Papéis dos sexos: o caos do pacto social

Maternidade no Brasil

Acho interessante a forma como, aqui no Brasil, a maternidade e as mães são valorizadas apenas enquanto gestação e gestantes, respectivamente. Tenho a impressão de que as mulheres grávidas são vistas como seres superiores que carregam uma luz divina. Todos as veneram, todos as mimam e sorriem para elas. Talvez por isso tantas mulheres sintam saudades da gravidez. Afinal, como não curtir tantos agrados?

É bem verdade que a gestação não é tarefa fácil, por mais “tranquila” que ela seja. Porque sempre envolve dor, desconforto, limitações, ansiedade e transformações extremas. Também é verdade que gerar um bebê fora da ótica da ciência é algo mágico ou surreal. Então, de fato, esses acontecimentos acabam sendo supervalorizados. Mas a questão é: quanto tempo dura esse fenômeno?

Pelo jeito, não muito. Os casos de feminicídio bem como de infanticídio e de abuso infantil no Brasil só crescem, sendo uns dos mais elevados no mundo, e talvez esse seja um indício. Como se o único momento em que mulheres e crianças são admiradas fosse, de fato, no milagre da concepção. Como se mulheres e crianças só fossem dignas de seus papéis enquanto ilusórias divindades.

Ou é 8 ou 80

E, na tentativa de se manterem como seres divinos, muitas mulheres assumem integralmente o papel de mãe. Como se amamentar ou andar com seus filhos como penduricalhos as levassem de volta para aquela posição que tanto provoca torpor nas pessoas. Em vez disso, essas mulheres voltam ao lugar de julgamento, de onde nunca sairiam, não fosse a luz divina da gestação. “Você faz demais, por isso o bebê está assim…”.

Outras, embebidas por demais na ideologia feminista do século XXI, querem reassumir o mais rapidamente o papel de mulher empoderada. E, então, seguem firmes no lugar de julgamento, de onde, talvez, jamais tivessem pensado sair um dia. “Você faz de menos, por isso o bebê está assado…”.

Quando engravidei, colocaram-me diversas vezes nessa posição de mãe, nesse lugar de maternidade, como se eu estivesse sozinha nisso. Olhavam diretamente para mim, falavam o que eu tinha que fazer. O pai, bom, o pai “pode ajudar”. Como se ele fosse um incapaz ou tivesse outras prioridades. Ouvi esse tipo de discurso dos mais diversos públicos: conhecidos, desconhecidos, médicos, autores de livros sobre maternidade – detalhe: mulheres em sua grande maioria.

Como caber na sociedade nos papéis propostos?

Já, na minha linha de estudos, amigas e colegas de profissão alertavam: “antes de ser mãe, você é mulher… cuidado para não abandonar essa primeira posição”. Hoje, eu me pergunto o que é uma mulher. E o que é um homem? Apesar de biologicamente diferentes e de termos papéis diferentes na concepção, os papéis homem e mulher na civilização são puramente sociais. E, tão absolutamente definidos, que ficamos perdidos quando não cabemos neles.

Talvez esse seja o motivo para o crescimento da população queer bem como do movimento feminista: tentativas de caber nessa sociedade ainda tão patriarcal e machista. Afinal, não poderíamos ser todos biologicamente homens ou mulheres e termos papéis semelhantes na civilização? Afinal, não deveria ser do interesse de todos que crianças fossem sadias e emocionalmente fortes? Não deveria ser do interesse de todos que a Terra fosse habitada por pessoas menos destrutivas? Afinal, não é do interesse de todos que a civilização humana não seja extinta?

Qual o papel do homem na criação divina?

Por que não falam de paternidade? Por que são sempre as mulheres que estão no holofote da gestação? Como se ela tivesse gerado sozinha o bebê… Como se um milagre divino tivesse colocado esse ser em seu útero. Opa, perdão, fica mais bonito dizer “ventre”, né?

Onde estão os pais dessas crianças? Por que não responsabilizam os pais da mesma forma que responsabilizam as mães? Por que nós, mulheres, costumamos aceitar relacionamentos e concepções com homens que não nos valorizam e acreditar que são todos iguais? Por que eles, os homens, costumam acreditar que o papel de cuidar é nato da mulher? Afinal, quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?

O caos do pacto social

Parece que todos compactuamos com esses papéis do homem e da mulher na sociedade. Todos. Ao assumirmos a “fantasia da onipotência materna” – como diria Maria Rita Kehl em sua coluna da Revista Cult no último mês de maio -, ao optarmos pelo empoderamento – como uma queda de braço entre os sexos -, ao buscarmos outras aparências ou outros rótulos – como se isso mudasse a forma como desejamos ou de como fazemos escolhas amorosas.

Estamos habituados a fazer economias psíquicas, a fugir do que dá mais trabalho, a negar aquilo que não nos convém. Fugimos mais facilmente da concepção, que envolve o cuidar; do cuidado, que requer tempo; da espera, que pede paciência. Temos medo de magoar ou de nos magoarmos e acabamos não conseguindo sustentar as verdades. Deixamos de falar o que deveria ser falado, de acreditar no que poderia ser acreditado. Somos imediatistas e desistimos num piscar de olhos. E assim ficamos: ou presos numa única crença ou saltando de galho em galho, numa busca desesperada pela felicidade. Repito, como se todo extremismo só pudesse ser combatido com outro.

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