Chuvas e Abrigos

A imagem trata de um guarda-chuva, um dos abrigos mais utilizados durante  as chuvas.

As chuvas no sertão

Para nós, do sertão do Nordeste, chuva sempre foi sinônimo de bênção. Algumas das minhas melhores memórias são daqueles momentos que antecedem a chuva: As nuvens mudando de cor, um cheiro de vida no ar. A ventania surgindo com uma força tão grande que parece capaz de varrer todos os nossos problemas para bem longe. Pássaros voando apressados, procurando abrigo, grasnando, como se avisando uns aos outros que a chuva está vindo.

Lembro também do quintal de casa, que antes achava enorme e hoje vejo o quão pequeno é, onde as aves se aquietavam, procurando um abrigo para passar a chuva. Até os cachorros se recolhiam. Todos se abrigavam, perante os sinais da chuva.

Já meus irmãos e eu, ansiávamos pelo o banho de chuva, que era uma das coisas mais divertidas que eu achava. Saíamos pelas biqueiras das casas, principalmente, a de nossa avó materna, nos divertindo, gritando, correndo, perdendo as Havaianas, mas aquele era o nosso momento.

Depois, voltávamos para nosso abrigo – nossa casa – para que nossa mãe fizesse o que todas as mães fazem, nos mandando tomar outro banho, dessa vez, “de verdade,” se secar, trocar de roupa e tomar um chá ou um leite quente, quando ela verificava nossos pequenos dedos, todos engelhados, por ter ficado muito tempo fora, tomando chuva. Ela era nosso abrigo. Da chuva e dos problemas. O lugar para onde voltávamos, onde sempre nos sentíamos seguros.

As chuvas de março

Voltando para a realidade, as águas de março vieram com tudo fechando o verão, como dizia Tom Jobim, trazendo alegrias e tristezas pelo Brasil.

Para quem não sabe, março é o mês de São José, o padroeiro das chuvas, muito devotado no Nordeste. Diz a tradição que, se chover nesse dia, o ano será “bom de inverno.” Ou seja, nós, nordestinos, teremos chuvas suficientes para plantar e colher o milho, o feijão, os tubérculos, enfim, aquela agricultura de subsistência, comum no interior de nossa região.

A religiosidade e devoção ao santo das chuvas.

Então, todo dia 19 de março, em muitas cidades, acontece a missa e a procissão em homenagem a São José. O interessante é que as pessoas levam guarda-chuvas, em um ato de fé, esperando que chova. Esse ano, o pai de Jesus (seguindo o raciocínio do ditado popular que “pai é quem cria”) honrou a fé e choveu em vários locais do Nordeste. Os fiéis comemoraram felizes, agradecendo a boa chuva, em vídeos disponíveis nas redes sociais.

Infelizmente, em outras regiões do Brasil as chuvas causaram verdadeiros desastres, mas não adianta culpar o santo. Muitas tragédias são resultadas da intervenção do homem na natureza de forma irresponsável. Por sua vez, a natureza reage com enchentes, seca, aquecimento elevado de temperaturas, deslizamentos de terras, rompimento de barragens, dentre outras.

Acompanhando as notícias, vi o desespero, em algumas cidades, causado pelas fortes chuvas: os governantes pedindo para as pessoas não saírem de casa e declarando estado de emergência diante do caos. Uma cena que me impressionou foi o deslizamento de terra num cemitério em Petrópolis/RJ, deixando os caixões expostos.

Então recordei a nossa querida Natal, quando houve um grande deslizamento no morro de Mãe Luíza, em 2014, deixando várias pessoas desabrigadas. No local, foi erguida uma linda escadaria, criando um novo ponto turístico na cidade, mas até onde sei, as pessoas que perderam suas casas ainda não foram contempladas com outras, o auxílio recebido diminuiu pela metade e o processo, anda de mesa em mesa no Tribunal de Justiça.

Os super abrigos.

As tragédias não escolhem pessoas, nem lugar e acontecem, claro, sempre alheias à nossa vontade. Entretanto, temos que viver como se estivéssemos prontos para tudo de bom e ruim. Eu sei que soa utópico, mas ser confiante ajuda muito.

