Análises e Estratégias

Onde o previsível raramente tinha lugar

A decisão de Leo de moldar sua vida através de análises e estratégias o conduziu por caminhos inusitados, onde o previsível raramente tinha lugar. Quando criança ele se sentia perdido e desprotegido como um pequeno pássaro que não havia encontrado seu ninho. Contudo, vivia se escondendo sempre a procura de um abrigo. Apesar de brincar com colegas na escola, participar dos jogos com os meninos das cercanias, se refugiava em sua própria solidão.

Então, descobriu alguns lugares onde podia ficar quieto, sem ser perturbado. Gostava de subir no telhado da sua casa de onde observava o imenso céu, as nuvens dançando lentamente, o movimento das ruas e uma grande parte do majestoso rio que banhava a cidade. Sobretudo, naqueles momentos, Leo se sentia parte de algo maior, como se pudesse tocar o infinito com os olhos.

Análises e Estratégias

Desafiando o perigo em busca da liberdade

Se aventurava pela linha do trem e, as vezes, encorajado pelos meninos que habitavam por ali, se pendurava com eles na varanda do último vagão, onde desafiava o perigo e abraçava a liberdade. Descia longe de onde morava. Então, na volta para casa, observava tudo. Mapeava mentalmente os pés de manga, de goiaba e de diversas frutas. As vezes retornava para colhê-las.

Alfabetizou-se de forma modesta com uma senhora que transformou sua casa em uma pequena escola. Ela era muito respeitada e sua sala estava sempre abarrotada de crianças de várias idades. Naquela época era permitido aos professores bater nas mãos dos alunos com uma régua de madeira muito grossa, quando se comportavam mal. Raramente apanhava e quando aconteceu, nunca foi por mal comportamento, mas por quebrar alguma regra, que para uma criança, parecia insignificante.

Leo teve uma infância muito pobre. Apesar de nunca terem passado fome, os parcos recursos financeiros da numerosa família fazia com que todos os seus irmãos começassem a trabalhar muito cedo. Todos colaboravam para o orçamento doméstico.

Um pouco sobre a admiração e o respeito pela sua mãe

Uma cena típica era ver sua mãe debruçada sobre suas cadernetas de contas, administrando cada centavo, com a habilidade de quem sabia o valor do sacrifício. Além de suas funções como professora, ela viajava periodicamente para centros maiores, de onde voltava com sacolas cheias de roupas. Ela as etiquetava e vendia à prestação. Contudo, os irmãos mais velhos, que já moravam longe, ajudavam como podiam.

Apesar de cheia de atividades e compromissos, sua mãe nunca deixou de lado sua compaixão pelos outros, envolvendo-se com grupos de caridade. Em toda a sua vida assistiu-a reservando uma parte do pouco que tinha para os necessitados. Mais tarde, quando conseguiu se aposentar, após longos anos de trabalho ininterruptos, ela guardava uma série de envelopes onde repartia notas específicas para doá-las, de acordo com a condição de quem pedia. Andava pelo comércio recolhendo brinquedos, roupas e objetos quebrados ou defeituosos para levá-los a creches, abrigos de velhos e ao hospício da cidade.

Algumas vezes, Leo foi com ela nessas visitas, onde o sofrimento que testemunhava marcava seu coração de forma indelével. Ele via como sua mãe era respeitada por aqueles que ajudava, e mesmo sem entender completamente, sentia a profundidade do amor e da bondade que ela carregava.

Também ia, quando tinha oportunidade, lanchar nos lugares onde ela dava aulas. Naquela época as escolas recebiam caixas de leite em pó e um farelo parecido com farinha láctea. Cada criança recebia um copo daquela bebida que para ele tinha um sabor delicioso.

A sensação de inadequação e culpa

Sendo uma criança muito magra ela tentou, durante anos, fazê-lo ganhar peso. A saúde de Leo era muito precária. Tinha problemas na garganta e cólicas lancinantes. Todavia, sua mãe cuidou de todos os seus desconfortos com prontidão, levou-o ao médico, sempre que necessário. Seu amor e admiração por ela não tinha limites. Apesar de sua devoção, ele percebia um carinho especial que ela dispensava a seus dois irmãos mais próximos, evidente nos gestos, no tom de voz e no olhar, o que o deixava com uma sensação de inadequação e culpa.

Portanto, qualquer coisa que a desagradasse por parte dele, se transformava em motivo de falar sobre como fora difícil sua gestação, seu parto e de todas as dificuldades que tivera quando ele era bebê. Também rememorava vários eventos em que ele a fizera infeliz.

Leo sentia culpas que ele mal compreendia. Muitas vezes, num terreno abandonado, vizinho a sua casa, infligia sofrimento a si mesmo, como forma de expiação. Batia com a cabeça na parede até cair, ou fechando o punho, esmurrava o próprio rosto até desatar num choro convulsivo. A culpa, portanto, tornou-se uma companheira indesejada mas constante.

A perda irreparável do irmão

Leo achava que havia alguma coisa nele que, com muita constância, desagradava a sua família. Ao constatar gestos, olhares, presentes e palavras de carinho entre seus pais e irmãos, se sentia excluído. Ele tivera um irmão que o amara verdadeiramente, que o fizera se sentir visto e apreciado. Leo o adorava. Quando ele foi servir na aeronáutica, Leo esperava para recebê-lo no portão da casa. Eles tinham uma comunicação silenciosa e aberta. Mas ele morreu quando Leo tinha 6 anos.

No velório, ele via seu corpo na sala, cercado pelo choro da sua família e teve muito medo. Ele olhava fixamente para aquele ser deitado, que recebera muitas transfusões de sangue e cujo rosto estava rosado, mas sem vida.

