
Será que existem anjos na terra?
Domingo, na pequena cidade de La Spezia, Itália, pude confirmar que os anjos existem e estão entre nós, humanos.
Era a penúltima parada de um cruzeiro de 15 dias que atravessou o oceano Atlântico e adentrou no Mediterrâneo para a temporada europeia. Tivemos algumas paradas nas Bermudas, Gibaltrar, Cartagena (Espanha) e chegamos à Itália.
Ansiosos para aproveitarmos o dia por nós mesmos, sem precisar ficar o dia dentro de um ônibus de excursão, saímos do porto em direção à uma parada de ônibus. De lá, iríamos até a estação central e pegaríamos um trem para a pequena cidade de Monterosso, que faz parte de Cinque Terre, tido como o “cartão postal do mundo.”
Como já tínhamos visitado La Spezia algumas vezes, sabíamos que bem perto, numa tabacaria, se vendia os bilhetes de passagem. Na Itália, não se pode pagar diretamente ao motorista, como no Brasil.
Uma manhã de domingo
Bem, era “domenica” (domingo) e, como bom país católico que ainda está de luto pela perda do Papa, os estabelecimentos estavam fechados, incluindo a bendita tabacaria. Fazia um pouco de frio e a manhã ainda decidia se mantinha os tons cinzas ou abria o céu de azul.
Desta feita, ficamos como dois patos para lá e para cá, resolvendo se iríamos a pé ou pegaríamos um taxi. Bem no ponto de ônibus, uma senhora de olhos calmos, daqueles que já enfrentaram muitas tempestades e aprenderam a sorrir mesmo assim nos observava. Era baixinha, afrodescendente, imigrante, era o anjo do dia.
Aproximamo-nos e meu marido, que fala italiano muito bem, perguntou se ela conhecia outro lugar para comprar os bilhetes, pois a tabacaria estava fechada. Ela, atenciosamente nos respondeu que talvez no Café ali perto vendesse, mas já foi nos tranquilizando, dizendo que, se fosse necessário, caminharia conosco até a estação de trem, pois não era longe. Eu e meu marido nos entreolhamos, achando a atitude como algo do outro mundo e a seguimos.
Para sorte de todos, no Café se vendia os bilhetes. Compramos para ida e volta e retornamos à parada de ônibus para esperar a linha 3 ou L com destino à estação de trem.
As falantes italianas.
Com pouco tempo, chegaram duas mulheres italianas, falantes, arrastando pesadas malas e com o mesmo problema que o nosso, sem os bilhetes de passagem. Vinham da mesma tabacaria. Não tardou para aquela senhora interagir com elas e dar-lhes as preciosas informações.
Uma delas, a mais eloquente, foi até o Café e voltou brava, xingando, pois o atendente falou que não aceitava cartão de crédito, apenas “contanti” (dinheiro). Ela estava muito aborrecida e ficou explicando a situação para todos, como boa italiana, para que lhe déssemos razão.
Nossa amiga primeira, remexia uma bolsinha Pierre Cardin corroída. Sem nada falar, retirou uma nota de cinco euros e deu para a moça comprar as passagens. Coisas que só anjos fazem.
A moça (e nós também) olhamos sem acreditar e efusivamente a agradeceu, dizendo que não precisava. Enfim, não quis aceitar o pouco dinheiro daquela senhora.
Ela, como um anjo, foi mais insistente e disse, “pois eu vou comprar o bilhete de vocês.” (Cada bilhete custava 1,50 centavos de Euros). Foi ligeirinha ao café e voltou com os dois bilhetes. As moças ficaram deslumbradas com tal ato de bondade e nós também. Agradeceram um pouco envergonhadas, mas gratas, pois não teriam outra forma de resolver o problema. Os ônibus se aproximavam e entretidos em olhar se era o nosso, não percebemos quando aquela bondosa senhora se foi.
Anjos na Terra
Eu pensei comigo mesma: “essa senhora não existe na vida real.” Sim, essa vida em que todo dia se lê notícias ruins, de gente envolvida em corrupção, pirâmides financeiras, todo tipo de crime, praticando maldades de graça com pessoas e animais, fraudes em tudo que se possa imaginar; a última, o roubo aos aposentados em um esquema bilionário. Infelizmente, nosso Brasil tem sido uma verdadeira escola de crimes.
É possível ter uma pessoa desprovida de malícia como essa senhora, que tira o pouco que tem para dar a desconhecidos? Sem pedir nada, sem querer nada em troca, apenas, ajudar?
Não podemos ser ingênuos. As pessoas hoje em dia estão bem mais egoístas e com pouco caráter e se puderem e tiverem oportunidade, enganam sim e ainda saem se vangloriando como aquela música “malandro é malandro e mané é mané.” Infelizmente, é a nossa realidade.
Tal atitude daquela nobre senhora, me encheu o coração de esperanças e, naquele momento, me fez acreditar que a humanidade ainda tem solução.
