Acontece nos filmes, acontece na vida: toxicomania

Acontece nos filmes

Com duas indicações ao Oscar, o filme de 2018 comprado pela Prime Video, ‘Querido Menino’ (do inglês, Beautiful Boy), conta a história real de um pai que tenta ajudar o seu filho a sair da toxicomania. Nic está entrando na vida adulta e desde criança vive na ponte Los Angeles-São Francisco, entre a mãe e a nova família do pai. A sua relação com o pai, a madrasta e os irmãos pequenos é extremamente calorosa. Nota-se em duas cenas, Nic criança e Nic aos 18 anos, que o retorno para Los Angeles é doloroso. Também é possível observar, em uma discussão com o pai, ainda sob o efeito das drogas, que Nic se sente pressionado a ser algo além do que ele entende poder ser, como se ele fosse a grande criação de seu pai.

Quando as cenas chegam ao fim, um dado, de certa forma, perturbador é exposto: nos EUA, a overdose é a principal causa de morte de pessoas abaixo dos 50 anos. Muitos outros filmes, séries e documentários americanos corroboram para essa informação.

Na mesma linha, o filme de 2023, também comprado pela Prime Video, ‘Uma Boa Pessoa’ (do inglês, A Good Person), narra a história de uma jovem mulher que se envolve em um acidente de carro, cujas fatalidades são de sua responsabilidade. Para combater a dor física, durante a sua recuperação, receitam oxicodona para ela. E, para se livrar do sentimento de culpa, o opioide acaba também caindo como uma luva. Assim, Allison desenvolve a toxicomania e luta para se livrar dela.

Acontece na vida

Seguindo o mesmo raciocínio, a Netflix lançou em 2023 a série ‘Império da Dor’ (do inglês, Painkiller). Esse drama conta a história do OxyContin, da Purdue Pharma, analgésico de uso contínuo, cuja ação é semelhante à da morfina. A série traz histórias reais de pessoas que se tornam viciadas nesse forte opioide em diferentes situações: seja para fugir da dor física, seja para fugir da dor emocional. ‘Império da Dor’ escancara a epidemia de opioides nos Estados Unidos. Uma epidemia silenciosa, cuja cortina de fumaça se mantém pela legitimação da legalidade.

Segundo a reportagem da BBC, Crise de opioides: ‘as máquinas de refrigerante’ que dão antídoto de overdose em ruas dos Estados Unidos, o fentanil, um opioide sintético “cem vezes mais potente que a morfina e 50 vezes mais forte que a heroína”, contribuiu para o aumento das fatalidades. Ainda de acordo com o artigo, o fentanil costuma estar misturado a outras drogas nos EUA. “As máquinas de refrigerante” espalhadas pelas cidades mais intensamente a partir da pandemia de covid-19, oferece, dentre outros, teste para fentanil em drogas e naloxona, um antídoto nasal contra overdose de opioide.

Quando entramos no Brasil, enfrentamos uma outra realidade, mas não muito menos caótica. Talvez, inclusive, trate-se de um sinal de alerta para o que há por vir. O Jornal da USP publicou este ano a seguinte matéria: Busca por medicamentos para a saúde mental cresce a cada ano no Brasil. Segundo o texto, a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor “cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021”. 

Toxicomania: da necessidade ao desejo
Uma colherada de remédios

Bom, os filmes e séries citados no presente texto trazem diferentes histórias que circundam a toxicomania. Apesar de algumas delas falarem de pessoas, a priori, felizes, completas, bem resolvidas, é importante termos em mente que a completude não existe. Porque falamos uma língua que gera ambiguidades, porque nos relacionamos, consequentemente somos seres faltantes. A droga reconforta porque proporciona uma sensação de preenchimento. Um falso preenchimento. Uma sensação instantânea e enquanto durar o efeito. Um querer imediatista. 

Aos poucos, a necessidade de se livrar da dor para que seja possível retomar uma vida vai sendo substituída pelo desejo de não sentir nenhum tipo de desprazer. A dúvida, o ser contrariado, a culpa, a perda, todas essas são formas de desprazer. E todos esses são sentimentos aos quais estamos vulneráveis, expostos, na iminência de ocorrer. Talvez, não haja outra maneira de se livrar do vício ou de lidar com a vida, a não ser aprendendo a aceitar esse buraco. Esse furo. Esse vazio.

Compartilhar

Deixe um comentário