O que querem de mim?!

Che vuoi?

Jacques Lacan, a partir da obra ‘O Diabo Enamorado’ de Jacques Cazotte, traz a ideia de “Che vuoi?”, do italiano “que queres?”, tão fundamental à prática psicanalítica. A passagem do artigo ‘Lacan e a negatividade do desejo‘, do Periódico Psicologia USP, a seguir, desenvolve essa ideia:

Na medida em que requisita do Outro uma resposta, o homem faz do seu desejo o desejo dessa alteridade a quem ele se endereça:

“é muito simplesmente… como desejo do Outro que o desejo do homem ganha forma” (Lacan, 1960/1998, p. 828) – ainda que essa forma seja aquela interrogativa do “que queres tu de mim?”. Por meio dessa pergunta endereçada ao Outro, o sujeito procura certificar-se da existência de um sentido derradeiro naquilo que comparece em sua experiência…

Que desejo é esse?

Quando se fala que a Psicanálise busca o desejo do sujeito, a questão é entender do que trata esse desejo, qual é a sua origem. Afinal, quero de fato o que quero ou quero o que querem de mim?

Sendo indivíduos dentro de uma civilização, ou seja, de uma agregação organizada de pessoas, somos constantemente estimulados a responder a demandas: do ser bom, do ser esperto, do ter e ter cada vez mais. Por isso, quando estamos solteiros, questionam-nos sobre os namorados; quando estamos namorando, querem saber quando vamos casar; quando casamos, perguntam pelo primeiro filho e assim por diante.

Não temos nem damos sossego. Precisamos de entretenimento, de novidades e parece que nunca nada será suficiente. O que eu faço não é suficiente. Nem o que o outro faz. Então, nos intrometemos, fazemos questão de dar dicas, conselhos, mesmo que não tenham sido requisitados. O que é engraçado de pensar, afinal, se o que temos nunca é suficiente, por que nos achamos capazes de dar pitaco na vida dos outros?

Prenda-me, se for capaz!

No livro ‘Para ser inesquecível’, abordo a questão do controle que os pais tendem a querer exercer sobre a vida dos seus filhos, inclusive, para além da fase adulta. Talvez, numa intenção aparente de “facilitar” as suas vidas, mas por um caminho que, tantas vezes, sequer foi experimentado. Ou que foi, mas que, no fim das contas, tratava-se apenas de algo que queriam de mim. E, ainda, em épocas, ambientes, entre pessoas e situações completamente diferentes.

Passei a primeira fase da minha vida fugindo das demandas da minha mãe e hoje me encontro fugindo das demandas dos meus amigos e conhecidos. Eles nunca parecem satisfeitos com a minha vida. Quando falo que estou atendendo, perguntam-me quantos analisantes tenho. Quando falo que estou dando aulas de yoga, questionam quanto me pagam por aluno. E mesmo que eu não faça qualquer inferência sobre o assunto, querem saber tudo sobre o bebê e a maternidade: “já comprou as coisinhas?”, “vai ser parto natural ou cesárea?”, “você vai amamentar?”. Eu sequer havia pensado sobre isso… E, sem me perguntarem o que penso, falam por mim, de acordo com as suas perspectivas, que são provenientes de suas próprias experiências.

Supondo estar no meu lugar…

Acho engraçado como falam que “vai dar certo”, “você pode investir em marketing para conseguir mais clientes”, “logo, você poderá aumentar o valor da sua hora”, “você não vai ter tempo quando o bebê nascer”. Mas ninguém me pergunta se eu quero ter mais clientes ou se quero cobrar mais. Não me perguntam sobre como estou me organizando para lidar com o bebê. Não vêm que as coisas já estão dando “certo”. Afinal, o que querem de mim?!

Trata-se sempre de uma suposição insatisfeita. O que condiz perfeitamente com a condição humana e a sua falta-a-ser (do francês, manque-à-être). Essa falta que nunca para em nós, que vai além. Vai para os amigos, vizinhos, familiares. Supomos a falta no outro para podermos normalizar a falta em nós mesmos. E, sem nos darmos conta, acabamos contribuindo para a geração de ansiedade e depressão que engolem esta nação.

Um presente que nunca se basta e um futuro sempre supervalorizado, mas que, ao mesmo tempo, começa a ser cancelado. Ou seja, um verdadeiro caos.

Colocam-se no meu lugar, mas, insisto, fiquem nos seus. Cada um com a sua balbúrdia que lhe é própria.

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