Fazendo a Barba

Vinha eu fugindo do congestionamento comum ao horário de pico ou, como dizem, a “hora do rush” nas imediações do Midway Mall. Apressada, peguei um atalho pela Alberto Silva fazendo a curva para a Joaquim Inácio para acessar minha garagem. Foi quando me deparei com uma cena que capturou minha atenção, mesmo que por um breve instante: Era um homem jovem sentado no calçamento de um dos muitos edifícios de Natal, segurando um caco de espelho. Com um barbeador descartável, fazia a barba.

A cena me fez lembrar meu pai, meus irmãos e meu marido. Quantas vezes não os flagrei nessa delicada atividade, com seus produtos perfumados espalhados pela pia, em meticulosos movimentos, deixando a pele lisa, com uma aparência mais agradável, e, acrescentaria, de asseio. (Vale salientar que nada tenho contra quem cultiva a barba).

 Continuando meu caminho, a estradinha da rua Joaquim Inácio não é asfaltada. Muitos paralelepípedos estão irregulares formando pequenas crateras. Toquei levemente o pedal do freio e desci a rua lentamente não somente para que não maltratasse tanto o carro, mas, principalmente, para ganhar mais tempo e, assim, poder contemplar um pouco mais aquela ação.

Ao terminar, o jovem homem pegou um pouco de água numa garrafa plástica que estava em meio aos seus pertences e banhou o rosto. Finalizou assim seu barbear.

Uma cena cotidiana apresentada num cenário inusitado: Barbear-se a céu aberto.

Nosso protagonista era um morador de rua, um sem-teto. Alguém, que por inúmeros motivos, naquele instante, não teve condições de estar no banheiro de uma residência se barbeando, como meu pai, meus irmãos, meu marido.

Morador de rua, sem-teto, pessoa em situação de rua.

Sei que alguns leitores podem torcer o nariz, pois não escrevi o termo “pessoa em situação de rua.” Tal termo foi criado por alguém que pensou que dando uma nomenclatura bonita resolveria ou minimizaria o problema.  Ledo engano. No caso em comento, somente um teto, um ambiente com o mínimo de infraestrutura poderia dar àqueles em semelhante situação, um direito assegurado em nossa Constituição Federal, o direito à moradia.  Palavras bem elaboradas, sem ações, nada resolvem.

Atitude positiva – Fazer a barba.

Entretanto, o que mais me chamou a atenção em toda a cena foi a atitude positiva daquele homem. Independentemente do problema maior, ele era ciente de sua dignidade como pessoa. Por isso, parou num local em que se sentia à vontade para cuidar de si da melhor forma que pôde. Ao fazer a barba ele buscou melhorar sua imagem para ele mesmo, para a sociedade. Sem pudores ou acanhamento, fez o que precisava ser feito no meio do nada, aliás, no meio de sua casa que, no momento, era em qualquer lugar.

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2 comentários em “Fazendo a Barba”

  1. “Palavras bem elaboradas, sem ações, nada resolvem” Exatamente isso, parabéns!! Política pública eficiente para resolver a situação dos mais vulneráveis que é bom…

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