Pensando nisso, Mark Zuckerberg, dono do grupo Meta (Facebook, Instagram, Threads) está construindo um grande abrigo, visando o fim do mundo ou grandes tragédias. É um bunker, como chamam aqui nos EUA, com energia própria, portas anti-explosão e saídas estratégicas. Ele e outros bilionários estão investindo nesses abrigos, temendo as incertezas climáticas e humanas.

Como não somos bilionários, cabe a nós pedir a Deus que nos proteja do mal que não sabemos ou não vemos. Pedindo sempre com fé, tais quais os devotos de São José que levam os guarda-chuvas acreditando que a chuva virá.

Precisamos de abrigo?

Entretanto, não me preocupo tanto com esses abrigos que o homem é capaz de construir. Os abrigos que mais me preocupam são àqueles para onde devemos nos refugiar quando uma tempestade paira sobre nossas cabeças: os tsunamis da alma, os deslizamentos que passamos na vida, as enchentes de problemas e situações que nos tiram a paz.

Hoje, adultos, sem nossa mãe como abrigo ou sendo a nossa vez se ser o abrigo delas, precisamos que nossos “bunkers” estejam prontos, aqueles abrigos, que construímos ao longo do tempo. Todos nós os temos.

Eu tenho meus abrigos, que são invioláveis, onde não deixo ninguém entrar. Foram construídos para resistir a qualquer furacão. São nossas fortalezas interiores. E sim, baseadas em nossa fé, em nossas crenças, naquilo que nos conforta, no encorajamento que recebemos de nossos pais e de pessoas do bem. Esses abrigos impedem que as tempestades nos destrocem e nos transformem em entulho.

Também costumo terceirizar meus “locais seguros.” Por vezes, preciso de uma palavra amiga, de alguém que confio, que pode me trazer de volta para a paz. São os abrigos representados pelos familiares e amigos, aqueles com quem, verdadeiramente, podemos contar.

Todavia, devemos ter cuidado para não entrar em abrigos errados, que são as dependências químicas, os vícios em geral, as pessoas erradas, em suma, os “becos sem saída” que a vida também oferece.

Como reagimos aos grandes impactos da vida, aos nossos desastres pessoais (muitas vezes, invisíveis aos outros) nos mostra como reagir diante de qualquer outra tragédia. O que não podemos é perder a fé e a certeza de que as tempestades sempre serão passageiras e, que depois delas, desfrutaremos da calmaria.

Agora, me conte você, onde tem sido seu abrigo mais seguro?

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12 comentários em “Chuvas e Abrigos”

  1. Uau! Esse texto reflexivo e nostálgico me fez relembrar meus abrigos. O lugar que me protegeu e onde aprendi a construir abrigos para o meus. Colo, comida quente e cafuné para as horas atribuladas é o que nos fortalece para o enfrentamento diário. Que São José, pai amoroso, tenha piedade de nós e nos ajude a manter o solo de nossos corações sempre férteis. Amei sua crônica, amiga!❤️

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  2. Boa tarde. Que belissimo, me fez relembrar de quando criança, tomava banho na chuva, hj já não tenho coragem, no primeiro trovão, desligo tudo, cubro os espelhos e me deito.

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  3. Excelente reflexão. Onde estão nossos abrigos? Será que no tempo de hoje ainda podemos encontrá-los? Ou será que nos abrigamos em nós mesmos?

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  4. Que lindo. Eu sempre me lembro dos banhos da minha infância, a bica que formava no posta na esquina da rua em que morei. Ahhh que delícia… Meu abrigo nas tempestades continua sendo ela, mainha. E a fé que me sustenta todos os dias.

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  5. Muito lindo o texto. Um tema de algo que amo, que é a chuva. Qualquer neblina já me leva ao sertão da minha meninice. Lindo Very. Parabéns.

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  6. Como diria Gonzaguinha:

    “Mas o lindo pra mim é céu cinzento
    Com clarão entoando o seu refrão
    Prenúncio que vem trazendo o alento
    Da chegada da chuva no sertão”

    Nada deixa o nordestino do interior mais feliz do que chuva, e eu gosto muito.
    Parabéns dona Vera pelo texto.

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