
O encontro com um andarilho.
Estou estes dias no Alasca, um estado americano tido como “selvagem” poistem grande extensão de terra ainda não “explorada” pelos humanos.
Numa cidade chamada Ketchikan, a primeira cidade formada no Alasca, vi um andarilho com uma enorme mochila nas costas. Tenho certeza que ali ele levava sua casa completa: utensílios, roupas, calçados, mantimentos e o que mais se possa imaginar.
Andava com muita desenvoltura, carregando sua bagagem pelas ruas da cidade. Aparentava ter uns quarenta anos. Era alguém que, por opção, decidiu pausar a rotina, sair por aí e explorar o mundo, viver intensamente. 
Escalar montanhas no Alasca não é para qualquer um: trilhas arriscadas, noites ao relento, pradarias frias. A vida do andarilho tem um gosto de adrenalina que fascina e assusta.
O que nos leva a buscar?
Com nossa mentalidade adestrada para ver como “anormal” tudo o que foge da rotina, perguntamo-nos: o que leva alguém a fazer isso? O que o motiva a se arriscar, a se aventurar, a partir sem medo do que pode encontrar?
O andarilho passou concentrado em seu caminho; pela expressão de seu rosto deu para perceber que havia um rumo traçado, uma busca iniciada desde que deixou sua casa. Fiquei na torcida para que conseguisse e voltasse são e salvo, porque nosso mundo não está para brincadeiras.
Um refrão que ecoou em minha mente:
Por coincidência (ou não), num café onde entramos para tomar um chocolate quente, tocava a música do U2 cujo refrão diz: “I still haven’t found what I’m looking for” (eu ainda não encontrei o que procuro).
Decidi escrever sobre isso – O que as pessoas têm buscado? O que as leva a se aventurar tão longe do conhecido? É a adrenalina? A vontade de vencer um grande obstáculo? Ou algo mais profundo?
Felicidade ou propósito?
Na vida, aprendi que não devemos buscar a felicidade como um fim em si e sim, viver com objetivos e propósitos.
Objetivos nos dão uma sensação de bem-estar que se aproxima da felicidade, porque felicidade pura é mutável: conquistamos algo, celebramos, e com o tempo aquele brilho se apaga. Por isso, o que sustenta é o sentido, a direção, não o lampejo efêmero da conquista.
A psicologia da busca
Psicologicamente, há várias camadas nessa questão.
- O impulso do novelty-seeking: a tendência humana de procurar novidades e estímulos fortes.
- A esteira hedonista: quanto mais acumulamos prazeres, menor o retorno de cada novo prazer.
- A questão existencial: o desejo de sentido e pertencimento.
Alguns partem para longe porque querem testar os próprios limites; outros, porque procuram um lugar ou uma experiência que valide quem são.
Saber comemorar as pequenas coisas
Saber comemorar as pequenas coisas é uma prática que nos ancora. Não devemos nutrir um ímpeto de grandiosidade que diga que só seremos realizados com grandes feitos. Não que devamos renunciar aos grandes planos (tê-los é saudável), mas é preciso, num primeiro momento, observar onde estamos e reconhecer os objetivos que nos deram passos até aqui.
Na família, por exemplo, o objetivo pode ser o bem comum: todos estarem bem para que nós também possamos estar. No trabalho, metas e planos de carreira estruturam o caminho, mas se, mesmo depois de agir, nada fizer sentido, talvez seja hora de olhar para o vazio que carregamos.
E se a resposta estiver no vazio?
Sair por aí como andarilho pode ser uma resposta possível – e legítima – para alguns. Para outros, pode ser apenas uma fuga temporária. O importante é que a ação venha de uma escolha consciente: não apenas para escapar, mas para experimentar, integrar e, depois, decidir com mais clareza.
Não devemos esquecer que a verdadeira viagem que nos transforma costuma começar por dentro.
Enfim, se a busca é uma ilusão, é uma ilusão que nos ensina. Se é uma descoberta, revela-nos pedaços de nós mesmos. E, até lá, seguimos procurando, celebrando as pequenas vitórias e respeitando os silêncios que aparecem entre uma trilha e outra.
 
					
Uma brilhante compreensão das buscas que fazemos pela vida.
Sim. Precisamos sempre refletir no que buscamos, minha irmã.
Um abração!
Uma bela reflexão, pra nos fazer refletir
Obrigada, querida amiga.
Um grande abraço!!!
Muito profunda sua crônica. Abre-se para diversas camadas. Essa busca presenta nossa falta. Questões que não se completam em uma existência. Como a angústia de “ser ou não ser” que Shakespeare tão bem retratou em Hamlet. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia”.
Que crônica! <3
Obrigada por seus comentários e leitura, minha querida amiga. Sempre precisos. Sim, se nos for permitidos, vamos pelo menos nos descobrindo para seguir evoluindo como pessoa.
Um beijo, querida.