Excessos, efeito dopamina e polaridades

Mudanças e excessos

Já há algum tempo que lidamos com as transformações do mercado, a globalização, o consumo desenfreado de telas e de seus produtos patrocinados, inclusive, muitas vezes, a preço de banana. As facilidades com que praticamente tudo nos chega hoje contribuem com os excessos: mais tempo de tela, maior consumo de produtos, inclusive, de alimentos ultraprocessados – que são mais fáceis de serem consumidos e, tantas vezes, mais baratos do que os crus -, maior procura por mudanças e pelo enriquecimento para poder bancar essas mudanças. Por consequência, maior a ânsia pelo que não existe – uma necessidade de que o futuro se faça presente de forma imediata -, e, portanto, maior a frustração e a tristeza pelo que ainda não se concretizou.

Compulsão à repetição

Alimentos ultraprocessados são ricos em gordura e açúcar, elementos que aumentam a liberação de dopamina no corpo:

Alimentos ricos em gordura e açúcar podem aumentar a dopamina no corpo estriado em até 200% acima dos níveis normais – um aumento semelhante ao observado com nicotina e álcool, os dois vícios mais comuns nos EUA.

Ao contrário do que se pensa, “a dopamina não aumenta o prazer”, ela nos faz repetir um comportamento prazeroso, como diria Freud, uma compulsão à repetição. E, de forma similar aos ultraprocessados, o ato de fazer compras também é um liberador de considerável dose desse hormônio. Por isso a usual compulsão às compras. Especialmente em tempos de atividades online e com acesso a produtos tão diversificados e de baixo custo.

Norte-americanos e as tendências para o Brasil

Para se ter uma ideia, em 2017, os norte-americanos gastaram 240 bilhões de dólares em bens de consumo como joias, relógios, malas, livros e celulares bem como em itens de beleza – loções e maquiagens. Duas vezes mais do que em 2002, apesar de a população ter crescido apenas 13% nesse período. Em 2020, eles estavam gastando 20% a mais em roupas em relação ao ano 2000. Há cinco anos, o americano médio já comprava 66 peças de vestuário por ano!

Além disso, apesar das políticas cada vez mais flexíveis, a devolução de produtos se tornou um aborrecimento ou, mais precisamente, uma perda de tempo. Assim, tendo em vista os baixos preços dos produtos no mercado online, devolvê-los acaba não sendo mais uma opção. Uma pesquisa nos Estados Unidos apontou que nove em cada dez compradores nunca ou raramente fazem devolução de produtos adquiridos virtualmente. E, afinal, para onde vão os produtos não utilizados?

Tornam-se obsoletos nas casas das pessoas…

A metragem média das casas nos EUA aumentou 23% nas duas ultimas décadas, enquanto que o número de armazéns para pessoa física duplicou.

Ou são destinados a aterros sanitários…

O americano médio joga fora cerca de 37 kg de roupas e tecidos por ano, aproximadamente cinco vezes mais do que em 1980.

Polaridades frutos dos excessos

Mais, cada vez mais. Casas maiores para comportar os acumuladores e aterros cada vez mais abarrotados ou localizados em lugares críticos. Vícios cada vez mais acessíveis. Um misto de facilidade para se obter objetos e de dificuldade para se sentir satisfação duradoura, sem interferências externas. Assim, facilmente, polarizamos entre ansiedade e depressão. Então, aproveito para questionar o número de diagnósticos de bipolaridade em ascensão nos últimos anos.

Em 2013, Dr. Drauzio Varella publicou um artigo sobre o transtorno bipolar, dizendo o seguinte:

O diagnóstico do transtorno bipolar é clínico, baseado no levantamento da história e no relato dos sintomas pelo próprio paciente ou por um amigo ou familiar. Em geral, ele leva mais de dez anos para ser concluído, porque os sinais podem ser confundidos com os de doenças como esquizofrenia, depressão maior, síndrome do pânico, distúrbios da ansiedade. Daí a importância de estabelecer o diagnóstico diferencial antes de propor qualquer medida terapêutica.

Mesmo porque as medicações podem confundir ainda mais os sintomas. No entanto, infelizmente, é isso que acontece tão comumente hoje, que os diagnósticos sejam feitos de forma tão superficial, ao ponto de um analisando relatar que, ao chegar ao consultório do psiquiatra pela primeira vez e sem fazer nenhuma inferência ao assunto, foi perguntado: “você é bipolar?”. Então, sigo me questionando: até que ponto os médicos pretendem otimizar o seu tempo? A ponto de abandonar a sua ética profissional, ao deixar os seus pacientes na saída ainda mais vulneráveis do que na entrada?

Há excessos por toda parte. Alguém cederá?

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