
O tour pelo teatro
Outro dia visitamos o interior do teatro do navio em que estamos. Fomos ciceroneados por dois casais de artistas que interpretam diferentes papeis nas peças e espetáculos do navio. Eles também são cantores. São como aqueles artistas da Broadway que cantam, dançam e atuam, que precisam ser completos.
Os bastidores do teatro me impressionaram: tudo muito moderno, cheio de tecnologia e cheirando a novo. Entretanto, com pouco espaço na coxia para a troca de figurinos, fazer make e demais coisas que artistas fazem para desempenharem seus papeis à contento.
Esse “tour” me chamou a atenção e, por mais que eu ame cinema, teatro e televisão, vi que ser um artista como eles, que interpretam vários personagens, fingem emoções com tamanha rapidez é algo que eu não conseguiria fazer.
O dia passou e me peguei refletindo e acabei “mordendo a língua,” pois entendi que na vida, mesmo sem querer, desempenhamos diversos papéis.
O teatro da vida e seus muitos papéis
No dia a dia, temos diversos papéis a desempenhar: o de pais, o de filhos, o de profissionais, o de amigos, de irmãos, de companheiros, de cidadãos com suas muitas obrigações sociais. São muitos e por vezes, desempenhamos mais de um ao mesmo tempo.
Entretanto, há dias em que acordamos sem nome, apenas uma sombra daquilo que fomos ou fingimos ser. Nesses dias — perigosos, lentos — o silêncio pesa mais. Como se a alma, enfim despida de seus papéis, sussurrasse: e se eu for só isso?
Ser só eu — sem os filhos que me chamam, sem o companheiro (a) que me espera, sem o crachá que me define, sem o cliente esperando, sem a pessoa que ainda tenta agradar. Ser só eu, como seria?
Porque talvez, no fundo, exista um medo triste de ser apenas essa pessoa que chora escondido no banheiro, que já esqueceu o som da própria risada, que anda recolhendo os pedaços de si deixados pelo caminho, em noites mal dormidas, em metas batidas, em promessas feitas aos outros, e quase nunca a si mesmo.
Então, nos vestimos apressados, com os rótulos diversos que o mundo nos deu, como aqueles artistas do teatro, que representam um papel diferente a cada espetáculo: ser mãe, ser esposa, ser profissional, ser amiga, ser exemplo. Enfim, ser qualquer coisa que não nos force a olhar para dentro.
É que, sem perceber, parece que preferimos ser ocupados demais para não termos tempo de nos despir dos muitos papeis e olhar nosso rosto, sem maquiagem, sem cabelo arrumado, sem disfarces, apenas nós mesmos. Porque olhar para dentro, de verdade, é lembrar da criança que sonhava sem precisar se justificar e admitir que ela ainda está ali, esquecida num canto da memória, pedindo, baixinho, para existir de novo.
Então seguimos, fiéis mais aos nossos papéis que a nós mesmos. Firmes, inteiros, funcionais, com um certo orgulho até, pois ser nós mesmos, sem disfarces, ah, isso… isso seria muito difícil.
Quem escolhe nossos papéis?
Sempre acreditei que temos o poder de escolher que papeis queremos representar diante das opções que temos. É bem verdade que essas “opções” são bem diferentes de pessoa para pessoa. Não quero trazer um debate filosófico sobre a divisão de classes, quem nasce em berço de ouro e quem nasce em manjedoura, apenas dizer que temos sim uma margem de escolha sobre o que queremos e podemos ser.
Em síntese, na vida, teremos muitos papeis a desempenhar e, como as peças que têm atos, também trocamos os papeis de acordo com as fases da vida. Vamos abandonando e adquirindo outros, conforme o desenrolar do drama que vivenciamos.
E, quer saber, tem uns papeis que adoramos. Eu, no momento, estou curtindo bastante o de escritora, de viajante, de pessoa faminta pela vida.
Amanhã, o que será que o teatro da vida tem reservado para mim? Não sei. Mas como esses artistas do mar que estão num país hoje e em outro amanhã, a solução é encarar tudo como uma grande peça, porém, sem esperar rumorosos aplausos. Claro que eles existem, uns são mais silenciosos, outros mais acalorados, afinal sempre tem alguém observando.
Ato final
O rumo da vida nos conduz ao nosso ato final, queiramos ou não. Eu gosto de me lembrar desse “pequeno detalhe” para valorizar ainda mais cada dia que recebo, como um presente dado por Deus.
Enfim, é o que se espera de nós: que ao final do dia, depois de retirarmos todas as camadas necessárias aos papeis do hoje, possamos nos encarar no espelho (e não precisa ser aquele imenso, cheio de luzes que vi no teatro) e aplaudir a si mesmo, pois bem ou mal, você fez o que podia. E se isso fez alguma diferença positiva na vida das pessoas, melhor ainda. Os aplausos são mais que merecidos!
Agora me fale de você: Que papel você acha mais difícil desempenhar no palco da vida?
O papel mais difícil é ser mãe, e agora sou filha e mãe de meu pai, o cuidado aumenta, pois, a idade chega e com isso as preocupações aumentam