O Armário de Catânia

Entre o Etna e um prato de massa, um lembrete sobre o que carregamos na alma:

Estávamos em Catânia, na Itália, num dia de sol ameno, mesmo para o outono. A cidade, antiga e vibrante como tantas outras italianas, repousa aos pés do vulcão Etna, que ainda hoje exala sua força. De vez em quando, os turistas são pegos de surpresa quando ele decide acordar, lembrando que nada é totalmente estável — nem mesmo a terra sob nossos pés.

Era sábado. Na praça central, diante da Catedral de Santa Ágata, a vida fervilhava. Havia turistas e visitantes oriundos nos navios dos cruzeiros, bem como das balsas vindas de várias partes da Europa, famílias com carrinhos de bebê, crianças de faces afogueadas correndo entre os pombos, vendedores apressados e adolescentes em seus patinetes. Um retrato de alegria barulhenta.

Entramos na catedral e, para nossa sorte, uma missa acontecia. O som do órgão preencheu o ar, e por alguns instantes, o tempo pareceu parar.

Passeamos e nos sentamos num barzinho para tomar um aperol, um refresco local. Mesmo no outono, o sol italiano insistia em pulsar forte. Quando a fome apertou, decidimos procurar algo típico da região. Na Itália, é difícil errar quando o assunto é comida, mas queríamos um sabor local, algo que contasse uma história.

Uma trattoria familiar e uma lição para a vida

Pelas vielas estreitas e cheias de restaurantes, encontramos uma trattoria escondida. As trattorias italianas têm um charme único: são simples, familiares, e parecem abraçar quem entra.

O dono nos recebeu com o entusiasmo típico dos italianos: falava alto, gesticulava muito, organizava as mesas enquanto dava ordens e sorrisos. O lugar exalava vida, cheiro de molho, acolhimento e o melhor, impecavelmente limpo.

Fizemos nossos pedidos. Enquanto esperávamos, dois meninos entraram correndo, brincando com uma bola. O homem lhes falou algo (em meio a gestos) e um dos meninos jogou a bola dentro de um pequeno depósito, sem olhar para trás, mas o armário devia estar cheio, porque a porta não fechou. A bola voltou.

Minutos depois, o senhor voltou, viu a cena, suspirou e começou a organizar o depósito: empilhou pacotes, alinhou cabos de vassoura, abriu espaço e, só então, colocou a bola no lugar certo. Fechou a porta com calma e seguiu atendendo os clientes.

E nossos armários invisíveis?

E eu, que acompanhava tudo com o olhar, pensei: quantas vezes fazemos o mesmo com a vida?

Guardamos sentimentos, mágoas, preocupações, tudo em um “quartinho interno”, onde colocamos o que não sabemos resolver. “Depois eu vejo isso”, pensamos, mas o tempo passa, e o armário vai enchendo.

Até que um dia, basta uma palavra atravessada, uma crítica, uma gota a mais e tudo transborda.

Assim como aquele senhor precisou parar no meio do expediente para organizar o depósito, nós também precisamos, de tempos em tempos, parar e arrumar nosso interior. Rever o que vale a pena manter e o que já devia ter sido jogado fora há muito tempo.

O que fazer para que nossos armários não se encontrem abarrotados de coisas que não precisamos?

São pensamentos, problemas, algo que ouvimos e não gostamos, mas deixamos ali, pois talvez seja importante avaliar depois. Situações que não sabemos ou não queremos resolver de imediato e vamos “empurrando com a barriga” ou, simplesmente, deixamos ver como fica por si só. Alguém com uma palavra tira nosso sorriso, rouba nossa paz… são também os problemas de terceiros que nos afetam, pois temos a mania de querer abraçar o mundo com as pernas, um hoje, outro amanhã e isso vai enchendo nosso armário de coisas que guardamos. Como evitar isso?

  1. Defina limites.
    Não é preciso aceitar tudo. Nossa paciência deve servir para conviver, não para se ferir.
  2. Filtre o que te pertence.
    Nem tudo o que dizem sobre você é realmente sobre você. Às vezes, é sobre o outro.
  3. Fale o que sente.
    Engolir emoções pesa mais do que qualquer bagagem de viagem.
  4. Preserve-se.
    Na hora difícil, nem todos ficam. Então, escolha sempre você.
  5. Guarde o que é bom.
    Deixe os elogios, os gestos de carinho, as boas lembranças. Essas merecem espaço.

Essa semana, li que nossa mente guarda insultos por até vinte anos, mas esquece elogios em poucos dias. É o chamado viés da negatividade. Imagine como anda o seu armário depois de tanto tempo acumulando o que não serve mais?

Corpo e alma alimentados na Catânia

Aquele almoço simples em Catânia me ensinou algo valioso: é preciso esvaziar o que pesa para caber o que alegra.

Terminamos a refeição com o coração leve. Agradeci em italiano e voltamos ao navio. No dia seguinte, também na Itália, vi novamente cenas de simplicidade, de família, de gestos cotidianos que, juntos, compõem a arte de viver.

E entendi que talvez seja esse o segredo italiano e também o da vida: organizar o que está cheio, abrir espaço para o novo e continuar brindando o dia, sob o sol de qualquer estação.

E você? Quando foi a última vez que parou para arrumar o “armário” da sua mente?

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