Ritmo das Pedras Antigas
Dando continuidade ao meu artigo da semana passada “A Arte de Viajar Devagar“, trago um pouco mais desta experiência neste artigo A Alma do Lugar.
Aqui, neste pequeno pueblo espanhol, onde as horas se medem pelo som dos sinos da igreja, (que, claro está na praça central, do vilarejo) e não pelos ponteiros do relógio, descobri que a verdadeira riqueza de um lugar não está no que ele tem, mas no que ele é. Não há museus famosos, monumentos grandiosos ou atrações que figurem nos guias de viagem. Entretanto, há algo infinitamente mais precioso: a vida acontecendo em seu ritmo natural.
Então, me parece que o ano, e a comunidade, vive (entre outras coisas) esperando esta época: o verão!!!
O verão aqui tem seus próprios rituais sagrados. Ao entardecer, quando o calor finalmente dá trégua, as ruas se transformam em palcos de uma performance diária que se repete há gerações. As cadeiras aparecem nas portas, as conversas se estendem pelas calçadas, e o pueblo inteiro se torna uma grande sala de estar ao ar livre.
O compartilhamento comunitário
Na maioria das vezes não é entretenimento programado – é a vida se organizando naturalmente, como água que encontra seu curso. As festas surgem de conversas casuais, os jantares comunitários nascem de um “por que não jantamos todos juntos hoje?”, e os encontros se multiplicam pela simples alegria de estar junto. Sabem aquela ideia: cada um traz um prato? Assim mesmo: se montam mesas, trazem cadeiras e bancos, e todos podem se deliciar com os quitutes de cada família.
Cada refeição se torna uma aula de geografia e história. O azeite carrega o sol das oliveiras centenárias, o queijo conta a história dos rebanhos que pastam nas colinas próximas, e o vinho guarda nas suas notas a memória das chuvas e secas dos últimos anos.
A Arquitetura dos Relacionamentos
Em um mês de convivência, deixo de ser “a estranha” para me tornar “a brasileira avó dos meninos, ou a mãe da Pri”.
Mas, em situações semelhantes, algo brota espontaneamente: as pessoas param para perguntar como você está, te incluem nas conversas sobre o tempo, te convidam para as celebrações improvisadas. Você se torna, temporariamente, parte da trama social que sustenta o lugar.
É nessa imersão que descobrimos como cada comunidade desenvolve sua própria linguagem de afetos. Aqui, o cuidado se expressa no prato de gazpacho que a vizinha traz quando o calor aperta demais, na insistência gentil para que você se junte ao grupo que se reúne à sombra da praça, no “¡hasta mañana!” gritado da janela quando você passa. Por ser um pueblo pequeno, o resultado das hortas cultivadas por alguns, se tornam um dos motivos para as trocas e especialidades de culinárias próprias.

O Tempo Redescoberto
Longe da pressa urbana, o tempo recupera um movimento original. Como as noites são mais frescas, todos dormem tarde, e acordam tarde, também. Os horários mudam completamente: café da manhã às 11h, almoço às 14h, lanche às 18h e o jantar, nunca antes das 22h.
As manhãs têm o ritmo das tarefas domésticas compartilhadas, e em seguida o ponto de encontro é no único lugar disponível: a piscina, que só abre nesta época. Durante as tardes o descanso para todos é garantido, e as noites se desenrolam ao som das vozes que ecoam pelas ruas estreitas, ou na praça, aonde as crianças brincam, os adultos conversam (e bebem seus vinhos ou cervejas) e os idosos observam o movimento.
Não há agenda a cumprir, apenas a disposição de se deixar levar pelo fluxo natural dos dias. É nessa entrega ao tempo local que descobrimos quantas dimensões da experiência humana perdemos quando vivemos sempre correndo.
A Escola da Simplicidade
Este pueblo me ensina diariamente que a felicidade não precisa de muito palco. Ela floresce na simplicidade dos encontros genuínos, na generosidade espontânea, na capacidade de transformar o ordinário em extraordinário através da presença plena.
Aqui, onde “não tem nada”, tem tudo o que realmente importa: a possibilidade de conexão autêntica, o prazer da vida compartilhada, e a sabedoria ancestral de quem sabe que os melhores tesouros não cabem em malas de viagem – cabem apenas na memória e no coração.
Sigo vivendo essa experiência com presença, e consciência do privilégio que tenho tido, de ampliar tanto meus horizontes, assim como responder todas as perguntas que me chegam, pela curiosidade dos que aqui vivem, e imaginam um Brasil tão distante!!!
Sarita Cesana
Psicóloga CRP 17-0979
@saritacesana_ @implementeconsultoria