A maternidade e as escolhas femininas

Escolhas da natureza

O que é uma escolha feminina? E por que tem que ser propriamente feminina? Por que não pode ser uma escolha puramente humana? Por que somos estigmatizadas pela sociedade, inclusive pelas nossas próprias mães?

Somos crianças mais calmas e doces. Temos instinto materno, somos mais benevolentes, preocupamo-nos mais com os nossos filhos, cuidamos mais, somos mais afetivas. Mais neuróticas, também? Mais frágeis? A única capacidade natural e efetivamente comprovada da mulher é a de ser mãe?

Bom, parece que esse discurso está um pouco ultrapassado, não?

Talvez, em alguma época ou épocas, essa narrativa representasse mais fielmente o feminino. Mas, o fato é que a humanidade mudou. E, junto com ela, a mulher, claro. Ela tem outras percepções e, portanto, necessidades outras. A maternidade já não pertence mais a todas. Enquanto que o trabalho remunerado, esse sim. 

Hoje, a humanidade tem soluções para quase tudo. E por que não aplicá-las às questões femininas também? Atualmente, as técnicas de reprodução assistida ganham espaço entre os novos papais e mamães. Amanhã, a gestação poderá ser apenas uma forma de reprodução da espécie Homo sapiens. Por que não? Por que tudo pode evoluir, divergir de seu aspecto natural, exceto a maternidade? 

Maternidade

Apesar de existir um discurso psicanalítico de que a maternidade e a feminilidade são coisas divergentes, elas só o são quando de fato ocorre a maternidade. No entanto, antes dela, toda mulher, em sua idade fértil, está teoricamente na iminência da maternidade. Isso quer dizer que, a partir do momento em que se espera que a mulher engravide, supõe-se que a sua feminilidade esteja investida naquele propósito, ou seja: no jogo da conquista, no casamento e, por fim, na procriação.

Bom, toda essa teoria passada de mãe para filha ao longo das gerações e que, de tão repetida, tornou-se a verdade do feminino, nas necessidades da atualidade, traz-nos, a nós mulheres, dilemas, sentimentos de culpa e estados paranoides. Desde situações mais simples, como a falta de vaidade, a falta de atração por homens ou mesmo de libido, a falta de desejo pela maternidade. Até situações mais complexas, como a laqueadura, a histerectomia, o aborto ou cirurgias corretivas e preventivas

Manutenção da feminilidade

O tratamento do câncer, por exemplo, é algo que acaba tendo peso em dobro para a mulher, por inferir diretamente na sua aparente feminilidade (perda de curvas, perda de cabelo, de brilho, de vitalidade). 

Em 2013, a atriz Angelina Jolie anunciou ter realizado mastectomia por prevenção, após a descoberta de uma mutação genética em seu genoma, que estimava em 87% as chances de desenvolver câncer de mama. Em 2015, ela removeu também os ovários, pois os médicos apontavam 50% de chance para câncer naqueles órgãos. 

Apesar de outros estudos científicos virem um pouco na contramão e chamarem a atenção para um certo reducionismo na avaliação da mutação genética no caso Jolie, já que afirmam ser baseada em populações e não no indivíduo em si, a cirurgia profilática não deveria deixar de ser considerada. Saiba mais no texto do livro científico Sporum O ‘efeito Angelina Jolie’ e o determinismo genético.

Opção do feminino

Da mesma forma, nenhuma grande decisão deveria tender a uma única opção em função de uma verdade imposta. Quem sabe grandes decisões nem fossem tão grandes assim. 

Afinal, a feminilidade deveria estar acima da humanidade de uma mulher? A vontade de viver, de existir, de executar projetos, deveriam valer menos do que o feminino? Deveriam valer menos se não estiverem no formato que conhecemos do feminino? Afinal, de quantas formas é possível ser mulher? Ou melhor, de quantas formas é possível ser?

Como diria Gerda Lerner em A Criação do Patriarcado, “(…) anatomia já foi destino. Essa declaração é precisa e leva em consideração o contexto histórico. O que já foi não é mais; não precisa nem deve mais sê-lo.”

Compartilhar

1 comentário em “A maternidade e as escolhas femininas”

Deixe um comentário