Encontros com navegantes sem orientação
Nas suas andanças Leo encontrou diversos viajantes perdidos, pessoas vagando ao sabor de suas oscilações. Era como se sentissem atraídas. Portanto, ele chegou a pensar que se houvesse um desajustado a alguns quilômetros, se aproximaria e faria contato. Pessoas com transtornos mentais, personagens delirantes, navegando sobre mapas imaginários, num joguete de atrações e repulsas extremas. Complicando situações, criando eventos desagradáveis, envolvendo-se em confusões. Havia mesmo aqueles de boa índole, mas que, por onde passavam deixavam rastros de mal-entendidos. Vários deles, sendo manipuladores por natureza, despertavam a piedade e empatia das pessoas, fazendo-as se sentirem culpadas. Todos meio gênios, meio loucos nestes mares revoltos no oceano da vida. Gastando mais do que possuíam e assumindo papéis para os quais eles não tinham nenhum perfil. Tudo fruto de deficiências químicas em seus cérebros.
Os infindáveis labirintos da mente
A propósito, Leo desenvolveu relações de amizade com alguns deles, inicialmente por afinidades e pelo que tinham de imaginativo. A maioria sentia interesse pelo sobrenatural. Pelo menos um estava envolvido e fazia disso sua profissão.
Apesar de manterem relações, as vezes por anos, Leo foi se afastando. Em alguns momentos, pediu ajuda aos seus assistentes invisíveis, conclamando-os para distanciarem de si aqueles seres excepcionais, mas criadores de desarmonia. Poucos deles tinham consciência do seu estado ou procuravam ajuda. Pelo menos dois surtaram, foram internados com camisa de força e enfrentaram tratamentos forçados, sob a tutela de suas famílias.
Flutuando numa bolha de realidade
Um desses personagens vivia com a esposa, filhos e netos num sítio imenso, que ele transformou num pedacinho do mundo das fantasias que o habitavam. Haviam esculturas de gnomos e fadas em todos os lugares, jardins saídos de contos mágicos, com arcadas de flores aromáticas, enfeites nos troncos das árvores com arranjos feitos de cordas, galhos e peças de plástico. Pôneis, cães, papagaios, pavões e algumas galinhas que realizavam voos altíssimos, se empoleirando no alto das mangueiras. Favorecido com habilidades manuais, construiu casinhas lindas, recantos encantadores. Também escavou ainda mais uma pequena gruta, próxima a um rio, e ali fez um sacrário para uma santa de gesso, que ele dizia ter encontrado lá. Os seus netos o adoravam e viviam naquele mundo com o avó ogro, obeso, desdentado e sorridente.
Do alto da fantasia ao duro chão da realidade comum
No entanto, para os membros adultos da família, tornou-se difícil a convivência, principalmente pelo aspecto financeiro. Ele recebera um montante considerável de um processo que moveu contra uma grande empresa de onde fora demitido. Daí viera o sítio. Mas com os delírios e gastos exorbitantes, ele começou a vender pedaços de suas terras, o que alertou a esposa e os filhos. Assim sendo, diante da dificuldade de convencê-lo a se tratar e se medicar, eles começaram a adquirir moradias fora da propriedade e aos poucos o foram abandonando.
Apesar disso, continuavam visitando-o regularmente e compartilhavam sua alegria diante de cada acréscimo; bancos, pérgolas e enfeites. Mas a preocupação com o crescente descontrole os levava a pensar em interná-lo numa clínica para tratamento, algo que já fora feito algumas vezes.
O absoluto flutuante e quebradiço
Em suas vivências por centros esotéricos Leo conheceu um homem de sensibilidade e inteligência acima de normal. Ouvi-lo falar era um deleite, pois ele sempre tinha citações e exemplos tirados dos muitos livros que lia. Seu gosto musical era excepcional, colecionando joias, de beleza rara. Porem, ele passava por fases onde estava cercado de amigos a outras, onde todos o haviam deixado, sempre por motivos financeiros. Ele literalmente torrou a herança recebida do avó, de quem era o favorito, com roupas, viagens e veículos, carros e motos, que destruiu em abalroamentos dos quais ele sempre saiu ileso.
