Escândalo hollywoodiano
Há algumas semanas, a mídia começou a disparar notícias sobre a prisão do rapper e empresário norte-americano P. Diddy. Ele é acusado de uma série de crimes, incluindo: tráfico sexual, associação criminosa, sequestro, incêndio criminoso, suborno, agressão física, obstrução da justiça, coerção e intimidação com armas de fogo.
Diddy é acusado de coordenar “freak-offs”, eventos sexuais prolongados onde vítimas eram coagidas e drogadas para participarem de performances sexuais, muitas vezes filmadas sem consentimento. As vítimas incluíam tanto mulheres quanto trabalhadores sexuais masculinos.
É nas festas “freak-offs” promovidas por Diddy que se concentram as acusações contra ele. Muitos dos artistas promovidos por Diddy também teriam sido levados a essas festas, inclusive, ainda menores de idade. Inúmeros artistas de Hollywood também estariam envolvidos nos crimes, se não como coautores, como cúmplices.
O que o dinheiro não compra?
Se, na semana passada, falávamos da crise do ser milionário, hoje, falamos do mesmo, mas de uma outra perspectiva. Enquanto alguns lutam desesperadamente para chegar e crescer na casa dos milhões, outros não sabem o que fazer com os seus sete, oito ou nove dígitos.
Trata-se de um outro tipo de crise, que vai desde a euforia dos consumos mais megalomaníacos, de forma a extrapolá-los ou esgotá-los, até a melancolia da sensação de vazio que permanece apesar dos exageros. Compram-se objetos luxuosos, roupas haute couture, comidas requintadas, drogas de luxo, pessoas, princípios, liberdades. O peixe grande (Diddy) que compra um menor (artista consagrado), que compra um menor (artista aspirante), que compra um menor (garoto de programa), que compra um… de menor? Deflagramos novamente uma cultura de exploração.
Segundo o promotor de acusação, Tony Buzbee, que representa 120 supostas vítimas de Diddy, 25 dessas 120 eram menores de idade à época do crime – entre recrutados para trabalhar nas “freak-offs” e potenciais artistas que almejavam a fama. Buzbee ainda afirma que a proporção de homens e mulheres é de 50/50. O número de vítimas do sexo masculino teria crescido exponencialmente a partir de 2015. Isso pode nos mostrar que as vítimas não têm gênero, mas fragilidades.
Ouvi dizer que Babilônia é Salvador
Quem assiste ao filme ‘Babilônia’ (Babylon), estrelado por Brad Pitt e Margot Robbie, pode ter uma ideia do que se tratam as festas de Diddy. O longa remonta à Hollywood ainda do cinema mudo, numa transição para o falado. À medida que a linguagem é incorporada, a indústria cinematográfica vai se tornando moralista e conservadora. As festas regadas a orgias, drogas e jazz se transformam em festas pomposas e polidas que vão a público de um lado e, de outro, festas cada vez mais bizarras escondidas numa espécie de submundo. As críticas falam de excessos cometidos pela direção, referindo-se a essas cenas, e também chamam essa Hollywood de velha, como se tivesse ficado no passado. Mas será que ficou mesmo?
Bom, diversos outros filmes podem ter acabado dando sinais do que, de fato, se passa por detrás dos bastidores do cinema e da música: uma realidade, de certa forma, inimaginável a quem se encontra abaixo da casa dos seis dígitos. Afinal, a nossa imaginação costuma ficar próxima daquilo que podemos bancar ou do que é mais possível para nós.
Sade
À medida que cresce o nosso poder aquisitivo, temos a possibilidade de experimentar mais e mais tipos de sensações. E, se a natureza humana é má, tenderemos a andar pelos caminhos tortuosos da perversidade. Marquês de Sade dizia que “um escritor deve ‘pintar os homens tais como são’”. E assim o fez, deixando uma vasta obra que testemunha o tormento de uma vida inteira: “passou a vida em prisões, pagando por crimes de licenciosidade, perversões sexuais, violência sexual etc.” e morreu num sanatório da França.
Baudelaire
Mais tarde, o poeta Charles Baudelaire também aparece como um transgressor de sua época. Teve “poemas arrancados de seu livro, a mando da justiça” e “seus detratores o acusavam de realismo grosseiro e perversidade”. O poeta Eduardo Veras fala em artigo à Revista Cult, edição de setembro, que Baudelaire tentava “extrair a beleza do Mal” e cita passagem de uma de suas obras, ‘As flores do Mal’:
Aquilo que os homens nomeiam de amor é demasiado pequeno, demasiado restrito e demasiado fraco comparado a essa inefável orgia, a essa santa prostituição da alma que se entrega toda inteira, poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.
Veras explica que Baudelaire “reconhece no amor não apenas o desejo gratuito de fazer mal ao outro, mas sobretudo, um desejo de sair de si”. Na verdade, o amor parece apenas uma desculpa. Afinal, em nome do amor, mata-se, machuca-se, aprisiona-se. Afinal, a quem se endereça esse afeto? O amor parece ser única e exclusivamente por si mesmo. Por um desejo de satisfação pessoal, por sentir-se no poder, no controle, útil, desejado, amado, invejado.
Parece que à medida que a linguagem avança, tudo se torna tão complexo, que é preciso abandoná-la e entregar-se ao que há de mais instintivo, ao primevo, ao tempo em que o amor sequer existia.