Sogra versus nora: uma herança patriarcal

Um pouco de história…

A sogra é, talvez, dentro da constituição familiar, a figura mais caricaturesca. Não é à toa que as piadas sobre sogras bem como a sua má fama tenham se popularizado há tanto tempo, “mesmo séculos antes de Cristo”. Segundo a mitologia grega, Afrodite – a deusa do amor -, “enciumada com o amor do filho Eros pela belíssima mortal Psiqué”, fez de tudo para mantê-los separados.

“De acordo com a antropóloga Eliana Amábile Dancini, da Universidade Estadual Paulista, o mito é cultural e trata-se de “um desdobramento das questões de gênero”, resultado da estrutura patriarcal da família…”

Freud poderia explicar a questão através do famoso complexo de édipo, também baseado na sociedade patriarcal. Édipo Rei é uma tragédia grega escrita por Sófocles cerca de 400 anos antes de Cristo, em que um filho mata o seu pai e desposa a sua mãe, desconhecendo inicialmente as suas relações. A partir dessa história, Freud formula a sua teoria, que, a grosso modo, consistiria em um “conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais” num determinado período da infância.

…tanto os meninos quanto as meninas se sentiriam naturalmente atraídos pelo progenitor do sexo oposto, repudiando ainda aquele do mesmo sexo.

Heranças do patriarcado

Uma sociedade patriarcal ou fálica coloca o pênis como símbolo máximo de poder. A atração pelo sexo oposto diria respeito à conquista por algo que não se tem e o repúdio pelo mesmo sexo faria alusão a uma competição: no caso dos meninos, uma disputa por quem tem mais poder, e no caso das meninas, uma disputa pela reparação do que está naturalmente castrado, ou seja, no final das contas, tratar-se-ia da busca pelo poder. Em outras palavras, enquanto os meninos passariam a vida com medo de perder o seu pênis, as meninas passariam a vida procurando por um pênis para chamar de seu.

Freud, inclusive, propõe a gravidez como uma das formas para as mulheres obterem o seu próprio falo, de maneira simbólica, obviamente. Gerar um novo ser humano ainda é uma forma de as mulheres se sentirem empoderadas dentro da nossa sociedade, especialmente quando esse ser é do sexo masculino. Afinal, ele possui o falo real. Seria como ganhar na loteria!

Já, as filhas meninas, além de geralmente serem alvo das projeções daquilo que suas mães não foram, elas são usualmente vistas como potenciais competidoras naquilo que as suas mães gostariam de ter conquistado. Revelando assim a ambiguidade que constantemente nos atravessa.

Lucas, no capítulo 12 e versículo 53 do Novo Testamento, parece ter previsto os problemas provenientes do complexo de édipo:

O pai ficará contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra.

Sogra versus nora

Pensando nesse mecanismo psíquico ligado à cultura patriarcal, podemos esperar que tanto relações mãe e filha quanto nora e sogra sejam conturbadas. Afinal, a priori, são mulheres competindo por algo que elas não têm e que está num homem em comum entre elas. O desejo pela posse pode provocar ciúme em ambas, dependendo do posicionamento desse homem. Porque, se a saída do édipo não se dá da maneira esperada segundo Freud, o filho tenderá a priorizar a mãe, em vez da esposa. É como se ele ainda estivesse colado à mãe naquele processo infantil.

O reality show brasileiro ‘Ilhados com a sogra’ (Netflix) caracteriza bem essas relações nora e sogra, mostrando-se muito mais críticas do que as relações genro e sogra. A histeria generalizada das sogras revela um medo aterrorizante da perda de seus filhos homens para as noras. O que não se apresenta da mesma forma no sentido inverso, especialmente para aquelas noras que já possuem filhos.

Inclusive, é comum que as relações se estremeçam ainda mais quando as noras engravidam, pois é como se chegasse a hora delas se empoderarem. Em contrapartida, as sogras tentarão jogar com as cartas que lhes restam: a sua experiência materna de anos a fio e a esperança de elevar a sua relação com a criança para um patamar além daquele que será possível com a mãe – a figura que tenta educar e colocar limites – e que não foi possível com o seu filho.

Presença e ausência

Uma pesquisa realizada com 1000 mães no Reino Unido revelou que 39% das mulheres se sentem incomodadas com as suas sogras criticando a forma como elas criam os seus filhos, 23% com suas sogras interferindo no dia-a-dia de suas vidas, 20% com elas mimando seus filhos e 18% com elas estragando seus netos.

Bom, fica claro que essa relação é estremecida globalmente, o que mudará de um país para outro é o percentual das reclamações apontadas acima. Porque alguns países conservam valores patriarcais mais do que outros. Alguns povos são mais machistas do que outros e, portanto, enfatizam e valorizam as diferenças entre meninos e meninas, incluindo, a presença e a ausência do pênis.

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