
Molduras: os contornos que escolhemos para a vida
Passeando pelas ruas brancas e íngremes de Santorini me deparei com telas expostas, sem molduras nas lojinhas e ao longo dos charmosos becos da cidade. Eram telas azuis como o mar Egeu, como o céu que abraça aquela ilha milenar com dedos de vento.
Ainda que estivessem sem molduras, as telas belas e harmoniosas, se exibiam ao olhar cru e livre dos passantes. Chamavam a atenção pela intensidade das cores e formas. Havia tons sobre tons, pinceladas de luz, composições que falavam mais que palavras. Percebi que algumas ficariam perfeitas em molduras que lhes destacassem o azul que só a Grécia possui.
Fiquei ali parada por alguns instantes, pensando em como, na arte e na vida, as molduras podem ter um papel tão sutil quanto decisivo.
Não sou artista plástica, mas já vi muitos quadros ao longo dos anos. Sei, por experiência e intuição, que uma moldura pode realçar uma obra, dando-lhe presença, foco, elegância, mas também sei que nem a mais luxuosa moldura salva um quadro mal resolvido. A moldura pode ser de ouro! Se a pintura não sustenta o olhar, de nada adianta.
Tipos de Molduras
Há quadros que pedem molduras sóbrias — como as obras clássicas de Caravaggio ou Velázquez. Outras, mais contemporâneas, como as criações vibrantes de Romero Britto, que pedem alegria também nos contornos. Ou seja, a moldura precisa conversar com o conteúdo, entender a vibração da tela.
Da mesma forma, nós, seres em constante transformação, também buscamos — consciente ou não — as molduras que melhor nos encaixam em determinados momentos da vida.
As molduras que a vida nos dá (e as que escolhemos)
As molduras nos moldam, literalmente. Nascemos em uma, crescemos em outra. Aprendemos com os erros, nos arredondamos com os acertos. Conhecemos pessoas, vivemos em cidades, trocamos de casas, de país, de costumes.
Em cada nova fase buscamos molduras que façam sentido com o quadro que estamos nos tornando. É por isso que devemos escolher com cuidado as molduras que colocamos em nós: elas podem diminuir ou ampliar quem somos, dependendo do ângulo.
Quando me casei, precisei de uma nova moldura. Uma vida com outra pessoa, num país estranho, exigia contornos diferentes: mais amplos em alguns pontos, mais estreitos em outros. Com o tempo, percebi que aquela moldura me servia bem. As antigas, as de antes do casamento, as da juventude, não cabiam mais no novo quadro que eu queria expressar.
Entretanto, isso não significa que mudei minha essência. O quadro é o mesmo. Foram apenas retoques, detalhes supérfluos que podem mudar de novo com o passar dos anos.
Somos um pouco assim: quadros que se transformam e que, de tempos em tempos, precisam de novas molduras. A essência permanece. Mas há momentos em que precisamos mudar o entorno, o formato de como nos apresentamos ao mundo. Às vezes, para proteger, outras, para valorizar. Em certos casos, apenas para respirar melhor.
As molduras não servem para viagens
Curiosamente, quando viajo e adquiro quadros ou telas comigo, sempre os trago sem molduras. Elas pesam, são rígidas, ocupam espaço, dificultam o movimento. Prefiro levá-las nuas e escolher com calma, em casa, o contorno certo para as pinturas.
De certo modo, faço o mesmo com a vida, que sempre pede flexibilidade e leveza. Escolher bem o que carregamos faz diferença, bem como saber abrir mão do que já não se encaixa também. Assim como na vida, nossa mala também precisa ser leve, do contrário, dificultará nossa caminhada.
Carregamos muitas molduras ao longo do caminho: títulos, papéis, expectativas alheias, identidades que nem sempre nos cabem. Com o tempo, aprendemos a deixar algumas para trás. Nossa “mala emocional” precisa ser prática, de fácil transporte para ser levada para onde o próximo destino nos chamar.
O quadro permanece
Importante é salientar que as molduras da vida, sejam elas relacionamentos, rótulos, lugares ou estilos de vida, não definem o conteúdo da nossa alma. Elas apenas ressaltam ou atenuam aspectos que, com o tempo, aprendemos a valorizar ou deixar em segundo plano. O quadro somos nós. A moldura, apenas uma fase.
Sim, convém reconhecer que as molduras ressaltam, escondem, ampliam ou limitam, mas nunca definem o valor do quadro. O conteúdo é o que realmente importa. Como acessórias que são, as molduras servem por um tempo. Outras, nunca nos caem bem e ainda há aquelas invisíveis, mas presentes — como os vínculos, as escolhas, os valores.
Como bons apreciadores da vida, talvez o que nos resta seja isso: saber quando é hora de trocar a moldura ou, simplesmente, viver sem uma. Afinal, é importante reconhecer a beleza de uma tela, mesmo quando está nua, azul, exposta ao mundo, como aquelas que vi em Santorini. A moldura é só o que o mundo vê primeiro, mas o valor mesmo, esse vem da tela, vem de nós.
E vocês, meus amores, gostaram da leitura? Agora é com vocês: das molduras que vocês já utilizaram na vida, qual a que mais combinou com vocês? (por exemplo, a de profissional, a de familiar, a de amigo de todas as horas?). Compartilhe comigo também se existe ainda alguma moldura que você gostaria de experimentar.
Fique à vontade para encaminhar essa crônica com alguém que também está repensando os contornos da própria vida.
A moldura familiar, e a que mais combina comigo, com certeza
As molduras da alma são as mais complexas toda hora estamos mudando varia muito de acordo com o estado de espírito, o momento, as pessoas que nos rodeiam em fim … tudo!