Marcas do que se foi, sonhos que vamos ter
Fim de ano é sempre motivo de refletir, pensar em tudo o que aconteceu durante o ano que está indo embora bem como nos próximos passos para o ano que está por vir. E é muito comum que façamos esse balanço a partir da supervalorização do capital: estou ganhando mais do que ganhava? consegui trocar de carro? consegui comprar uma casa? quantas viagens fiz ao longo do ano? saí do Brasil, fui para a Europa? consigo pagar aquela escola para o meu filho? o que preciso fazer para chegar lá?
No entanto, esquecemos de nos questionar se fomos felizes nas decisões que tomamos. Se aquela viagem me trouxe o descanso que eu precisava ou se consegui desfrutá-la, se me sinto de fato em casa na nova casa, se meu filho se adaptou ou se adaptará à escola, se estou tendo tempo para cuidar de mim antes de ousar cuidar dos outros.
Sonhos vazios, infelicidade aparente
Muitos são os desejos que surgem para o ano seguinte. E, tantas vezes, desejos vazios, cujas justificativas não são possíveis ou acabam assumindo o papel exclusivo de tentar sanar uma infelicidade. Mulheres que assumem o desejo de se tornarem mães porque se sentem sozinhas ou porque acham que isso salvará o casamento. Jovens que acreditam desejar o desejo dos pais, mas que, na verdade, estão apenas em busca de sua aprovação. Homens que buscam cada vez mais trabalhos longe de casa porque não sentem mais prazer com a sua própria família.
Até quando? Até quando fingirão que está tudo bem? Até quando suportarão a infelicidade? Até ocorrer uma traição? Até se consumar uma agressão? Ou, talvez, nem assim. Dependendo da resistência, é possível fingir uma vida inteira. Em camas largas ou separadas, evitando estar em casa…
Afinal, dizem que a dor é algo subjetivo. Cada um sente de uma forma diferente. Alguns têm mais resistência, outros têm menos. Assim como a dor do parto é diferente para cada mulher, a dor da traição, da agressão física ou verbal também o é. Tudo depende de como se encara a vida, do quanto já sofri, do quanto já realizei. Tudo depende de quantas oportunidades acredito ter. Quantas saídas são possíveis?
Possível liberdade
Então, quando as saídas são limitadas, só nos resta aceitar o que temos no momento. Só nos resta procurar justificativas para manter as coisas como estão. A régua fica baixa, ficamos mais permissivos. Não nos damos conta do quanto essas decisões ferem os nossos princípios, os nossos desejos, o nosso bem-estar. Não nos damos conta do quão mal nos tratamos, do quão mal nos tratam os nossos entes mais queridos, aqueles que dizem nos amar antes mesmo de sabermos o que é o amor. Afinal, o nosso parâmetro mais comum para o amor que exigimos é o amor que recebemos de nossos genitores.
E amor não diz respeito ao quanto de dinheiro e doces recebemos ou de quantas de nossas vontades foram realizadas. Também não diz respeito ao quão próximos ou amigos somos de nossos pais. Também não tem a ver com o quanto os nossos pais investem para nos manter ao seu lado. Amor tem a ver com cuidado. Tem a ver com querer o bem do outro independentemente de nossa vontade, orgulho, razão. Cuidar é abrir mão de nosso ego e racionalizar. É conseguir olhar de fora, de um ponto em que não nos envolvemos emocionalmente. Difícil, mas possível.
É deixá-lo partir independente da saudade que sentiremos. É deixá-lo apostar em sua carreira independente da nossa descrença. É deixá-lo se apaixonar independente do ciúme que surgirá. É deixá-lo amar uma outra pessoa mesmo que esse amor seja maior do que aquele que sente por mim. Amar é proporcionar liberdade, é apresentar possibilidades. Do que comer, do que brincar, de onde ir, de como amar. É incentivar a experiência, experimentando junto e substituindo o que gostamos ou não gostamos pelo que é, de fato, necessário.