O sintoma
A obra do escritor irlandês James Joyce foi objeto de estudo de Jacques Lacan em seu ‘Seminário 23: o sinthoma’, com o objetivo de reformular o conceito freudiano de inconsciente. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Joyce se tornou expatriado, condição colocada para a maior parte de sua vida. E é como exilado que ele timbra o seu estilo linguístico.
Em artigo à Revista Cult, a psicanalista Bianca Coutinho Dias diz que Joyce, “o exilado da língua que inventa outra língua”, chega a emitir som em sua obra.
O som vem de um sujeito que fala e fala-se sempre também em nome de algo inominável. Fala-se para buscar o sentido lá onde ele escapa. Fala-se para eliminar o sentido prévio herdado, para estraçalhar a linguagem e invocar o impensável. Fala-se para poder fazer delirar todas as vozes que nos habitam.
Joyce outside
Para Lacan, existe em Joyce uma noção de corpo que, em vez de bancada pela imagem do próprio corpo, sustenta-se “sobre um procedimento de escrita que implica sempre a produção de um resto, um excedente que não encontra representação e é marcado pela estranheza”. Mas, ao mesmo tempo, “uma escrita que mobiliza “efeitos de furo” na medida em que dá lugar para as significações fora de sentido”. No caso de Joyce, o objeto é abordado pela via do som, e não do sentido.
Em outras palavras, Joyce teria se colocado como uma espécie de outsider, ao escolher habitar o exterior de sua própria nação, promovendo, assim, sua vivência numa realidade cheia de vazios, que ele procurou preencher através de sons.
Tentativas de linguajar o amor
Bom, o processo de escrita em si já é uma tentativa de preencher vazios. Se, para sobreviver, alguns buscam sons de preenchimento, outros procuram dar significado aos significantes. Quando escrevemos, é recorrente que busquemos palavras para dar sentido a um pensamento. Nem sempre é possível. Às vezes, faltam palavras, às vezes, falta sentido. Afinal, somos seres incoerentes, ambíguos pela própria crueza da linguagem.
Quando falta sentido, angustiamo-nos, sofremos sintomaticamente. É quando algo nos atravessa e não fica, escapa, tornando-nos “seres que vivem sempre fora de uma suposta terra natal originária”. Tornando-nos não pertencentes. É esse sentimento que dá origem e movimento ao meu livro ‘Para Ser Inesquecível‘. Uma busca por lugares, pessoas, significados. E que acaba se tornando uma sequência de lutos, em diferentes fases, como resposta à perda subsequente de sentidos. Assim como em Joyce, tentativas de criar uma linguagem do amor por si próprio.