A felicidade enquanto delírio

Saída de emergência

Passados os meados de dezembro, se a gente não foi feliz nos outros meses, então, essa é a nossa última oportunidade! Mês de festas, férias, muitas postagens no Instagram e de criar muitas expectativas para o ano que vem. Se, ao longo do ano, não foi fácil esconder os problemas, em dezembro, temos os festejos para usarmos de distração até para nós mesmos. No entanto, distrair é uma espécie de alívio vazio, ou seja, ausente de significado. O que, inclusive, deveria nos fazer atentar para o maior número de suicídios durante esse período. 

A felicidade, que já foi tema de artigo, aqui na coluna De Ponta Cabeça, este ano, é a peça-chave fake das vidas que todos tentamos construir. Em outras palavras, é a peça do quebra-cabeça que o sistema capitalista tenta vender em forma de produtos, mas que, em mensagem decodificada, significa “fuga da morte”. Que é o que vínhamos refletindo no texto da semana passada, A experiência estética do homem-deus.

A dor no capitalismo

Byung-Chul Han é o filósofo sul-coreano que escreveu Sociedade paliativa – a dor hoje. Neste livro, Han se debruça sobre o tema dor, que, em termos psicanalíticos, é algo da ordem da sensação de morte. Ou seja, o capitalismo tenta nos vender cada vez mais soluções para as dores que sentimos: comidas ultra processadas, artigos de luxo, bebidas e drogas (lícitas e ilícitas). Tudo, para mascarar as nossas dores. A fim de reforçar essa ideia, cito passagem de resenha do livro de Han na Revista Cronos, periódico de divulgação científica vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN:

Na intelecção de Han, há associação da sociedade paliativa com a sobrevivência, que absolutiza o sobreviver a qualquer custo. Han trabalha com a ideia de que, para sobreviver, é sacrificado voluntariamente tudo o que faz a vida digna de ser vivida. Afirma que falta ao capitalismo a narrativa da vida boa. O capitalismo absolutiza a sobrevivência que nutre a crença inconsciente em que mais capital significa menos morte. O capital é acumulado contra a morte.
Como num passe de mágica

A questão é que a morte, ou pelo menos a sua sensação, continua lá. Com capital ou sem capital. Prova disso é o número crescente de suicídios e de venda de medicamentos tarja preta. Afinal, que delírio é esse? Sigmund Freud, em “O mal estar na cultura”, já discutia sobre o delírio coletivo:

O caso que pode reivindicar uma importância especial é o de que um número maior de pessoas empreenda conjuntamente a tentativa de criar para si garantia de felicidade e uma proteção contra o sofrimento através de uma reconfiguração delirante da realidade.

Freud ainda adverte que “(…) o delírio jamais é reconhecido por aquele que ainda o está compartilhando.” Aquele que compartilha a famigerada ‘positividade tóxica’, que também poderia ser rotulado de ‘negacionista’. Por que não? Afinal, é aquele que nega os problemas, que passa por cima deles sem, de fato, entender como solucioná-los. Acreditando que essas coisas podem simplesmente sumir, como num passe de mágica. Para esses, Hans…

Prossegue  sustentando  que  a  dor  não  desaparece.  Ela  muda  de  manifestação.  Evidencia o paradoxo de que, na sociedade paliativa que foge da dor, nunca se sofreu tanto de  dores  crônicas,  vindo  a  traçar  um  paralelo  entre  a  ideia  da  violência  da  negatividade  decorrente  das  repressões  como  fontes  de  sofrimentos  e  o  excesso  de  positividade  com  o qual as pessoas se lançam à exaustão no hiperdesempenho, na hipercomunicação e na hiperestimulação.  É  o  processo  que  Han  denuncia  de  explorar  a  si  mesmo  acreditando  que está se realizando até desmoronar.

Ou até sumir. Quem sabe? Como num passe de mágica.

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