Docas

Observando as docas:

Não sou marinheira, mas vivo de porto em porto. Vale salientar que nem todos são lindos como aqueles de cinema, como no filme Titanic, onde as pessoas ficam acenando aos passageiros durante a partida. Muitos deles possuem docas, algumas secas, onde embarcações jazem esquecidas ou aguardando reparos.

Docas são locais onde barcos, navios, e o que quer que navegue vão quando é necessário fazer consertos, pinturas, serem carregados ou descarregados de mercadorias. Nelas é possível encontrar uma infinidade de equipamentos, necessários para tais operações.

Podemos dizer que as docas são pequenas bacias artificiais construídas no próprio porto. Elas também servem para as embarcações se abrigarem, em caso de tempestades.

Ao contrário dos terminais de cruzeiros, as docas não são bonitas. Elas mais parecem um “ferro-velho” de embarcações (ou pedaços delas) quebradas, precisando de reparos.

As docas de Sardenha, Itália.

Uma das paradas desse último cruzeiro foi em Sardenha, uma ilha muito bela e antiga na Itália. Passamos o dia a explorando e quando estava retornando ao navio, passamos por uma doca antiga, seca. Nela, estava um barco bastante danificado. Como disse, não sou marinheira, mas parecia ser um barco pesqueiro, pois deu para perceber os suportes para varas de pesca, já enferrujados e pedaços de redes caindo pela popa.

O casco do barco estava cheio de cracas, pequenos crustáceos marinhos que grudam nas embarcações e são muito difíceis de remover. Raspadores descansavam no chão, como se alguém tivesse saído para uma “siesta”.

As cracas são pequenas, mas danosas. Se não as removem dos cascos das embarcações, podem comprometer o funcionamento das mesmas, deixando-as lentas.

Além disso, o barco que estava na doca precisava de uma pintura. O nome “Putula” estava apagado. As cores, há tempos, perderam a vivacidade. Por um momento, pensei, “será que esse barco ainda tem jeito?”

Precisamos das docas.

Assim como as embarcações, que de tempos em tempos, precisam ir para as docas, precisamos também, periodicamente, nos recolher para cuidar de nós mesmos, sair do ambiente em que acumulamos coisas danosas, que nos deixam cansados, com a nossa “velocidade reduzida.”

Barcos, navios, lanchas, botes, canoas são projetados para navegarem, ficarem imersos no mar, (local onde vivem as cracas, mariscos e algas), portanto é inevitável não as ter. Elas são tão pequenas, mas juntas causam problemas e, por vezes se tornam invisíveis, pois ficam submersas nos cascos, sem que ninguém as percebas. Quando os barcos vão para as docas é que pode ter a dimensão da quantidade delas e do estrago que fizeram.

 Da mesma forma, nossa vida é cheia de “cracas” que podemos descrever como problemas, frustrações, golpes da vida, perdas, impossibilidades, enfim o massacre cotidiano que passamos para que tudo dê certo.

Elas chegam de mansinho, uma, duas, e quando nos descuidamos, não percebemos que temos uma enorme camada de pequenas coisas atrasando nossos movimentos, nos levando à exaustão.

Se uma coisa sem vida, que é um barco, precisa de reparos, imagine nós, pobres criaturas de carne e osso!

Sim, precisamos de pausas para recarregar as energias, ter nosso momento de conexão espiritual, férias, folga ou uma tarde desligada de tudo (ou em off, como chamam). Tais coisas são necessárias para as engrenagens da nossa vida, para nossa navegação. Do contrário, seremos obrigados a parar.

Saindo de Sardenha.

O navio saía e eu, na varanda, fiquei olhando aquele barco machucado pelo tempo, pelas cracas, vendavais, maresia… O contraste do casco branco, mesmo encardido com o azul intenso do mar mediterrâneo, mesmo em meio àquela doca cheia de coisas quebradas criava um lindo quadro.

Por fim, nunca saberei se o barco teve ou terá conserto. De uma coisa sei, que preciso ficar atenta às cracas miúdas que teimam em grudarem em mim, para que estas não me causem problemas.

Agora me contem, vocês também sentem necessidades de pausas?

Compartilhar

12 comentários em “Docas”

  1. Como sempre suas crônicas nos remetem a nossa própria realidade. Como a senhora fala docas são locais para recuperação ou até abandono de embarcações danificado. Eu me senti o próprio navio de alguma forma danificado e minhas docas são meu quarto, meu silêncio e minha própria companhia, com essas 3 docas eu me sinto o próprio Titanic. Parabéns minha linda amiga como sempre escrevendo crônicas pra’gente refletir.

    Responder
  2. Oi, querida! Como eu disse antes mesmo de ler a crônica, já me encantei com a imagem. Um registro lindo e poético. Muito bem escolhido para seu texto, diga-se de passagem. Parabéns pelo cuidado nos mínimos detalhes.
    Sim, precisamos de pausas e cuidados e seu texto tem tudo a ver com o momento que estamos: setembro amarelo.
    Por vezes não damos conta das nossas “cracas” emocionais e do quanto precisamos de ajuda para identificá-las. “Retirá-las” é um movimento de cura, por vezes dolorido, mas necessário para a manutenção da nossa saúde mental.
    Grata por mais um momento de pausa e reflexão.
    Abraços,
    Helenita

    Responder
  3. Muito interessante sua crônica… costumo fazer Cruzeiros e de repente você nos toma pela mão e nos leva para um passeio nas Docas a apreciar os Barcos, veleiros e outras embarcações ancoradas a precisar de reparos e a observação das cracas que grudam e prejudicam o casco da embarcação que naquele momento já deve ter navegado, ter devido aos que o usavam … e você nem sabe se teve conserto!! É! Acontece isso mesmo com os humanos… passamos por muitas coisas na vida e feliz daquele que pode espairecer… apreciar a natureza e amar ao próximo… por isso insisto em Sair do lugar pra não enferrujar… Viver cada momento … intensamente… parabéns! Amei!

    Responder
  4. No dia a dia corrido, temos q nos atentar aos momentos em q precisamos fazer essas pausas e se realinhar. Aqui eu não abro mão de ter o meu momento todos os dias, nem q seja de 15 min, para me reencontrar e ter ânimo a persistir.

    Responder

Deixe um comentário