Um Alerta para Nossos Relacionamentos
Lá venho eu, de novo, com questionamentos, e uma certa nostalgia, de tempos que (definitivamente) não voltam mais. Mobilizada por observação, informações, pesquisas e leituras, fico com o sentimento de que a minha contribuição para amenizar a perda destas, e de outras tantas habilidades é, e será, enquanto eu puder, o meu lugar de fala. Por isso venho falar sobre as três habilidades perdidas na Era Digital, quais sejam: a concentração profunda, a memória e as competências sociais.
Você já percebeu como uma conversa no jantar em família mudou nos últimos anos? Onde antes haviam horários a serem cumpridos, a regra da espera por todos à mesa, risos, olhares cúmplices e histórias compartilhadas, hoje vemos cada um no seu horário, se alimentando em lugares diversos (quartos, sofás…), e rostos iluminados pela luz azul das telas.
Acho que não é apenas a minha nostalgia – estamos vivenciando uma transformação profunda na forma como nos relacionamos com o mundo e, principalmente, uns com os outros.
A tecnologia trouxe inúmeros benefícios para nossas vidas, mas como toda revolução, ela cobra seu preço. E o custo que estamos pagando é alto: estamos perdendo habilidades fundamentais que levaram milênios para se desenvolver. Contudo, três delas merecem nossa atenção urgente, especialmente quando pensamos em autoconhecimento e relacionamentos interpessoais.
A Erosão da Concentração Profunda
A primeira habilidade que está se deteriorando é nossa capacidade de concentração profunda. Nossos cérebros, constantemente bombardeados por notificações, estão perdendo a capacidade de se focar em uma única tarefa por períodos prolongados. Isso não afeta apenas nossa produtividade no trabalho – impacta diretamente nossa capacidade de nos conectarmos conosco mesmos.
Então, quando foi a última vez que você passou uma hora inteira em silêncio, apenas refletindo sobre seus pensamentos e sentimentos? A concentração profunda é fundamental para o autoconhecimento. É nos momentos de quietude mental que conseguimos processar nossas experiências, compreender nossos padrões emocionais e tomar decisões mais alinhadas com nossos valores.
O Declínio da Memória Como Ferramenta de Conexão
A segunda perda significativa é nossa memória. Com toda informação disponível instantaneamente, estamos terceirizando nossa capacidade de reter e conectar informações. Entretanto, a memória não é apenas um arquivo de dados – ela é a base de nossa identidade e de nossos relacionamentos.
Lembrar do aniversário de um amigo, da conversa importante que tivemos semana passada ou dos detalhes que alguém compartilhou conosco são atos de amor e consideração. Quando delegamos essas lembranças para lembretes digitais, perdemos a oportunidade de demonstrar que a pessoa realmente importa para nós. Então, a memória compartilhada é o tecido que une relacionamentos duradouros.
A Grande Perda: Nossas Habilidades Sociais
Mas é a terceira habilidade perdida que deveria nos preocupar mais profundamente: nossas competências sociais e de comunicação face a face. Esta é a mais crítica para quem busca relacionamentos interpessoais mais profundos e significativos.
Estamos criando uma geração que se comunica melhor através de emojis do que através de expressões faciais. Jovens que conseguem manter conversas complexas por mensagens, mas ficam ansiosos em uma simples conversa pessoal. Adultos que preferem resolver conflitos por WhatsApp a ter uma conversa franca e honesta olhando nos olhos.
Portanto, a comunicação digital nos oferece uma falsa sensação de controle – podemos editar, deletar, pensar antes de responder. Mas a vida real não tem botão de “desfazer”. Contudo, nos relacionamentos autênticos, precisamos aprender a lidar com o desconforto do silêncio, a vulnerabilidade de não ter a resposta perfeita na ponta da língua, e a coragem de mostrar nossas imperfeições.
Estamos perdendo a capacidade de ler linguagem corporal, de perceber as sutilezas de uma entonação de voz, de oferecer presença genuína quando alguém precisa ser ouvido. O contato visual – essa janela para a alma – está se tornando raro e desconfortável para muitos.

Tecnologia Como Aliada: Uma Mudança de Perspectiva
É importante reconhecer uma verdade inevitável: não temos como fugir desta avalanche tecnológica. A digitalização não é uma tendência passageira – é a nova realidade da humanidade. Resistir ou tentar voltar completamente ao passado não é apenas impraticável, mas pode nos deixar ainda mais desconectados do mundo atual. A chave está em mudar nossa perspectiva: em vez de ver a tecnologia como inimiga dos relacionamentos humanos, precisamos aprender a usá-la como nossa aliada.
Isso significa usar aplicativos de meditação para desenvolver concentração, usar lembretes digitais estrategicamente para não esquecer momentos importantes com pessoas queridas, e até mesmo usar videochamadas para manter conexões genuínas quando a distância física é uma barreira. A tecnologia pode ser uma ponte, não um muro, se soubermos como utilizá-la conscientemente.
O Caminho de Volta
Reconhecer essas perdas e aceitar a tecnologia como parte permanente de nossas vidas significa encontrar um equilíbrio consciente. Algumas práticas podem nos ajudar a recuperar essas habilidades essenciais:
Para recuperar a concentração: Estabeleça períodos diários de “detox digital”. Comece com 15 minutos de silêncio total, sem dispositivos, dedicados apenas à reflexão ou meditação.
Para fortalecer a memória: Pratique lembrar de detalhes importantes das pessoas ao seu redor. Faça o esforço consciente de guardar informações sobre aqueles que você ama, sem depender do celular.
Para desenvolver habilidades sociais: Coloque o celular no modo avião durante refeições e conversas importantes. Pratique o contato visual, escute ativamente e permita-se ser vulnerável nas interações face a face.
Conclusão: O Futuro dos Nossos Relacionamentos
O autoconhecimento e a qualidade dos nossos relacionamentos dependem dessas Três habilidades perdidas na Era Digital e/ou que estamos perdendo. Não podemos nos conhecer profundamente se não conseguimos nos concentrar em nossos próprios pensamentos. Não podemos construir relacionamentos significativos se não conseguimos estar verdadeiramente presentes com as pessoas que amamos.
A escolha é nossa: podemos continuar sendo passivos espectadores dessa transformação ou podemos tomar as rédeas e decidir conscientemente como queremos nos relacionar com a tecnologia e, mais importante ainda, uns com os outros.
O futuro dos nossos relacionamentos – e do nosso bem-estar emocional – pode depender das decisões que tomarmos hoje. Que tipo de conexões queremos cultivar? Que tipo de presença queremos oferecer ao mundo?
A resposta está em nossas mãos. Literalmente.
Sarita Cesana
Psicóloga CRP 17-0979
@saritacesana_ @implementeconsultoria