Uma coisa típica deste, e de todos os outros, é que ele era dono absoluto da verdade. Ninguém conseguia argumentar com ele, pois tinha certezas impossíveis de derrubar. Por isso, tentar convencê-lo de que precisava de ajuda, era motivo de inimizade. Com as suas mudanças de cidade, Leo o visitava esporadicamente. Sobretudo por causa de sua família, especialmente da avó, com quem mantinha uma relação carinhosa e cheia de atenções.
Inabilidade para lidar com problemas simples
Problemas financeiros parece ser a marca registrada desse tipo de personalidade. Eles gastam como se o manancial fosse perene. Quando chegam no fundo do poço, se desesperam e pedem ajuda a todos ao redor, afastando amigos e aliados ao desconsiderá-los não quitando as dívidas, nem lhes dando satisfação.
As linhas de destinos desencontrados
Leo conviveu com eles, as vezes de forma superficial e só no ambiente de trabalho. Entretanto, com outros seu envolvimento foi profundo, com relações que duraram anos. Destes, Leo soube de diversas recaídas e internações. Uma vez ouviu o seguinte de um deles, referindo-se ao uso dos medicamentos: “é como descer das nuvens para a lama”.
Havia um colega de trabalho, casado, com um filho, que já tivera diversas reincidências. Todos o tratavam muito bem, mas o evitavam em seus períodos de mania, por lhes pedir empréstimos constantes, nunca quitados.
A vida ao sabor dos humores cambiantes
Eles tiveram períodos de camaradagem em práticas esportivas. Com frequência nadavam juntos e frequentavam o clube, a beira rio. Leo só começou a perceber que havia algo fora do normal quando, ao marcarem para assistir a um filme, ele compareceu vestido à indiana, com indumentária completa, inclusive turbante com pluma. Ele poderia ter alugado aquela roupa numa loja de fantasias, mas eram originais, compradas numa boutique de roupas exóticas. O desconforto que Leo sentiu por serem o centro das atenções em todo o shopping, o alertou para o inusitado da cena.
Pouco depois ele se apresentou à porta do seu apartamento, vestido com um terno elegante e caro, carregando numa mão uma bicicleta de fibra de carbono e na outra uma estátua do deus indiano Shiva, de um tamanho anormal. Ele o notificava que viajariam num carro importado, recém adquirido à prestação, e que teria Leo como motorista. Lhe dizia que iriam para São Paulo onde as reservas já estavam feitas num hotel de alta categoria. A não adesão de Leo provocou-lhe ira.
Sonhos e fantasias de uma mente anormal
Em outra ocasião, trabalharam na matriz da empresa, na capital federal. Tudo corria bem, e o medicamento o mantinha controlado. Vale salientar que esse amigo tinha uma aparência impactante, naturalmente atraindo os olhares de todas as mulheres ao redor. Nessa época ele namorava uma das presidentes da empresa e frequentava a casa dela como alguém da família. Com efeito, Leo tinha acesso a esse mundo de altíssimo padrão e extremo bom gosto. Ele e a namorada do seu amigo, uma mulher de grande beleza, se tornaram afeiçoados e os três tiveram muitos jantares em restaurantes elegantes, regados a vinhos caros.
O castelos das ilusões e a queda da torre
Logo depois ela lhe ligou perguntando sobre a sanidade mental do seu namorado. Ele começara a intervir nas reuniões do alto staff do qual fazia parte, cortando falas de pessoas poderosas e chamando a atenção pela maneira superior com que tratava a todos. Em seguida, um desses presidentes também ligou para Leo a respeito do mesmo assunto. Ele lhe sugeriu entrarem em contato com a família. No entanto, por iniciativa da amiga, foram os dois ao seu apartamento para conversar. Esse encontro durou mais de 3 horas, onde o outro além de refutar todas as argumentações, consumiu todos os alimentos prontos que Leo guardava.
No final, arrastado pela namorada, ele saiu chamando Leo de traidor, enquanto este o chamava de Menino Maluquinho. Em cada uma dessas recaídas, aconteceram eventos dignos de um romance da fantasia. Ele passara dias sem comer e, devido a beleza e imensa barba, carregava um olhar de fogo, num rosto impressionante de se ver. Desse modo, frequentava todos os centros religiosos do local. No pentecostes, foi a diversas igrejas evangélicas, onde, segundo ele, falou em vários idiomas num frenesi contagiante. Foi internado em seguida e retornou à filial de onde viera, com licença por tempo prolongado.
