E o afloramento dos sentimentos de ódio
Extra extra!
A cada notícia que surge na imprensa, revelam-se sentimentos: reações que nós temos baseadas em referências que acumulamos ao longo das nossas vidas. Essas referências podem fazer jus a fatos, boatos ou a sentimentos exaltados por alguém que admiramos. Este último caso é evidenciado quando não há argumentos: a gente simplesmente se sente indignado, mas não sabe por que.
Eu costumo dizer que nada acontece por acaso. Ou seja, há um porquê para todas as coisas. Todas. Até para a uva-passa na farofa de natal! Mas o fato é que, se pararmos para analisar, todo mundo tem razão até certo ponto.
Nos últimos dias, nós fomos bombardeados com a noticia dos trabalhadores resgatados em regime de escravidão no Rio Grande do Sul. Como eu moro em Bento Gonçalves, minha caixa de entrada do Whatsapp lotou. Todos queriam entender melhor o que estava acontecendo. E cada um com a sua reação. De brinde, recebi o vídeo do vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul, que acabou sendo acusado de xenofobia. Bom, entre as mensagens que recebi, surgiu também o termo racismo.
Destilando o ódio
Se, por um lado, meus amigos de fora do estado do Rio Grande do Sul revelavam seu ódio pelas vinícolas envolvidas, do outro, meus amigos e demais Bento Gonçalvenses revelavam seu ódio pela proporção que a situação tomava e alguns, como o vereador, pelo povo que vem de fora “difamar a cidade” ou “fazer corpo mole”. Por um ou por outro, os ânimos seguem exaltados.
Darwin tinha razão?
O mais interessante é que quem menos se destacou nos bombardeios de informações foi a contratante direta Oliveira e Santana, da Bahia. Quando se fala em racismo e escravidão no Rio Grande do Sul, nos lembramos imediatamente do racismo, escravidão colonial e de afloramento dos sentimentos de ódio, certo? Mas tem um ponto crucial que não costumamos lembrar: a oferta do escravo negro ao patrão branco é sempre feita por alguém do seu próprio povo, que, inclusive, é negro. A questão aqui não é cor, mas poder. E sempre foi poder: quem tem mais bens ou ambições. Não é à toa que dizem que “só sobrevivem os mais espertos”. Na verdade, hoje, eu diria “vivem os mais espertos e sobrevivem os demais”.
Num mundo em que a competitividade cresce a cada hora que passa e a redução de custo é incentivada constantemente, quem não barganha, não é rei. E como sabe barganhar o colono italiano! Capitalismo selvagem? Pode ser.
A teoria da relatividade
Quanto ao discurso do vereador, questionaram-me com bastante indignação “mas como é que eles pensam que o baiano não trabalha se o PIB da Bahia é maior que o do Brasil? E tão pensando que planejar festa também não é uma logística desgraçada?”. A minha resposta para a primeira sentença foi “o colono italiano poderia dizer que qualquer outro povo é preguiçoso”.
Cada um tem as suas referências, certo? O colono italiano trabalha de manhã, de tarde, de noite, feriado, não importa. A cultura que se desenvolveu na serra gaúcha e em grande parte do Rio Grande do Sul é de ter mais de um emprego, além das atividades domésticas. é um povo que trabalha muito, guarda muito e curte pouco. Os serviços oferecidos em casas são caríssimos, simplesmente porque todo mundo faz tudo. Eles se viram com tudo. Então, a demanda para a contratação desses tipos de serviço cai e o preço sobe.
A organização também é muito evidente para quem vem de fora. Até as áreas mais pobres parecem ter uma certa disciplina. E o que eu quero dizer com tudo isso? Que essa é a cultura do colono italiano e seus descendentes. Essa é a referência desse povo e tudo o que for diferente disso será criticado, inclusive, entre eles mesmos. Claro que, como eu disse anteriormente, nada surge do nada. O colono italiano é extremamente religioso. E o que vem com a religião? Culpa, sacrifício, purificação (limpeza). Mas isso seria assunto para outro artigo, certo?
Tudo farinha do mesmo saco!
Na contramão, vem o nordestino, indignado, sentindo-se humilhado, cansado da exploração. Mas não era baiano? Pois é, mas convenhamos: já ouvi de muitas pessoas daqui do sul que da Bahia para cima, é tudo baiano. Tudo bem, porque nós também dizemos que do Paraná para baixo é tudo “gente do sul”, como se não houvesse diferença entre os estados. Estamos quites. A generalização faz parte. Afinal, tudo o que é diferente daquilo que conhecemos é o estranho.
Sobre ser ignorante
A exploração do nordeste começa, claro, com o tipo de colonização e segue com a politicagem. Sim, porque na política também é importante manter pessoas pobres e ignorantes, de preferência uma boa fatia, que serão mais facilmente manipuladas. E segue a lei do mais forte. Não que o sul esteja livre da ignorância, mas digamos que se tratam de ignorâncias diferentes. Na ignorância, fazemos não importa que tipo de negócio na intenção de garantirmos o que entendemos como a “nossa sobrevivência”. A essência da ignorância é essa: não importa o que. É como aprendemos que deve ser. Veja bem “como aprendemos”, não significa que seja o correto, o justo ou o ético.
Resolvendo as diferenças?
Diversos outros temas que contribuem para as diferenças entre os povos poderiam ser abordados aqui, como por exemplo a disponibilidade de terras férteis, a manutenção dos dialetos e costumes, a qualidade do ensino nas escolas, a necessidade ou não de estudos para sobreviver, o clima etc. A questão que eu gostaria de propor aqui é “por que?”. Por que alguém é assim ou assado? O nordestino age assim por que? O sulista faz assado por qual motivo? E o fato é: não por acaso. Nunca é por acaso. A resposta pode ser rasa, como “é um preguiçoso!” ou “é um xenófobo babaca!”. Pode. Mas é importante termos em mente que análises superficiais nunca solucionam problemas e o afloramento dos sentimentos de ódio continua a existir, infelizmente!