Drogas lícitas e ilícitas
Algumas substâncias proibidas acabam tendo livre comercialização quando vendidas em formatos alternativos. Com as brechas na legislação, é possível fazer uso de algumas drogas sem ter que, digamos, esconder-se. Esse é o caso dos cogumelos psicodélicos, cujo componente alucinógeno é proibido, mas vendidos in natura atendem a lei.
Estudiosos apontam para um aumento do consumo dos fungos alucinantes juntamente com a maconha e elegem a divulgação dessas drogas, através de debates de descriminalização ou de séries documentais em plataformas streaming, como catalisador dessa onda de euforia.
Bom, acho que estamos esquecendo de citar aqui também as bebidas alcoólicas, certo? Pois é, apesar dos inúmeros casos de alcoolismo e de acidentes fatais envolvendo pessoas sob o efeito do álcool, este segue ileso e sendo fabricado a todo vapor. Mas, se seguirmos nesse raciocínio, podemos ir longe. Podemos citar o cigarro e, inclusive, os alimentos com excesso de sódio, gordura ou açúcar. Afinal, o que tem todos esses itens em comum? Eles são todos viciantes.
Compulsão à repetição
Entre liberação de dopamina e aumento dos níveis de opioides num organismo, ainda existe muito a ser desvendado. Mas o simples fato observável de tendermos a salivar e comermos compulsivamente ao vermos, sentirmos o cheiro ou colocarmos um pedaço de picanha gordurosa, uma empada ou um salgadinho ultra processado na boca é inegável. Por isso, esses alimentos têm sido comparados a algumas drogas, como o álcool e o cigarro. Drogas estas legalizadas.
Somado a isso, os alimentos mais viciantes são justamente aqueles que nos remetem as nossas infâncias: chocolates, docinhos, bolos, salgadinhos, salgados fritos e de forno, refrigerante. Isso tudo lembra ou não lembra uma festinha de criança? Pois é, esses são os alimentos mais fáceis de agradar as nossas papilas gustativas. Por isso é comum se dizer que uma pessoa tem paladar de criança quando só gosta de comer “porcarias” ou quando, por exemplo, mete um ketchup nos alimentos para disfarçar o sabor deles.
Conexão alimento-lembrança
Na Psicanálise, sempre nos referimos à infância porque é uma época em que normalmente somos cuidados por alguém. Tem alguém para nos alimentar e para nos dar colo, aconchego. Alguém que olha constantemente para nós. A infância, em grande parte dos casos, é um cenário seguro, pelo menos, até onde vai o nosso entendimento enquanto crianças.
Reviver sabores e odores da infância é mais que nostálgico. É real. Para a nossa psique, trata-se de uma realidade instantânea. Uma realidade onde nos sentimos seguros, mesmo que seja apenas por alguns minutos. Por isso combinar momentos de insegurança com alimentos que nos remetem lembranças felizes pode acabar funcionando como uma faca de dois gumes: conforta, mas a questão é “por quanto tempo necessitaremos permanecer nessa zona de conforto?”
Quando falamos de alimentos viciantes ou drogas, entramos na mesma região de perigo. No entanto, os excessos normalmente são cometidos quando nos encontramos em estados de fuga. Ou seja, quando a realidade é dura demais para conseguirmos lidar com ela. Sendo importante ressaltar aqui que as dificuldades dependem de um referencial, elas são relativas. Ninguém está apto a classificar as dificuldades dos outros, apenas as suas próprias.
Atenção!
Nos momentos difíceis, raramente, nos daremos conta dos nossos excessos, embora haja formas de tentar reduzir os estragos: mantendo uma alimentação saudável e evitando ter as “tentações” acessíveis, por exemplo. Claro que, para alguns, tratar-se-á de uma necessidade esporádica, mas, para outros, manter uma alimentação saudável e evitar as “tentações” podem ser tarefas que requerem uma energia descomunal. Neste caso, a procura por um profissional da saúde mental se faz necessário.
Os altos e baixos fazem parte das nossas jornadas, da excitante vida moderna construída dentro de um sistema capitalista. O que devemos avaliar é quanto permanecemos num pico ou quanto permanecemos num vale. E ainda mais importante: o quanto esses picos e vales nos afetam emocional e fisicamente.