Silent Men: do suicídio ao desenlace social

Silent Men: o documentário

O cineasta escocês Duncan Cowles é diretor de Silent Men, documentário que aborda a saúde mental masculina, entrevistando homens em suas dinâmicas para lidar com as emoções. Ganhador de um prêmio Bafta, na Escócia, pelo curta Isabella, Cowles fala mais do seu primeiro longa metragem em A ‘síndrome de James Bond’ que faz homens sofrerem em silêncio.

Em 1854, o escritor americano Henry David Thoreau escreveu sua mais famosa observação: “A maioria dos homens leva uma vida de silencioso desespero.”

A matéria da BBC News traz mais uma taxa de suicídio, dessa vez, no Reino Unido: “a maior causa de morte entre os homens com menos de 50 anos”. Aproveite para checar outros índices em O fim do machismo: um voo rasante.

Questionado se foi difícil fazer com que os homens apresentados no filme falassem sobre seus sentimentos, Cowles responde:
“Curiosamente, não, porque existe algo sobre falar para um estranho que, às vezes, parece muito mais fácil do que falar para alguém da própria família. Acho que é porque você tem menos a perder.”
O Ultimato: o reality show

O reality show ‘O Ultimato: ou casa ou vaza’ pode falar muito sobre isso. A série de TV norte-americana, produzida posteriormente também na França e na África do Sul, se auto proclama um experimento social. Os participantes são casais em que um dos integrantes deu o ultimato de casamento ao outro. Todos são mutuamente apresentados e hospedados em um mesmo condomínio. Por alguns dias, todos devem se conhecer melhor, no intuito de encontrarem uma nova conexão.

Novos casais são, então, formados. E eles deverão conviver na mesma casa por três semanas. É a primeira parte do que o programa chama de “casamento teste”. Após isso, cada um deverá retornar ao seu par original, com quem morará junto por outras três semanas – segunda parte do “casamento teste”. A proposta é que os participantes experimentem, antes, conviver com outras pessoas, que não com os seus próprios parceiros, a fim de que tenham certeza da escolha que estão prestes a fazer: casar ou se separar.

É interessante notar que, após a primeira parte do “casamento teste”, as mulheres passam a comparar a abertura ao diálogo entre os homens com quem estão se relacionando no programa. A reclamação é geral e gira em torno da falta de exposição de sentimentos por parte de seus companheiros originais. “Coincidentemente”, todas as mulheres percebem que não havia diálogo suficiente nos seus reais relacionamentos.

Encontros e desencontros

A abertura dos homens para com as mulheres que não são “suas” se dá de forma espontânea justamente porque elas são desconhecidas. E mesmo que o programa proponha que aquelas pessoas se abram para o novo e tentem visualizar aquelas novas pessoas como reais potenciais de relacionamento, não é isso que ocorre, visto que não houve de fato o desligamento do parceiro original. O experimento acaba funcionando como uma espécie de “vale-night“. No entanto, como existe um real potencial de término, já que alguém de fato deu um ultimato ao outro, o investimento libidinal de cada indivíduo vai além do prazer sexual.  

Na primeira parte do experimento, muitos acabam se envolvendo em demasia. Entretanto, usualmente não se colocam em posições de marido e mulher, mas de amantes ou de cúmplices. Prova disso é que a grande maioria dos casais originais acabam se entendendo e permanecendo juntos, seguindo, enfim, para um noivado ou casamento.

Revelações

A visão sobre o reality show, a princípio, pode parecer muito rasa ou artificial. Mas, independentemente das regras do jogo, experimentos em torno de relacionamentos costumam revelar muito sobre indivíduos, gêneros e povos. Da mesma forma que o programa em diferentes países revela diferentes culturas, o programa em todos os países revela um padrão de comportamentos femininos e masculinos.

Reality shows como ‘O Ultimato: ou casa ou vaza’ e ‘Casamento às Cegas’, apesar de produzidos em tempos modernos, perpetuam antigos hábitos: o casamento tradicional, o sonho da menina de usar um vestido de noiva, a necessidade de o homem ser um grande ou o principal provedor da família. Ou seja, a menina que quer ser princesa e o homem que tem que bancar tudo isso.

Esse pensamento ainda é extremamente arraigado às culturas. Não importa se as mulheres estão bem colocadas no mercado de trabalho, se são independentes financeiramente, elas continuam querendo ser tratadas como princesas pelos seus parceiros. O homem, por sua vez, acaba se metendo numa baita enrascada. Porque, com a ascensão das mulheres, para que seja provedor, ele precisa se esforçar muito mais do que antes. E é o que acontece em muitos relacionamentos da modernidade: a competição entre parceiros.

Competição e poder

Só que, para a mulher, essa é uma competição em que ela se sente cada vez mais confortável. Afinal, é novidade. Se perde, ela ainda é basicamente café-com-leite. Para o homem, não. Para ele, o sentimento é “eu não posso perder”. Simplesmente, porque não há outro espaço para ele dentro da cultura. Enquanto a mulher pode ser princesa e rainha, o homem só pode ser rei. É isso que todos esperam dele: que ele produza, reproduza, banque e proteja.

Os meninos não somente não são estimulados a falar de si como se sentem angustiados frente ao poder. Os meninos são estimulados a serem fortes como o pai e a saberem mais do que a mãe. Porque eles também são induzidos a serem os futuros protetores de suas progenitoras. Parece muita responsabilidade para uma criança só, não?

Em seu documentário, Cowles entrevista uma especialista em traumas, que menciona um estudo curioso, concluindo que “bebês em cobertores azuis – e, portanto, considerados como sendo meninos – recebiam toque por muito menos tempo do que as meninas”.

Agressão versus vulnerabilidade

Por que não poder ser visto como vulnerável? Por que o homem tem que ser visto como a fortaleza protetora, não só sujeito como solicitado constantemente aos impulsos agressivos?

A psicanalista Jô Gondar traz em seu artigo Ferenczi como pensador político o pensamento da filosofa norte-americana Judith Butler, em seu Vida Precária, que diz que “a violência, seja ela física ou psíquica, é sempre uma tentativa de negar a precariedade”.

“Cada um de nós se constitui politicamente em virtude da vulnerabilidade social de nossos corpos – como lugar de desejo e de vulnerabilidade física, como lugar público de afirmação e de exposição” (Butler, 2006, p. 46)
A fragilidade do laço social

A partir dessa afirmação, Butler propõe a articulação da teoria da vulnerabilidade com a teoria do poder e do reconhecimento como base para se pensar as políticas sociais – já que esse é um tema frequente nos últimos textos. Como ponto em que se faz laço entre todos os indivíduos. Afinal, segundo ela, “a perda reúne a nós todos”. A vulnerabilidade à perda. Perda de entes queridos, de amores e, inclusive, de poder.

Todos nós somos iguais diante da perda. Todos sofremos, angustiamo-nos. E é aqui que nos enlaçaríamos. No entanto, o que vemos se concretizar é o desenlace. Um desencontro entre aqueles que se assumem vulneráveis e os que fingem não ser, sob uma armadura bem construída pela cultura.

No final das contas, quando a “ausência” de vulnerabilidade não representa um perigo para a própria “espécie” masculina, ela dificulta a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É a famosa faca de dois gumes.

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