A experiência estética do homem-deus

Não, não se trata de Kant…

Mas de Carboxiterapia, Striort, Corrente Russa, Kavix Avatar, Lipo Enzimatica, Gluteo Max, Jato de Plasma, Ozônio Estrias, Peeling 4D. Se você já ouviu falar nesses termos, então, é provável que você tenha contribuído para o crescimento da estética avançada no Brasil.

Segundo o artigo publicado pelo veículo de informações Metrópoles, O Brasil é o 3° no ranking da estética mundial e clínicas se destacam:

Brasil, janeiro de 2021: dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) evidenciam que a estética é um dos ramos de maior expansão no mercado brasileiro. Nos últimos anos, esse setor cresceu 567%, contando com a colaboração de mais de 480 mil profissionais envolvidos.

De acordo com a matéria, o Brasil fica atrás somente dos EUA e da China. No entanto, um outro ponto chama ainda mais a atenção: o subtítulo, que diz “A importância de cuidar do corpo e da mente vai além do que se imagina. A falta de cuidado com isso pode acarretar doenças mentais.”.

Cuidando de rejuvenescer

O cuidado com a estética pode indicar diversas questões; o cuidado compulsivo, outras tantas. Mas quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? A falta de cuidados pode levar ao adoecimento psíquico ou o adoecimento psíquico pode levar à falta de cuidados? 

Bom, poder, pode… Mas a falta de cuidados não necessariamente indica que há algo de errado. Afinal, de qual nível de cuidados ou falta deles falamos? Uma pessoa que não toma banho há dias ou um cabelo que não é pintado há meses? Bom, começamos falando sobre estética avançada, certo? Então, deixemos de lado quem não quer tomar banho. Afinal, e se, ao contrário, o adoecimento psíquico levar ao excesso de cuidados? Isso seria algo impensável? Não, mas, talvez, pouco pensado, tendo em vista que estamos vivendo a plena sociedade do consumo.

Dessa forma, os cuidados dos quais falamos aqui fazem referência ao padrão de beleza que a sociedade nos impõe, sem sequer nos questionar se faz sentido para nós. Se apreciamos com os nossos próprios olhos e percepções. Afinal, em quantos formatos a beleza pode existir? Para a ditadura da moda, apenas um.

A prestadora portuguesa de cuidados de saúde e bem-estar, FISIOGlobal – Saúde Integral, anuncia em sua página:

Atualmente, pretendem-se resultados naturais, respeitando as características do paciente. O objetivo principal não passa apenas por rejuvenescer, corrigir assimetrias ou melhorar a qualidade da pele, mas por atrasar o envelhecimento, diminuindo os sinais da idade…
Anti-aging: a fuga

Regeneração, reparação, prevenção de linhas de expressão, estímulo da produção de colágeno. Na cultura ocidental, a beleza está atrelada à juventude. Daí, o combate ao envelhecer. Seria essa toda a verdade? Para alimentar as nossas reflexões, cito alguns trechos do livro Homo Deus: uma breve história do amanhã, de Yuval Noah Harari:

(…) uma minoria crescente de cientistas e pensadores… declara que a principal empreitada da ciência moderna é derrotar a morte e garantir aos humanos a juventude eterna. Exemplos notáveis são o gerontologista Aubrey de Grey e o polímata e inventor Ray Kurzweil… Em 2012, Kurzweil foi nomeado diretor de engenharia no Google, e um ano depois o Google lançou uma sub companhia chamada Calico, cuja missão declarada é ‘resolver a morte’.

Harari continua:

Alguns especialistas acreditam que os homens vão vencer a morte por volta de 2200; outros anunciam que isso acontecerá em 2100. Kurzweil e De Grey são ainda mais confiantes: eles sustentam que qualquer pessoa que tenha um corpo saudável e uma igualmente saudável conta bancária terá em 2050 uma chance séria de imortalidade, enganando a morte uma década por vez. Segundo esses dois estudiosos, a cada dez anos aproximadamente poderemos ir até uma clínica e receber um tratamento renovador que não só irá curar doenças, como também regenerar tecidos deteriorados e aumentar a eficácia de mãos, olhos e cérebro. Antes de realizar o próximo tratamento, os médicos terão inventado uma série de novos medicamentos, atualizações e uma variedade de dispositivos.

Acredite, qualquer semelhança é mera coincidência…

Tentando sair da eterna tormenta

Então, questiono: o que será que não foi ainda superado pelo homem? A imortalidade é apenas um objetivo que nos instiga pelo tamanho do desafio? Ou poderia ser uma tentativa de aumentar as chances de encontrarmos a tal da felicidade? 

Harari vai além:

Ao buscar a felicidade e a imortalidade, os humanos estão na verdade tentando promover-se à condição de deuses. Não só porque esses atributos são divinos, mas igualmente porque, para superar a velhice e o sofrimento, terão de adquirir primeiro um controle de caráter divino sobre o próprio substrato biológico.

E faz um adendo sobre a questão divina:

Se isso não soa científico ou se parece totalmente excêntrico, é porque com frequência as pessoas entendem mal o sentido da divindade… a ideia diz mais respeito aos deuses gregos, ou aos devas hindus… seriam capazes de amar, odiar, criar e destruir numa escala muito maior do que a nossa.

Assim é o homem-deus. Aquele que combate o natural. Que cria e destrói pelo simples fato de poder. Aquele que tem projetos intermináveis, que vaga à procura da felicidade. O rejuvenescido insatisfeito num tormento eterno.

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2 comentários em “A experiência estética do homem-deus”

  1. O sonho alquímico da indestrutibilidade em eternizar – se paira na humanidade e a distancia paradoxalmente da evidência da sua ineficácia quanto a capacidade de viver bem enquanto espécie … Que nem atingiu essa condição entre os seus , nem entre outras espécies. Curioso fica o sentido então da busca pela permanência, quando questiona – se o para que ? desse projeto . Bem associada aqui a paridade com a condição de deuses , conferindo – se um poder que quebra os limites das tantas impossibilidades que o ser humano tem .

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    • Exato, Ana, essa é uma bela questão: para que?
      Esse é o paradoxo do homem contemporâneo: o homem multitarefas, excessivamente produtivo, excessivamente belo, e demasiadamente insatisfeito. Um muito que representa nada. E ainda com a tentativa de eternizar esse vazio… De fato, para que?

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