que trazem cenários apocalípticos provenientes de mudanças climáticas. Tyler Harper, o autor, afirma que somos levados a acreditar que assistir a esses roteiros de ficção científica desperta em nós um ativismo, uma vontade de mudar para que o nosso destino seja transformado e não fadado.

O autor, que é um estudioso literário e dá aula em um curso chamado “Climate Fiction”, não só não acredita nesse potencial de salvação dos filmes, como acredita que o gênero pode ser ativamente perigoso, “prejudicando nossa capacidade cultural de imaginar um futuro digno de ser vivido ou pelo qual vale a pena lutar”. Harper conta, inclusive, que grande parte de seus alunos – muitos dos quais estariam envolvidos com o Youth Climate Movement –, durante suas aulas, acabaram “se convencendo, pelo menos momentaneamente, de que o ativismo climático não tem propósito”.

Nossos heróis

Falamos no artigo Por que fazem corpo mole? sobre o quão importante pensamos ser ou, pelo menos, gostaríamos de ser. E qual é o símbolo máximo da importância? Não são os heróis, aqueles que salvam o mundo? Quando somos crianças, temos até os heróis da vida real: o nosso pai, a nossa mãe, aquele que nos protege e que provê para nós não ficarmos desamparados. Na infância, tudo tem um significado aumentado: os objetos e a casa são gigantes, os puxões de orelha e sermões que recebemos nos provocam a rebeldia ou uma tristeza extrema a ponto de chorarmos, nossos pais são heróis porque, afinal, é deles que dependemos para sobreviver.

Quem não quer ser um herói?

E quem não quer ter tamanha importância para outras pessoas? Quem não quer ser reconhecido, admirado? Quando atendemos a demanda dos outros para que esses outros nos tragam uma satisfação através do reconhecimento da nossa imagem, esse pode ser um jogo narcísico perigoso. E não é essa a demanda do herói: o perigo? Pois então.

Assim, de um lado, temos a necessidade do reconhecimento e, do outro, a inveja. Mas como a inveja entra nesse contexto? No artigo A arte do divertimento – Por que se divertir parece tão fácil?, mas sentimos como se não fosse?, falamos mais sobre esse sentimento, que tentamos evitar a todo custo. Mas o fato é que a inveja está tão presente nas nossas vidas quanto o amor. Ser herói pode ser uma compensação por aquilo que não conseguimos obter de forma material: o casarão que meus amigos construíram, o carro esportivo que meu vizinho comprou e assim por diante. O apocalipse é o ponto em que zeramos as nossas pontuações, igualamo-nos. Finalmente, ninguém é mais que ninguém.

Ufa, chega de ‘correr atrás’, agora, o negócio é ‘correr de’

Enfim, parece valer a pena trocar o cansaço mental pelo físico, não? No apocalipse, temos oportunidades iguais e, então, aumentam as chances de eu conseguir me destacar por uma habilidade inata. Ou, no mínimo, saio de um ciclo vicioso, de uma jornada improdutiva. É o momento de renascer e tentar provar novamente a que viemos. Que não estamos aqui à toa, que temos significado.

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