Pais e filhos tentam sobreviver à era digital

Os problemas de uma nova era

Quem nunca ouviu um “ah, mas na minha época, não era assim!”? De fato, não era nem mais será. A era digital, que insisto em trazer nesta coluna, constrói um contexto completamente diferente para as últimas gerações.

A parentalidade deverá ser repensada conforme os novos contextos vão surgindo. Não será possível criar os nossos filhos como os nossos pais nos criaram. Nem que escapássemos à civilização. 

Um artigo da BBC publicado na semana passada fala das famílias norte-americanas que perderam filhos por suicídio e overdose e estão processando empresas como Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, Google, administradora do YouTube, Snap, dona do Snapchat, e ByteDance, com o TikTok. 

“As ações alegam que a ‘crise de saúde mental sem precedentes entre as crianças’ é alimentada pelos produtos ‘defeituosos’, ‘viciantes’ e ‘perigosos’ dessas empresas.” Em contrapartida, “as empresas rejeitam as alegações e afirmam que estão constantemente implementando e atualizando ferramentas e recursos para proteger crianças e adolescentes em suas plataformas.”

Dentro da civilização que, agora, segue pela era digital, impera o capitalismo. As famílias das vítimas acreditam que empresas que controlam as redes sociais “incorporam deliberadamente em seus produtos uma série de recursos de design destinados a maximizar o envolvimento dos jovens para gerar receitas publicitárias.”

Bom, apesar de familiares, a novidade dessas alegações é que, hoje, tudo acontece de uma forma muito rápida e expansiva, sendo possível atingir um público de milhões de pessoas em alguns segundos.

No entanto, não é novidade alguma que as empresas irão sempre se munir de argumentos e encontrar brechas e até mesmo lacunas enormes em legislações criadas outrora. 

Álcool, drogas e redes sociais

Tentando seguir a mesma linha de raciocínio, encontro um outro artigo: Por que o álcool é tão perigoso para o cérebro dos jovens. Neste, questiona-se: “deveriam os governos definir a idade legal mínima de 25 anos ou mais” para se consumir álcool, levando em consideração que é apenas em tal período que o cérebro termina de se desenvolver? 

Para contextualizar o leitor, o artigo alega que “pesquisas científicas vêm desmentindo antigas crenças sobre o consumo de álcool pelos jovens”, a começar pela idade do desenvolvimento cognitivo e pela ideia, por exemplo, de que “permitir que os jovens bebam em casa com as refeições ensina a eles o consumo responsável do álcool”.

A neuropsicóloga Lindsay Squeglia da Universidade Médica da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, alega ser um mito a afirmação:

a introdução lenta do álcool em contextos controlados ensina os jovens a beber com segurança e reduz o consumo de álcool em excesso com mais idade, enquanto a restrição leva a bebida a ser um tentador ‘fruto proibido’
Leis parental e governamental

Pelo contrário, Squeglia aponta:

As pesquisas demonstraram que, quanto mais permissivo for o pai com o consumo, maior a probabilidade de que o filho tenha problemas com álcool em fases posteriores da vida.

Bom, tendo em vista os dois artigos, que denunciam o desespero dos pais e a sua esperança em contar com a lei para ajudar a criar os seus filhos, trago uma reflexão para nos auxiliar a pensar a educação: que responsabilidade é essa que retiramos dos nossos ombros e lançamos ao Estado?

Até quando esperaremos os órgãos públicos se manifestarem sobre questões que nós, indivíduos e cidadãos, também deveríamos buscar compreender? Questões geradas por empresas que, inclusive, temos o poder de boicotar.

Reminiscências

A permissividade para com o consumo de drogas bem como de mídias sociais pelos filhos fala também de uma possível dependência ou do próprio estilo de vida dos pais. As mídias não exploram apenas as gerações mais jovens, mas estas estão mais vulneráveis, visto que:

  • nasceram na era digital,
  • ainda estão em fase de desenvolvimento e,
  • a priori, possuem mais tempo livre do que seus pais.

Então, pensando que somos espelhos para os nossos filhos, como esperar que comam bem, se comemos mal? Como esperar que não se entorpeçam, se precisamos de “ajuda” para dormir? Como esperar que consumam menos telas, se, para escaparmos do barulho das crianças ou da chatice dos adolescentes, calamos suas bocas com entretenimentos digitais? Ou se para sobrevivermos com os nossos próprios problemas, refugiamo-nos nas vidas de outras pessoas?

Parece estranho termos que buscar formas de proteger os nossos filhos sempre fora de nós, fora do nosso habitat, daquilo que nos deveria ser mais acessível. Você não acha? Afinal, o gozo, que nos entrete enquanto fugimos do que realmente é importante para nós, diria Lacan, é aquilo que escapa e não se submete a nenhuma lei.

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