O universo interno da insanidade consciente
Eventualmente Leo veio a ler Uma Mente Inquieta, cuja autora, Kay Redfield Jamison, conta sua história nessa condição. Sendo ela uma das mais importantes autoridades médicas na área da psiquiatria, o mergulho nessa dimensão foi profundo, visceral e extremamente comovente. Leo veio a entender que com esse tipo de paciente, conversas não funcionam. Essas pessoas vivem num mundo onde são o centro do universo e valores como dignidade, honra, e vários outros que norteiam as vidas de muitos, inexistem ou não têm importância. Eles se acham privilegiados, como deuses, encobrindo a sua natureza frágil com camadas de ilusão, nas quais eles acreditam piamente. Por consequência sua relação com o mundo das finanças e dos compromissos legais é cheia de regras não cumpridas, cobranças, bloqueios de contas, etc..Viagens tumultuadas nos Mares revoltos no oceano da vida.
Boa vontade debatendo-se em conflitos intermináveis
Talvez o caso mais espinhoso aconteceu com uma mulher com quem Leo se envolveu e manteve um relacionamento de vários anos. Ele conviveu com o seu temperamento com extrema serenidade, principalmente pela relação de afeto e lealdade que os unia. Por conseguinte suportou muitas situações dramáticas e constrangedoras. Em virtude de suas transferências, ela o visitou em cada um daqueles lugares e, em cada uma dessas ocasiões, criou situações de conflito. Ela sempre insistia que iria morar com ele, o que criava motivos para cobranças e acusações que só existiam na mente dela. Quanto mais Leo evoluía e se sentia bem na vida, mais ela queria estar perto dele e a sua insistência os levou finalmente a cortarem relações.
Uma trajetória arquitetada e a constante vigilância
O trajeto de Leo fora feito com muitas estratégias, terapias, técnicas, disciplina e uma vigilância constante sobre si mesmo. Por conseguinte, esse esforço lhe rendeu conquistas tanto sobre os seus algozes internos, quanto vitórias externas, no mundo corporativo e na vida em geral. Para algumas dessas pessoas, ele sugeriu os mesmos métodos que praticou, mas ao que tudo indica, nada daquilo surtiu efeito. Nem uma delas os utilizou. Afinal, elas se consideram escolhidas pelo onipotente e quem era ele para as questionar e aconselhar.
Corações puros perdidos entre devaneios
De todas as pessoas com esses sintomas com as quais Leo se relacionou, apenas uma se mostrou malévola, interesseira, impiedosa, ingrata e traidora. Isso é assunto para outra hora. Dessa forma, ele se sente grato pois todas as outras têm corações sem qualquer mácula de maldade. Elas apenas seguem seus impulsos, sem questionar as consequências ou se importar com os sentimentos de terceiros. Seus interesses, gostos e ideias brilhantes as tornam excepcionais. Entretanto, a convivência no mundo dos compromissos, em especial a falta de habilidade ao lidar com as finanças, as coloca seguidamente em dificuldades.
Humildade para enfrentar o despertar rumo a realização
Leo pensa que deveriam existir organizações que tomassem essas pessoas sob sua custódia, tratando-as e fornecendo-lhes os meios para usaram o enorme poder e capacidades que possuem de maneira proveitosa para elas e para a sociedade. Assim como os mecenas sustentaram artistas que produziram obras excepcionais.
Encontro de almas sensíveis mas desconectadas
Ao refletir sobre essas experiências, Leo sente uma profunda compaixão por essas almas envoltas em seus próprios labirintos de dores e sombras. Deseja, do fundo do seu coração, que forças mais altas as envolvam, guiando seus passos por caminhos de luz e serenidade. Que alcancem a realização plena e uma vida repleta de alegrias. Que todos os seres possam experimentar a verdadeira felicidade. Ele se sente imensamente grato pela sua jornada e pelas conquistas que lhe permitiram chegar a um ponto onde pode admirar e gostar de quem se tornou. Com esperança e otimismo, Leo aguarda que o futuro traga ainda mais crescimento, tanto para si quanto para aqueles que ele ama, enquanto segue em direção a dias mais brilhantes e repletos de satisfação.
Manoel Queiroz
Curitiba, 08 de outubro de 2024