A proposta ganha relevância
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton tem dado o que falar. Mas não fica apenas no burburinho. Na última quarta-feira, a PEC contava com as assinaturas de 194 deputados, quantidade suficiente para dar início à sua tramitação na Câmara. A PEC prevê a abolição da escala de trabalho 6×1 e a redução da jornada semanal de 44 para 36 horas, sem redução do salário.
Pedro Gomes, economista português, professor da Universidade de Londres e autor do livro ‘Sexta-feira é o novo sábado’ foi coordenador do Projeto-Piloto da Semana de Quatro Dias em Portugal. Ele foi contratado pelo governo no ano passado “para implementar a semana de quatro dias em 41 empresas voluntárias”. Em entrevista à BBC, ele diz que a mudança é benéfica à economia.
É um erro dos críticos da semana de quatro dias pensarem que o tempo livre é um tempo morto para a economia. Para eles, se não trabalharmos, não contribuímos para a economia. Podemos estar felizes, mas a economia vai cair.
A verdade é que há muito valor econômico no tempo de lazer. É no tempo livre que vamos ao restaurante, ao teatro, que viajamos. As indústrias de lazer dependem do tempo livre das pessoas. Pessoas sem tempo livre não são boas consumidoras.
Ele dá o exemplo da China, que em 1995 passou a jornada de trabalho de seis para cinco dias na semana.
A China desenvolveu o mercado de turismo interno, que agora é o maior do mundo. Construíram parques temáticos e as pessoas começaram a viajar mais dentro do país, desenvolvendo a economia interna.
Necessidade de mudança
Gomes diz que a resistência à mudança não é novidade.
No passado, a jornada de trabalho era de 12 horas por dia, seis dias por semana. Depois, passou para dez horas, depois para oito horas, depois para cinco dias. Essas passagens sempre foram acompanhadas por grande resistência do lado empresarial. Porque obrigam a grandes mudanças na organização do trabalho, e ninguém gosta de mudanças.
E que a mudança é necessária porque, apesar de termos “crescido muito nos últimos 30 anos, as pessoas não sentem que vivem melhor do que seus pais”.
Outro elemento muito importante é a participação das mulheres no mercado de trabalho. Há 50 anos, a maior parte das mulheres trabalhava em casa. Mesmo que o homem trabalhasse muitas horas com intensidade, quando chegava a casa, a mulher havia cuidado de tudo. Era tempo de descanso.
Agora, na maior parte das famílias, os dois trabalham as mesmas horas e com a mesma intensidade. E quando voltam para casa, não é tempo de descansar, é tempo de fazer tudo aquilo que ficou por fazer, compras, cozinha, limpeza.
Saúde mental
Além disso, as opções de lazer e a quantidade de escolhas disponíveis – trabalho, cursos, cidades – são muito maiores. Hoje, temos muitas mais possibilidades acessíveis e isso também gera angústia, especialmente quando tempo e dinheiro são limitados. Como resultado, além dos casos de burnout, as empresas somam grandes números de afastamentos por ansiedade e depressão.
Segundo Gomes, há estudos que já contabilizam os custos da perda de produtividade por burnout e estresse no Produto Interno Bruto (PIB).
Uma pesquisa da Harvard Business School considera que, nos Estados Unidos, as doenças de saúde mental ligadas ao trabalho custam em 4,5% do PIB.
Para Gomes, a redução da jornada é uma forma de valorizar o trabalho do empregado, além do aumento do salário. Ele afirma que as empresas que participam dos projetos pilotos pelo mundo percebem os benefícios – não só reduzindo o estresse, mas o absenteísmo e a rotatividade de pessoas – e a maioria acaba optando por seguir com o modelo.
Das 41 empresas que participaram do projeto piloto em Portugal, apenas quatro voltaram para trás, para a semana de cinco dias. A grande maioria manteve. Mas não foi apenas deixar de trabalhar na sexta-feira. Foi mudar muitas coisas para aumentar a produtividade e dar viabilidade econômica a essa mudança.
Crescer ou reduzir?
A questão que, tantas vezes, esbarra na proposta da redução da jornada de trabalho é a ideia do crescimento infinito. Afinal, as metas na grande parte das empresas são aumentadas a cada ano. Pensando numa indústria, isso significa que, para aumentar a produção, é preciso ou pagar hora extra ou contratar outros funcionários ou criar novos turnos de trabalho – o que também implica em contratação – ou investir em maquinários mais modernos. Das opções, a mais cômoda e, a princípio, menos custosa é o pagamento de hora extra, que muitas vezes sequer é pago junto ao salário, mas em folga, junto ao banco de horas.
E o crescimento infinito não diz respeito apenas à receita ou ao market share de uma empresa, mas ao bancar “o querer mais, cada vez mais” de uma minoria de indivíduos, que a maioria paga quando aceita trabalhar por menos. Afinal, seguimos a lógica do capitalismo selvagem, de que, para alguém ganhar, muitos terão que perder. Então, a questão fica no ar: como seguir bancando os salários mais altos e discrepantes de uma empresa? Alguém tem que ceder e geralmente quem cede é o lado mais fraco ou menos amparado. Mas, simplesmente, porque, mesmo num universo de oportunidades, acaba-se não tendo muitas escolhas.
A redução da jornada de trabalho poderá não trazer grandes mudanças na cultura capitalista, mas é um convite à desaceleração, que, se aceito, poderá contribuir com a saúde mental e com a preservação do meio ambiente, especialmente, em meio a tantas mudanças climáticas.