Amor com ou sem razão?

No banquete de Platão…

Relacionamentos podem ser muito complicados. Mas será que deveriam ser? Brigas, insegurança, desconfiança… Será que esses itens deveriam realmente povoar um relacionamento amoroso? A gente costuma dizer que casal nenhum é perfeito. De fato, a perfeição é apenas uma ideação. Ninguém é perfeito e, portanto, nenhum casamento será 100%. Mas, afinal, que porcentagem seria aceitável?

Em diálogo com Platão, chamado ‘O Branquete’, Sócrates diz: amar é desejar. Platão nomeia esse amor de Eros e o filósofo Clóvis de Barros se aprofunda na ideia:

Amamos o que desejamos. Amamos enquanto desejamos. Amamos na intensidade que desejamos. E quando o desejo acaba é porque acabou o amor também. Amor é desejo. E desejo é o que?

A definição de desejo é a mesma oficializada por Freud:

O desejo é a falta. Desejamos o que nos faz falta. Desejamos o que não temos, desejamos o que não somos, desejamos o que não conseguimos. Ou seja, ou você ama, deseja e não tem, ou você tem, mas não ama e nem deseja mais.

Amor sem razão

Em seu poema ‘As sem-razões do amor’, Carlos Drummond de Andrade pensa que o amor não há razão de ser: “Eu te amo porque te amo… Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo”.

Na Psicanálise, costuma-se dizer mais ou menos assim: “quando descobrimos porque amamos é quando deixamos de amar”. Afinal, quando descobrimos porque amamos é sinal de que o não saber já é sabido e, portanto, de que a falta foi preenchida. A tão desejada completude dá finalmente as caras, mas, enquanto seres faltantes, quando uma meta se cumpre, outra surge automaticamente em seu lugar.

Por isso tão comumente buscamos manter a falta nos nossos casamentos: mantemos segredos ou, pelo menos, não dizemos toda a verdade; mantemos distância, damo-nos férias um do outro; catamos detalhes para ficarmos chateados e discutirmos, provocamos ciúmes; entre outros exemplos. Dependendo do tamanho do vazio que sentimos, as “tretas” do casal podem ficar cada vez mais escabrosas, chegando a extrapolar o amor, como nos casos dos tais relacionamentos abusivos.

Vazio e compatibilidade

É bem verdade que o vazio é algo que construímos desde a nossa mais tenra idade. Mas, dependendo de com quem estamos, a sensação de vazio pode ser maior ou menor. Por isso a convivência com algumas pessoas nos provoca mais raiva do que com outras, por exemplo. Poderíamos chamar isso de compatibilidade. O que define sermos mais ou menos compatíveis com outra pessoa são os gostos, as personalidades, como abordamos anteriormente, em Onda de separações: caráteres e personalidades.

Aplicativos de relacionamento, como o Tinder, utilizam algoritmos que cruzam as informações dos membros para checar justamente a compatibilidade entre eles. Bom, essa é a ideia, pelo menos, já, a acuracidade é uma outra história. No entanto, mesmo que o algoritmo traga um fator de incerteza muito próximo de zero, não há como garantir que os usuários falem a verdade verdadeira. Cada um falará a sua própria verdade, que, necessariamente, gerará mal-entendido em um ou diversos pontos. Aproveite para ler também Mal-entendido: de Lacan a Newton.

Mas, afinal, é possível termos relacionamentos estáveis, livres de inseguranças e “tretas”, livres de vazios? Os problemas de casal são tão comuns que as pessoas acabam entendendo como algo “normal”. E terminam presas a esses relacionamentos, muitas vezes, “tóxicos”, achando que não existem outras possibilidades. Fico me perguntando se Platão e Freud têm mesmo razão ou se agimos como agimos só para constatar as suas teses.

Amor com razão

Freud, quando fala da falta, refere-se à estrutura neurótica típica, não trabalhada. E trabalhar a neurose é justamente aprender a lidar com a falta. O vazio é reduzido, gerando uma espécie de anteparo, para que o sujeito tome decisões mais assertivas a partir do seu desejo. Então, sim, é possível tomar decisões mais assertivas, o que implica aumentar significativamente as chances de descartar relacionamentos “instáveis” e de optar por se relacionar com alguém mais compatível. Claro que o nível de compatibilidade depende de outros fatores, como disponibilidade. Mas, excluindo a eficácia máxima – que não é possível em função do vazio, que por mais reduzido que seja, nunca será nulo -, acho que podemos ser bem otimistas e pensar em porcentagens, quem sabe, acima dos 90%!

Mas será que isso é suficiente para desassociar o amor da falta? Bom, Clóvis de Barros explica que Aristóteles dá uma outra definição para o amor, que ele chama de Philia.

Amor na presença, amor no encontro, amor na alegria. O amor de Aristóteles é a alegria pelo mundo como ele já está diante de você. É o amor pelo mundo quando ele te faz bem, quando te encanta, quando te faz sorrir.

Talvez seja possível desassociar o amor da falta quando o amor na presença entra em constância tal, que, quando é ausência, simplesmente passa despercebido. Como o efeito estroboscópio das luzes LED, que piscam numa velocidade que o olho humano não é capaz de detectar. O amor pode, sim, ser sabido, explicado, racionalizado e continuar sendo amor. E, você, sabe dizer por que ama o seu amor?

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