Naquela noite teve um sonho em que seu irmão o levava a praia, como sempre fazia. Ali, ele se ajoelhou, olhou-o bem de frente e lhe disse algo mais ou menos assim: “Eu vou ter que partir numa longa viagem e demorarei para voltar. Mas estarei sempre ao seu lado.” Então, lhe deu um forte abraço e entrou numa jangada, que foi se distanciando, enquanto ele acenava, até sumir no horizonte. Leo acordou chorando muito, com uma dor difícil de suportar. A perda desse irmão foi um golpe devastador. Viu a si mesmo desfazendo-se num mar de tristeza, insuportável, numa solidão infinita.

Os ossos do irmão e o ritual

Então, Leo começou a pensar no seu irmão como um anjo da guarda. Imaginava-se conversando com ele e lhe mostrando suas coisas de criança. Ele o ouvia congratulá-lo e sentia a memória do seu abraço.
Um dia, brincando sozinho embaixo de um pé de algaroba, que havia em um retângulo de terra, na frente da sua casa, alguém chamou no portão. Era uma mulher que lhe entregou um lenço e lhe disse: “encontrei no lugar do acidente, entregue para sua mãe, isso é do seu irmão.” Ao abrir o lenço deu com pedaços de ossos.

Sentiu um arrepio em todo seu corpo, e muita coisa passou a fazer sentido. Soubera que o irmão fora atropelado e tivera o braço esmagado. Aquela mulher presenciara o acidente e, depois de passado o tumulto, recolhera aqueles fragmentos.

Ajoelhado, chorou até não poder mais. Então realizou um ritual sagrado. Cavou um buraco, ao lado da árvore e enterrou os ossos, envoltos no mesmo lenço, agora encharcado com suas lágrimas. A partir daquele dia a árvore se transformou em um símbolo vivo do amor que os unia. Ele passou regá-la e a olhá-la com reverência. Gostava de sentar-se ali para brincar. Imaginava seu irmão, sorrindo de satisfação, o que lhe dava conforto e alento.

O esporte e a música

A vida desafiava com frequência a sua mente e o seu coração. Com uma sensibilidade à flor da pele, a medida que crescia desenvolveu uma engenhosidade cheia de estratagemas para suprir deficiências em seus comportamentos. Adestrando-se com rigor, as vezes com extrema dureza, conseguiu integrar-se, participando de grupos com interesses comuns.

Leo nadou, a partir dos 13 anos e através de toda sua vida. Competiu, ganhou medalhas e desafiou-se em travessias de rios e braços de mar. Em alguns períodos, esforçava-se diariamente em treinos, nunca menores do que 2000 metros. Fez parte de grandes equipes, competiu com clubes e academias. Adentrou o mar com seus companheiros, a uma distância em que a praia era uma longínqua faixa clara, com pontos móveis.

Também participou de corais. Cantou durante, pelo menos, 15 anos. Unia sua voz de barítono num canto uníssono, em contrapontos de difícil execução tendo como resultado uma harmonia cuja beleza extrapolava o que as palavras podem descrever. Também viajou de norte a sul, soltando sua voz por estradas, restaurantes, praças, escadarias e, obviamente, teatros. Uma vez, em Belém do Pará, num encontro de corais, uniu-se a quase mil vozes, num estádio de futebol. A emoção era tanta que ele se sentia flutuar. Imaginou seus cânticos se espalhando pelas matas, adentrando rincões secretos nas florestas onde os espíritos da selva os ouviam encantados. Sua voz, uma simples linha, em meio a tantas, estava impregnada pelo seu arrebatamento, carregava a essência de sua gratidão.

Em outra oportunidade, em Curitiba, competiram com grupos de todo o Brasil. Apresentaram-se no maior teatro da cidade, à época, foram aplaudidos de pé e obtiveram o primeiro lugar.

As aventuras e experiências sobre sobrenaturais

Essas experiências o fizeram, depois, voltar a essas regiões. No norte, várias vezes, aventurou-se pelas matas, sozinho, confiando na sua comunicação com o Eterno. Teve experiências sobrenaturais que transformaram a sua vida de formas antes impensáveis.

No sul subiu e desceu muitas serras, viajou por estradas vazias, longas distância até países vizinhos. Teve o privilégio de viver alguns dias numa aldeia de alpinistas, todos malucos, que desafiavam as alturas rindo na cara do perigo. Com eles escalou, pelo trajeto mais acessível, uma montanha de cuja altura o trem, lá embaixo, era como uma centopeia, minúscula, fazendo curvas e soltando fumaça.

Uma vez, numa manhã de inverno, adentrou o mar glacial, com amigos, sendo levados pela correnteza até os limites estaduais, próximos a um rio que os empurraria para alto-mar. Como sempre, a sua comunicação com os elementos, trouxe respostas nas ondas fortes que os empurraram para a costa segura, devagar mas com firmeza. Deitados na areia gelada, soltaram gargalhadas nervosas de puro alívio. Esse evento os uniu como espíritos abençoados pela sorte.

Admiração e afeição genuínos

Olhando sobre o panorama de sua vida Leo identifica perfeição em tudo, mesmo nas tribulações. Ao cultivar a lucidez desenvolveu um desprendimento de onde se contempla com admiração e afeição genuínos. Sem presunção, mas consciente do próprio valor. Sua sensibilidade e a memória das emoções tornam os eventos passados, vívidos, como quadros dinâmicos ligados por infinitas conexões. E sobre cada um deles paira uma certeza vigorosa dos seus desdobramentos favoráveis nos eventos por vir, fruto das suas análises e estratégias.

Manoel Queiroz

Compartilhar

2 comentários em “Análises e Estratégias”

Deixe um comentário