Por que o banheiro é sempre um problema? O trans e a cria.

Em sessão do Plenário do STF, no último dia 6, decidiu-se que o Recurso Extraordinário (RE) 845.779 “não envolve matéria constitucional e, portanto, não deve ser julgado pela Corte”. O recurso em questão entrou em processo judicial contra o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC), “que negou pedido de indenização por danos morais a uma mulher transexual que teria sido impedida de usar o banheiro feminino num shopping center”. O processo rolava desde 2014. Para saber mais sobre, leia matéria do STF, Por razões processuais, STF rejeita exame de recurso sobre uso de banheiro por pessoas trans.

Entendendo o caso

Apesar de em 2014 o recurso por danos morais ter sido entendido pelo Plenário como uma discussão em torno do “direito de pessoas transexuais serem tratadas socialmente de forma condizente com sua identidade de gênero”, 10 anos depois, “havia dúvidas sobre se a mulher foi impedida de usar o banheiro feminino apenas por ser trans e se a abordagem foi agressiva”.

Além disso, a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina avaliou o pedido de indenização apenas com base no Código de Defesa do Consumidor, sem discutir se havia ou não violação à dignidade humana. Por isso, o STF decidiu que não é possível rever a decisão do tribunal estadual.

O imbróglio do caso gira em torno de um apagamento ou desprezo da alegação integral da autora. Pois, em termos de interpretação do relato, fica muito claro que houve constrangimento.

“No processo, ela alegava que foi forçada a se retirar do banheiro por uma funcionária do shopping e que, por isso, acabou fazendo suas necessidades na própria roupa.”

Ainda em 2015,

O juiz condenou a empresa administradora do shopping ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 15.000,00, mas o Tribunal de Justiça alterou a decisão, por entender que não havia prova de que a abordagem fora discriminatória ou agressiva e porque os fatos narrados causariam apenas um aborrecimento.

Por esse motivo, adicionou-se ao processo o recurso extraordinário alegando violação à dignidade humana.

No resultado do julgamento, consta ainda:

O Plenário do STF, por maioria, considerou que o caso concreto trazido à Corte não era adequado para a discussão da questão constitucional… Na prática, isso significa que o Plenário ainda não deliberou sobre o direito de pessoas trans a serem tratadas socialmente de forma condizente com sua identidade de gênero, o que poderá ser feito em outro processo futuramente.
O posicionamento da justiça brasileira

Bom, tendo tudo isso em vista, fica muito claro que o apagamento ou desprezo do relato da autora em sua integridade apenas reflete o entendimento que o Brasil e a justiça brasileira, por consequência, têm sobre o assunto identidade de gênero: nenhum. É possível constatar no resultado do julgamento do STF que não existe nenhum posicionamento a esse respeito. É só mais uma questão da contemporaneidade que é empurrada com a barriga. Ou, pela vassoura, para debaixo do tapete.

Os argumentos da justiça nas diferentes esferas parecem bastante contraditórios. Afinal, como que não houve uma abordagem discriminatória se, para que fosse feita a intervenção por parte dos funcionários do shopping, necessariamente teria que ser feita a discriminação dos sexos? A defesa alega falta de provas contundentes. Bom, de fato, não sabemos ao certo quais provas e testemunhas foram apresentadas pela autora. Mas é fato que o processo foi deferido em primeira instância e que, depois, levou-se 10 anos para o recurso e a repercussão geral serem rejeitados. Enquanto isso, quantos casos como esse ocorreram e quantos mais terão que ocorrer, inclusive, onerando o judiciário, para que o Plenário do STF finalmente leve para a discussão da questão constitucional?

O posicionamento da sociedade

As mudanças na sociedade continuarão ocorrendo, quer você queira ou não. Negar isso é uma opção muito cara, tanto para o Estado quanto para o indivíduo, para o bolso e para a psique das comunidades. Hoje, o assunto gira também pelas escolas, inclusive, nas creches – veja a última notícia do Senado. “Pais atentos”, professores e administradores se desgastam com questões que sempre existiram, mas que nem sempre foram tomadas como problemas. E parece que hoje são problemas justamente porque a contemporaneidade promove a possibilidade. Ou seja, o desconforto está em transformar a questão em opções.

A turma do LGBTQIA+ não é moda, crença nem tendência. Talvez, em algum momento no futuro, essa sigla se desfaça e, talvez, tudo fique menos complicado. Mas o fato é que as diferentes identidades de gênero estão registradas na história da humanidade. Nem sempre identificadas em massa, mas tantas vezes verificadas, por exemplo, em festas dos antigos impérios, antes de Cristo. Ou melhor, antes do cristianismo.

O afastamento das crianças pelo sexo – menino sem menina, menina sem menina e menino sem menino – e a insistência apenas pelo reconhecimento do gênero cis indica uma denegação, onde a “superproteção” acaba encobrindo a neurose. Não se trata apenas do banheiro na escola ou no shopping center. Na verdade, as questões com os banheiros só comprovam que existe um excesso de sexualização do brasileiro – inclusive, pelos próprios pais – e, ao mesmo tempo, um problema para se haver com essa sexualidade.

Qual a solução para o banheiro?

O banheiro pode nos despertar muitas lembranças proibidas, simplesmente porque é lá onde mais entramos em contato com as nossas genitálias, com as fezes, a urina, a menstruação. É um lugar que proporciona o encontro com as coisas que mais nos mandam esconder e que mais evitamos pronunciar. Um local de maus odores, de descarte, inclusive, do sêmen. Sim, porque é lá também que o menino se masturba. E é no proibido que tudo tende a acontecer, não é mesmo? Pronto, despertamos novamente o recalque!

Mas, afinal, como se resolve isso? Já podemos apreender de experiências anteriores que não é acatando imposições inconsistentes de “pais atentos” nem demorando dez anos para julgar um recurso. Mas, a princípio, existe um consenso geral de que os líderes e representantes devem estar à frente das questões colocadas pelas comunidades e pelos leigos. Líderes e representantes precisam se fazer valer de suas armas e acessos facilitados ao conhecimento bem como às estatísticas para deliberar e encontrar soluções viáveis, sempre pensando no todo. É preciso dominar um assunto para se tomar decisões mais assertivas e, ao mesmo tempo, conseguir transmitir segurança à população. Esse já é um começo.

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