Meditações em uma emergência

Reflexões a jato, instantâneas, céleres, breves. Assim como este texto. A apenas uma semana do dia de todos os românticos do Brasil.

Mas, afinal, como é possível meditar em meio a uma emergência?

Um dos primeiros aprendizados que recebemos num curso de yoga é: saia de casa com antecedência, chegue antes do horário e evite a aceleração desnecessária do seu corpo: coração, pulmões, mente. Afinal, como estar pronto para a meditação se corpo e mente se encontram, assim, tão agitados?

Esse foi o meu primeiro pensamento ao ler o título da obra do poeta nova iorquino Frank O’Hara: ‘Meditações em uma Emergência’ (tradução de Fernando Impagliazzo).

Contraditoriamente, eu sou entendiado, mas é meu dever estar atento, sou demandado por coisas, como a terra demanda o céu acima de si. E, finalmente, quando a ansiedade se torna tão grande, eu posso me poupar com uma soneca.
Poder, pode, mas qual a probabilidade de isso acontecer naturalmente, sem a ajuda de um fármaco, por exemplo?

‘Meditações em uma Emergência’ foi escrita em 1957. Dá certo alívio obter essa informação. Talvez em 1957 fosse mais provável tirar uma soneca depois de enfrentar uma ansiedade tão grande… Mais aliviada ainda fico ao saber que o título do livro de O’Hara não passava de uma brincadeira com seus amigos da New York School of Poets, em que ele se reapropria do título de uma obra mais antiga, do poeta John Donne: ‘Devoções para ocasiões emergentes’, de 1624. Talvez nessa época fosse ainda mais fácil tirar uma soneca depois de enfrentar uma ansiedade tão grande… Ou não.

No final dos anos 50, O’Hara se auto intitula “entendiado”. E o mais interessante é que não se trata de um estado de espírito passageiro, como num “estou entediado”. Em vez disso, ele “é entediado”, como se nada mais pudesse ser.

Tédio, que, segundo o dicionário Michaelis, significa “desgosto profundo que provoca desinteresse por tudo que nos cerca” ou “mal-estar causado por algo que aborrece ou enfada”. Um mal-estar gerado pelo dever de estar atento, pelo dever de estar sob o domínio de demandas. O mal-estar da civilização. Ou melhor, O mal-estar NA civilização, Freud, 1929. E, por ironia do destino, escrito às vésperas do colapso da Bolsa de Valores de Nova York.

Resta-nos apreciar o último dos traços característicos da civilização, que certamente não é dos menos importantes: o modo como são reguladas as relações dos homens entre si, as relações sociais, que dizem respeito ao indivíduo enquanto vizinho, enquanto colaborador, como objeto sexual de um outro, como membro de uma família e de um Estado. (FREUD, p.40)

Os desejos ficam, então, ao relento, em um compartimento difícil de acessar. Dentro. Um mundo interno pouco ou nada explorado. Assim, ainda em seu ‘Meditações em uma Emergência’, O’Hara parece, então, suplicar: “Em tempos de crise, devemos todos decidir, de novo e novamente, a quem amamos.”. Não importando se estamos em meio ao colapso da Bolsa de Valores, a uma pandemia, enchentes ou uma crise da meia idade. Afinal, a quem, de fato, amamos e a quem queremos amar?

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