A neurose na não-dualidade?

A dualidade

Em Cérebros que encolhem: a complexidade da verdade, vimos que a cultura védica nasceu no oriente há alguns milhares de anos, antes mesmo da escrita e, inclusive, da linguagem dos signos, aquela que utilizamos atualmente. A linguagem da ambiguidade e das contradições. Um amor que não é sem o ódio, um querer não querendo.

Enquanto o yoga traz como ensinamento a união, ou melhor, as pazes entre tudo aquilo que é dual, para que ambos possam existir em suas individualidades, ou seja, independentes de suas oposições, a neurose não existe sem a dualidade. Assim, a neurose nada é sem a fusão das pulsões de vida e de morte, onde um não é sem o outro, onde só a coexistência é possível.

Com a complexidade do ser, antigas culturas e religiões passam a apresentar muitas brechas, começam a não fazer mais sentido, a não atender as atuais necessidades, e, muitas vezes, tornam-se praticamente obsoletas, pelo menos, a nível de indivíduo, como é o caso dos “não praticantes”.

Novos crentes

Como foi discutido no texto da semana passada, O conto da mulher: perversão e empoderamento, tendo em vista todas as opções ao nosso alcance, o que as pessoas procuram é mudança.  Por isso a busca por novas crenças e religiões tem se tornado cada vez mais frequente. Segundo o artigo Por que tantos asiáticos estão abandonando suas religiões?, isso ocorre especialmente no Leste Asiático.

Hong Kong e a Coreia do Sul estão no topo da lista, com 53% dos entrevistados em cada país afirmando que mudaram sua identidade religiosa, incluindo abandonar completamente a religião.

Em Taiwan, 42% das pessoas mudaram de crença religiosa; e no Japão, 32%.

Para termos uma noção, na Europa, não teria se encontrado nenhum país em que essa taxa passasse dos 40%. Nos Estados Unidos, “apenas 28% dos adultos já não se identificam com a fé em que foram criados”. E, no Brasil, esse número passou ligeiramente dos 10%.

Não-dualidade versus neurose

As primeiras crenças do oriente são basicamente todas pautadas na não-dualidade e na manifestação do divino através da sabedoria. Enquanto “yoga” significa “união”, “Tao”, de Taoísmo, faz referência a uma “totalidade”, por exemplo. Saiba mais em Não-Dualidade – Advaita aplicado e o ‘Caminho Direto’.

Historicamente falando, no Leste Asiático havia menos foco no que se poderia chamar de identidade religiosa exclusiva. Se você fosse taoísta, isso não significava que não pudesse ser budista ao mesmo tempo ou confucionista. Estas fronteiras eram muito menos claramente demarcadas do que no Ocidente.

A questão é que, com a globalização, o problema do capitalismo, que nasceu no ocidente, passa a ser também do oriente. Apesar de ainda evidentes as diferenças entre as culturas, acabam se assemelhando quando entra em jogo a neurose do capitalismo, principalmente nos países que recebem mais investimentos estrangeiros.  

Como lidar com a neurose?

É claro que se temos culturas diferentes, também temos formas diferentes de lidar com essa neurose. É o que mostra o texto da BBC Por que pais sul-coreanos estão se trancando em celas de confinamento.

No ano passado, uma pesquisa do Ministério da Saúde e Bem-Estar da Coreia do Sul com 15.000 pessoas de 19 a 34 anos descobriu que mais de 5% dos entrevistados estavam se isolando.

Se isso for representativo da população em geral da Coreia do Sul, significaria que cerca de 540.000 pessoas estavam na mesma situação.

Esse mesmo problema teria iniciado no Japão ainda na década de 90. Talvez, fruto da antecipação desse país oriental na corrida industrial. Mas o fato é que a Coreia do Sul, cuja desigualdade de riqueza teria piorado nas últimas três décadas, possui “uma das taxas de suicídio mais altas do mundo” e as pesquisas apontam para: “dificuldades para encontrar um emprego, problemas nos relacionamentos interpessoais, problemas familiares e questões de saúde”.

Vendo os filhos isolados, trancados em seus quartos, “negligenciando a higiene pessoal e as refeições” – comportamentos estes típicos depressivos -, numa cultura de poucas expressões verbais – onde “os pais financiarem as mensalidades dos filhos através do trabalho árduo é um exemplo típico de uma cultura confucionista que enfatiza a responsabilidade” -, nada restou a esses pais que procurarem se colocar no lugar de seus filhos. Literalmente.

Uma solução?

O objetivo do programa é ensinar as pessoas a se comunicarem melhor com seus filhos. O programa inclui três dias em uma instalação em Hongcheon-gun, na Província de Gangwon, onde os participantes passam um tempo em um quarto que replica uma cela de confinamento solitário. A esperança é que o isolamento ofereça aos pais uma compreensão mais profunda de seus filhos.

Com os filhos ainda sob os seus tetos, os pais se sentem tão culpados, que acabam não conseguindo expor o problema a outras pessoas e se isolando dos familiares. Uma cultura capturada pelos problemas da linguagem, mas que não consegue falar. Que busca a solução na consequência, ignorando a causa. O que não poderia ser diferente, já que parecem ter pego o bonde em movimento.

Se, no ocidente, apenas no ano de 1900 iniciaram-se os estudos que apontavam para os problemas do campo da linguagem e levaram-se mais de 100 anos para que a Psicanalise fosse aceita, recomendada e reconhecida pela sociedade, é possível que se levem outros tantos anos ainda para que o oriente encontre uma saída mais eficaz para o problema gerado do encontro com o ocidente.

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