E o crescimento acompanha o poder do povo?

Crescendo infinitamente em um planeta finito

É possível crescer infinitamente em um planeta finito? Países como o Reino Unido, que estão em crise, com taxas crescentes de desemprego e pobreza e salários estagnados há mais de uma década, tentam lidar com esse que é um verdadeiro dilema.

Nas indústrias brasileiras, a meta é sempre, não necessariamente dobrá-la, mas, aumentá-la significativamente a cada ano. A evolução do faturamento vem através do aumento da produção, que pode vir acompanhado de uma maior pressão e uso de horas extras dos funcionários ou da geração de postos de trabalho, quando se criam, por exemplo, novos turnos de funcionamento. Ou pode vir do emprego de novas tecnologias, o que envolve novos investimentos e dívidas por parte da empresa. Do reajuste dos preços dos produtos, que tem impacto no poder de compra dos consumidores. E da expansão do mercado ou da conquista de novos clientes, o que também é um ponto de atenção para a saúde mental do pessoal de vendas que precisa inflar a sua carteira num curto espaço de tempo.

Aumento de produção e criação de novos turnos de trabalho impactam diretamente sobre o meio ambiente. A maior geração de resíduos, gasosos, líquidos e sólidos, tem sido uma preocupação constante quando se trata da preservação da fauna, da flora e dos recursos que utilizamos para a manutenção de nossas vidas, como o ar que respiramos e a água que bebemos.

Sustentabilidade

Apesar da criação de diversos programas a favor da sustentabilidade por parte das empresas, nada é suficiente para que impeçamos a redução da qualidade dos recursos. Poderíamos pensar, talvez, numa desaceleração. Mas esses programas, na verdade, são oferecidos em troca do crescimento em si. E, como no crescimento, poluímos mais, uma coisa acaba anulando a outra.

Não é porque uma empresa segue a legislação que ela é limpa. Afinal, a lei permite diversas coisas que, se parássemos para avaliar, nós mesmos, os leigos, não permitiríamos. Porque a lei é tolerante para com as perdas que acompanham o crescimento econômico. Os efluentes industriais, por exemplo, mesmo dentro dos parâmetros legais, contaminam o lençol freático. Cada vez mais, temos águas de menor qualidade, que necessitam de novos processos químicos para serem tratadas e consumidas. Com o aumento das produções, geramos mais lixo, que vai pro aterro e contamina o solo, que vai para as plantas e os bichos, e precisamos de novos processos químicos para eliminar ou reduzir elementos contaminantes a um nível aceitável pela lei, para que finalmente tenhamos disponibilidade à nossa mesa. Ou precisamos adquirir novos produtos e serviços para utilizar em casa e garantir a segurança daquilo que vamos ingerir. É um ciclo vicioso.

O crescimento e a desigualdade

E é no vício que nos pegam. No vício pelo dinheiro, pelo poder de compra. Afinal, processos para tornar um produto mais saudável, tornam-no cada vez mais caro e o custo de vida fica sempre mais elevado. E essa é apenas a luta pela sobrevivência.

Em entrevista à BBC News, o economista Daniel Susskind afirma:

O crescimento econômico tirou milhões de pessoas da pobreza, melhorou a saúde das pessoas, melhorou os sistemas de educação. No final das contas, gerou prosperidade.

Susskind complementa que o crescimento econômico se deve ao progresso tecnológico. E defende que não é o crescimento que gera desigualdade, mas as tecnologias, pois são gigantes companhias que detêm grande “poder de armazenamento e processamento de dados”. Bom, não querendo discutir quem nasceu primeiro – o ovo ou a galinha? -, mas, para deter poder de armazenamento e processamento de dados, não é preciso ter bastante dinheiro, ou seja, ter poder de compra? Sem falar que as desigualdades começam assim: com as gigantes sustentadas pelas menores. Afinal, gigantes só são gigantes porque possuem grandes clientes. E assim sucessivamente.

Quanto à saúde e à educação, sem dúvidas, a tecnologia proporciona significativa melhora, comprovada pelo aumento tanto da expectativa quanto da qualidade de vida das pessoas. E, aqui, falamos de tecnologia. Apoiada pelo crescimento econômico. Mas o que Susskind quis dizer com “tirar milhões de pessoas da pobreza”? Quem são essas pessoas? Talvez, as tecnologias permitam que elas não morram mais de inanição na maioria dos países. Afinal, em sua maior parte, são registradas e podem receber variados tipos de apoio do governo ou de instituições privadas, inclusive, internacionais. Sem falar que a globalização, o livre mercado e o ultra processamento acabam proporcionando opções mais acessíveis. O que, infelizmente, não impede a desnutrição, a subnutrição ou a obesidade. Ou esses também seriam indicadores de prosperidade?

Então, ainda sem querer discutir quem nasceu primeiro – o ovo ou a galinha? -, o que promove desigualdade, afinal?

Onde tudo deveria começar…

Quando morei na França, acabei fazendo estágio numa indústria de frios. Havia três tipos de estágio de acordo com o ano cursado na faculdade e o primeiro deles se chamava no equivalente ao português: chão de fábrica. É onde tudo começa, pelo operador. O trabalho consistia em realizar tarefas unicamente braçais: corte, etiquetagem, limpeza. Porque, antes de ir para o escritório ou laboratório – fazer planejamentos, gerenciar ou criar -, é preciso compreender as tarefas mais simples e as mais essenciais para a manutenção de uma empresa que quer garantir a satisfação do consumidor e tratar bem seus funcionários.

Logo de cara, chamava-me a atenção que o meu gerente tinha uma mesa no meio de uma grande sala compartilhada e se vestia como todos os outros, inclusive, como os operadores. Era até difícil reconhecê-lo em meio aos demais, quando eu precisava falar com ele. Por outro lado, a minha experiência na típica indústria familiar brasileira me mostrou um cenário completamente diferente. Onde gestores possuem salas privativas e se vestem de forma diferenciada, sendo muitas vezes necessário criar exceções às regras da empresa apenas para atender às suas vaidades. Vaidade essa que normalmente expõe um poder, que nem sempre está associada ao cargo em si, mas ao salário. Esse poder de compra, capaz de adquirir até uma exceção às regras. Esse é o Brasil.

Brasil versus Europa

Lembro que ao andar pelas ruas da França, à exceção da cidade de Paris – a maior metrópole francesa e que recebe um grande número de imigrantes -, as marcas da desigualdade eram muito pouco acentuadas. As periferias da maior parte da Europa parecem grandes condomínios do que o brasileiro chama de “Minha Casa, Minha Vida”, no seu melhor cenário. Nada de favelas ou cortiços.

Entre Brasil e Europa, ambos gozam das benesses da tecnologia. A diferença é que os países europeus são muito antigos e já não possuem mais as mesmas oportunidades de crescimento econômico que o Brasil tem. A terra brasilis cresce na mesma medida em que cresce a desigualdade e a ansiedade.

É, Susskind, vimemos, sim, em uma era de ansiedade. Mas muita atenção, porque é o Brasil que lidera o ranking, justamente o país das oportunidades. Coincidência? Acho que não.

Compartilhar

Deixe um comentário