Um lindo Sofá

E a sua inseparável capa de plástico

Desde adolescente visito a casa de Dona Mariana, uma senhora muito querida, pois sou muito amiga de sua filha, que tem a minha idade. Elas, juntamente com o resto da família, haviam se mudado para a capital e, sempre que eu tinha uma oportunidade, as visitava. Laços de amizades podem ser mais duradouros que os de amor dos amantes. Numa dessas ocasiões, vi que Dona Mariana comprara um lindo sofá, daqueles que não se vê nas lojas ordinárias de móveis que povoam os centros comerciais.

Um lindo sofá

Os detalhes do sofá

Era um sofá de grife, encomendado sob medida numa butique de design, onde se percebe o luxo só de olhar a vitrine. Dona Mariana não queria parecer uma interiorana na capital.

O sofá era todo em veludo, design italiano (tido como o melhor do mundo), reclinável, a estrutura de madeira de eucalipto tratada em estufa, segundo ela falou muito orgulhosa, e com um acolchoamento que faria qualquer um se sentir uma imperatriz sentada num trono. O preço, eu nem poderia imaginar e seria uma deselegância perguntar. Mordi minha bochecha, como se mordendo minha curiosidade, e tratei de tecer elogios pela aquisição.

A enorme capa de plástico transparente

Só uma coisa me deixou escabreada – sobre o elegante móvel havia uma enorme capa de plástico transparente, daquelas que se compram em lojas de tecidos para colocar por cima das mesas, e assim, poupar as toalhas das sujidades de uma cozinha. Sim, como zelosa que era, Dona Mariana utilizava em todas as mesas e não seria diferente com uma peça bem mais valiosa, que era o sofá.

Ela não me convidou para sentar e experimentar o sofá, nem eu tomei tal iniciativa. Aprendi com minha mãe que nunca devemos nos adiantar e sim esperar ser chamado, convidado, mas fiquei pensando no que faria, se tivesse sido: Deveria eu levantar a grossa proteção ou sentar sobre aquele plástico quente, grudento, desagradável, uma verdadeira barreira que me impediria de sentir a maciez do dito cujo?

Então passamos para a cozinha para tomar um suco, que ela sempre me oferecia, e falar das trivialidades de nossa cidade do interior.

Anos passaram e, em todas as visitas, nunca vi ninguém sentado no lindo sofá. Ele estava na sala para dizer que existia.

A capa de plástico resiste ao tempo

De repente, sem que ninguém esperasse, Dona Mariana faleceu. Fui visitar a família, chorar com minha amiga, pois é também para isso que os amigos servem. Mesmo em meio ao luto, reparei que o sofá que Dona Mariana tanto amava continuava com a conhecida capa de plástico. Nunca vou saber se ela teve o prazer de sentar, deixar-se afundar no acolchoamento tão convidativo do móvel, que mesmo com o passar dos anos, parecia sempre novo, saído da loja.

Mais alguns anos passaram, meus cabelos começaram a mudar de cor, o que disfarço bem com um bom colorista, e sempre visito minha amiga querida. O sofá continua lá com sua boa capa de plástico. Pelo que vejo, vai durar mais que nós duas.

Veridiana Avelino

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4 comentários em “Um lindo Sofá”

  1. Amiga, adorei sua crônica. Me fez relembrar da minha infância e da casa de minha mãe com seus bibelôs quebrados, dos paninhos de crochê, das cadeiras “plastificadas”. E sim, duram uma eternidade!

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