O Certo o Errado e o relativismo

Uma Questão de Ponto de Vista?

A distinção entre o certo o errado e o relativismo é uma das questões mais antigas e complexas da filosofia moral. À primeira vista, pode parecer que tudo seja relativo, dependendo apenas da perspectiva de quem julga. Mas será que essa relativização é assim tão simples?

O Relativismo Moral

No entanto, defensores do relativismo argumentam que conceitos morais variam dramaticamente entre culturas, épocas e indivíduos. O que é considerado virtuoso em uma sociedade pode ser visto como reprovável em outra. Então, práticas como a poligamia, o consumo de carne, ou até mesmo noções de privacidade e liberdade individual ilustram essa diversidade. Portanto, sob essa ótica, não existiriam verdades morais absolutas — apenas convenções sociais que refletem contextos históricos e culturais específicos.

Os Limites do Relativismo

Contudo, o relativismo radical enfrenta sérios problemas. Se tudo fosse apenas questão de perspectiva, como poderíamos condenar universalmente práticas como tortura, genocídio ou escravidão? Todavia, a maioria das pessoas reconhece que certas ações são objetivamente erradas, independentemente do contexto cultural. Isso sugere que existe algum fundamento mais profundo para a moralidade.

Além disso, culturas diferentes frequentemente compartilham valores essenciais: a proteção dos vulneráveis, a condenação da crueldade gratuita, a valorização da honestidade nas relações próximas. Então, essas convergências apontam para princípios morais que transcendem perspectivas individuais.

O Relativismo como Ferramenta de Manipulação

Sim, o relativismo moral pode ser instrumentalizado para inverter valores de forma perigosa. Historicamente, vemos exemplos disso:

  • Regimes totalitários justificaram atrocidades alegando que “na nossa visão de mundo, isso é necessário para o bem maior”;
  • Colonizadores relativizaram a humanidade dos povos nativos para justificar exploração e genocídio;
  • Perpetradores de violência frequentemente usam a lógica do “depende do ponto de vista” para normalizar crueldade.

Quando alguém argumenta que “tortura é errada do seu ponto de vista, mas do meu é necessária”, está usando o relativismo como escudo moral para escapar da responsabilidade ética e incutir na mentalidade coletiva a normalização da tortura.

A Diferença entre Relativismo Cultural e Relativismo Radical

É importante distinguir:

Relativismo cultural moderado: Reconhece que costumes variam (como formas de cumprimento, vestimenta, organização familiar) sem comprometer princípios fundamentais. Comer com as mãos não é moralmente inferior a usar talheres — é apenas diferente.

Relativismo radical: Afirma que não existem fundamentos morais objetivos e que qualquer prática pode ser justificada dentro do seu contexto. Esse tipo é problemático e perigoso, pois na maioria dos casos, apesar de ser uma prática radical, ela penetra nos costumes das sociedades com sutileza e sorrateiramente.

Os Valores que Resistem ao Relativismo

Mesmo aceitando diversidade cultural, alguns princípios parecem transcender perspectivas, visto que tais perspectivas, não encontram respaldo em nenhuma retórica racional ou ideológica que se possa tentar impingir:

  • Causar sofrimento desnecessário é errado;
  • A vida humana tem valor intrínseco;
  • Crianças merecem proteção;
  • Crueldade gratuita não pode ser justificada.

Então, nenhuma cultura genuinamente prospera celebrando traição sistemática, crueldade aleatória ou destruição da própria comunidade. Isso sugere que existem limites objetivos à relativização moral.

O Certo o Errado e o relativismo.

Quando o “Errado” Vira “Certo”: Mudanças Legítimas

Mas há casos em que a história reavaliou julgamentos morais de forma legítima:

  • A escravidão era considerada “normal” e foi corretamente reclassificada como abominável, se tornando senso comum;
  • Direitos das mulheres e de minorias foram expandidos conforme reconhecemos que discriminação estava errada desde sempre;
  • Homossexualidade deixou de ser tratada como doença ou crime. Uma normalização de bom senso e consensual.

Aqui não é o relativismo mudando certo e errado arbitrariamente — é a progressão moral, onde sociedades corrigem erros ao reconhecer princípios mais profundos (dignidade humana, igualdade) que sempre existiram mas foram ignorados, ou seja, bom senso.

O Perigo da Inversão Relativista

O relativismo se torna perigoso quando:

  1. Iguala todas as perspectivas: “Hitler tinha seu ponto de vista” tecnicamente é verdade, mas alguns pontos de vista são objetivamente monstruosos;
  2. Paralisa o julgamento moral: Se tudo é relativo, perdemos a capacidade de condenar injustiças;
  3. Protege opressores: Quem tem poder pode impor sua “verdade” sem contestação moral;
  4. Destrói a possibilidade de diálogo: Se não há terreno comum, não podemos discutir eticamente.

A Posição Equilibrada

O caminho sensato não é nem o absolutismo inflexível nem o relativismo radical, mas reconhecer que:

  • Existem princípios morais fundamentais baseados na redução do sofrimento e respeito à dignidade;
  • O contexto importa na aplicação desses princípios;
  • Podemos estar errados e nossas certezas morais devem ser abertas à revisão racional;
  • Nem toda diferença cultural é moralmente equivalente — algumas práticas violam direitos humanos básicos, que em muitos casos não estão sendo identificados pelo senso comum.

Conclusão

Então, o relativismo moral pode ser usado para fazer o certo parecer errado e vice-versa, especialmente quando manipulado por quem busca justificar o injustificável. Mas isso não significa que toda reavaliação moral seja relativismo perigoso. Nessa dicotomia entre o certo o errado e o relativismo como o fiel da balança, o importante é estarmos vigilantes e alertas para esse relativismo que adentra no seio da sociedade sorrateira e sutilmente.

O desafio é cultivar humildade intelectual (reconhecer que podemos estar errados) sem cair no niilismo moral (acreditar que nada importa). Algumas coisas são erradas não porque “achamos” que são, mas porque causam sofrimento desnecessário e violam a dignidade humana — e isso não muda dependendo do ponto de vista, simplesmente porque são fatos e contra fatos não existem argumentos. Portanto, mesmo quando fazemos algo errado ou prejudicial, mas porque vai beneficiar um grupo ou uma sociedade, se justifica, para o universo aquela atitude continua sendo errada. Entretanto, você teve que escolher a atitude menos prejudicial ou, como se diz: dos males o menor.

A verdadeira sabedoria está em distinguir entre pluralismo legítimo (várias formas válidas de viver bem) e relativismo destrutivo (qualquer coisa vale se eu conseguir justificar). E isso requer vigilância e atenção, pois como já dizia o grande mestre: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.”

Wagner Braga

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