Os bilhetes premiados
Na cidade das pressas e dos muros invisíveis, aquele gesto abriu uma janela. Eu, cercada de desconfianças, desacreditado da gentileza, fui tocada por algo raro: a delicadeza de um coração que dá, mesmo tendo pouco. Um coração que não contabiliza, que não julga, que simplesmente ajuda. Ações como essas geram beleza ao dia, bem-estar, vontade de ajudar também.
Sim, existem anjos na terra. Não se enganem que eles irão aparecer com vestes brancas e asas nas costas. Não. São pessoas que se destacam por suas atitudes.
São aquelas pessoas que lhe deixa passar na frente de uma fila quando você está apressada e com apenas um pacote na mão, aquelas que cedem o lugar numa fila, pois vê uma pessoa de idade ou uma mãe com uma criança, são aquelas que repartem o pão ou o pouco que têm, como essa senhora; aquelas que resolvem um problema, que lhe devolvem a paz, que trazem um alento, uma palavra amiga para uma mente aflita… As que dão água ao sedento, que protegem os frágeis, que salvam, que cuidam. Pessoas assim nos lembram que a humanidade ainda não se perdeu completamente.
Por fim, meus amigos, anjos na terra não precisam voar. Eles andam entre nós, com passos firmes e olhos atentos. Aparecem quando menos esperamos, revelando que a compaixão ainda resiste e que a esperança não morreu. Eles que trazem a mensagem que a humanidade ainda pulsa, mesmo sob as camadas de egoísmo e indiferença.
E bem ali, naquele ponto de ônibus, próximo à Baía dos Poetas, entre buzinas e silêncios, eu soube: ainda há poesia no mundo, ainda há anjos. Enquanto ainda houverem gestos assim, há esperança.
E você, lembra de alguma intervenção de um anjo em sua vida? Eu adoraria saber!
Tive vários anjos que me ajudaram, depois, falo no seu pv, pois, é um pouco grande a história
Oi, minha querida amiga.
Terei enorme prazer em ouvir suas histórias, sempre inspiradoras.
Beijos!!!
As vezes os anjos surgem qdo menos esperamos… O que mais me tocou foi o que me ajudou qdo estava com meu filho na UTI, no momento mais difícil, o meu socorro veio de onde não esperava, me ensinando tanta coisa… inclusive que eu não devo julgar pelo passado. E meu “anjo” me ajudou com a alta do meu filho da UTI. E pude te-lo nos meus braços um dia antes do que seria… Minha gratidão será p sempre, e minhas orações tbm
Que testemunho lindo, Gabi.
As orações são maneiras nobres de agradecer.
Que Deus abençoe vocês, sempre.
Beijos.
Que bela crônica, querida! Estamos tão descrentes da bondade humana que nos espantamos ao depararmos com “anjos” como essa senhora do seu relato. Sim, eles existem, pessoas gentis, generosas, amáveis, educadas… Que honram o título de “ser humano”.
(*) Quero aqui deixar um registro sobre a imagem escolhida para a crônica. Eu amo esse filme, em especial na sua primeira versão (Alemã) “Asas do Desejo”, que anos mais tarde foi adaptado na versão americana “Cidade dos Anjos”. <3
Olá, minha querida amiga e escritora, Helenita.
Sim. Como dizia a querida Cora Coralina “se podemos crescer com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma.” Eu prefiro a segunda opção, rsrs.
Não sabia da versão do filme em alemão. Vou procurar assistir quando estiver em casa. Obrigada pela dica.
Beijos mil.
Cada crônica dela é tão linda, tão linda que se tivesse um concurso eu ia ter dificuldade de escolher!
Obrigada, minha irmã querida.
Saibas que és minha inspiração. Com sua mente poética, você conseguiu me tirar da vida “preto e branco” e encheu minha imaginação de cores!
É minha dádiva por ser sua irmã.
Beijos!!!!
Adorei. Sinceramente está entre os top 3 das crônicas. Dou muito valor a pessoas que fazem o bem, seja lá o que for, mas guarda suas boas ações no próprio coração, como a senhorinha do bilhete de ônibus. Não suporto reportagem sensacionalista de pessoas que encontram carteira cheia de dinheiro e vai aparecer na televisão por isso, lembro bem quando tinha 13 anos e na escola encontrei uma carteira cheia de dólares, na época nem sabia o q era ou quanto valia, mas a carteira só podia ser de uma pessoa, o americano que fazia o 1° ano do ensino médio e estava de intercâmbio. Fui a sala dele e entreguei, virei motivo de piada, mas foda-se o achismo alheio, o que não é meu, NÃO é meu. Pratico boas ações, mas sinceramente não gosto quando me chamam de anjo. Sou um mero mortal, praticar boas ações deveria ser regra, só acho.
Boa noite, meu querido amigo Pablo.
Você está corretíssimo. Infelizmente, fazer o que é certo hoje virou exceção, quando deveria ser a regra.
Ainda bem que no mundo ainda existem pessoas como você. O meu pedido de amiga: não mude! Você está 100% correto.
Um grande abraço e obrigada pela sua companhia de sempre.
Very, very good!
Thanks, my dear friend!!!
Kisses!!!