A desvalorização do profissional
No Brasil, apesar de a profissão de professor nunca ter sido muito valorizada financeiramente falando, até alguns anos atrás, a ela era atribuído confiança por parte dos pais e respeito por parte das crianças. Os adultos confiavam naquele que ajudava a educar os seus filhos e, como extensão desse sentimento, as crianças aceitavam as propostas desse que era visto como substituto de seus pais em ausências programadas.
Com a era digital e o acesso desenfreado à informação, crianças e pais tendem a “saber” mais do que a sua compreensão é capaz de alcançar. O que faz com que detenham mais poder mesmo com argumentações desfalcadas ou superficiais. Aproveite para ler também Pais e filhos tentam sobreviver à era digital. Como resultado, temos educadores desvalorizados pelo seu suposto saber. Professores vivendo com o medo de serem acusados de alguma inadequação em suas metodologias. Ou de se encontrarem em situações que demandam repreensão de crianças cujos pais assumem deter o saber, acima de qualquer autoridade.
Os filhos utilizam-se de seu acesso desenfreado às tecnologias para expor professores em suas atividades – a quase todo momento, desafiadoras, tendo em vista que lidam com pessoas vulneráveis e, a priori, destituídas de responsabilidades -, muitas vezes, desrespeitadas e questionadas pelos pais através dos primeiros.
A fragilização do sistema
Os casos de professores afastados ou na iminência de se afastarem de suas atividades por burn out, ansiedade ou mesmo por demissão, envolvidos em polêmicas geradas por pais, acumulam-se pelo país. Se as escolas acatam reclamações infundadas destes, sem se questionar qual o seu papel na sociedade, sem estudar e definir as melhores estratégias na formação de um ser humano bem como no manejo de pais que assumem a detenção do saber, a educação vai, então, fragilizando-se e tornando-se insustentável.
Veja bem, não é que as instituições não precisem ser questionadas. Pelo contrário, elas devem ser questionadas. Mas o que estamos questionando é pertinente à nossa posição de pai ou mãe? A crítica não deve ser direcionada apenas às colocações outras, mas às nossas próprias fundamentações. Afinal, o que me leva a crer que eu saiba mais de educação em escolas do que alguém que estudou para isso e se dedica todos os dias a isso? E que soluções estou propondo em contrapartida? Elas atendem o contexto social?
Costumamos esquecer que as instituições são ambientes públicos, que não atendem demandas específicas de pais – que, claro, não se encaixem como necessidade especial dos filhos. Elas têm que trabalhar para atender o todo da melhor maneira possível. Afinal, o papel da escola nunca foi o de dar continuidade à educação que os pais dão em casa. O papel da escola é introduzir a criança na sociedade. Uma sociedade repleta de diversidades culturais e de situações e indivíduos que a frustram, mas que mesmo assim devem ser respeitados em suas individualidades. O papel da escola vem naturalmente no contra fluxo daquele que cabe ou que, talvez, não caiba, mas do qual os pais da contemporaneidade acabam se apropriando: o de superproteção.
O tal do suposto saber
Na psicanálise, o analista deter o suposto saber, a priori, é fundamental para que haja transferência e que se dê início a um tratamento. Da mesma forma, nas escolas, faz-se necessário que os professores também assumam esse lugar, para que as crianças consigam se integrar à sociedade de maneira adequada. Porque, assim como na análise, o indivíduo se torna sujeito e protagonista de sua própria história, na escola, a criança se torna cidadã e aprende a se responsabilizar pelos seus próprios atos.
Para que as crianças possam se questionar e, finalmente, se defender, os adultos precisam abrir mão dos supostos saberes que não lhes cabem. Afinal, é preciso compreender que cada um tem a sua função, cada um é mestre em uma área específica. Lembremos que tentar a maestria em muitas áreas diferentes pode acabar nos deixando a desejar em todas elas.