Explorações em universos interiores
Desde cedo, Leo demonstrava uma incrível capacidade de encontrar maneiras de ganhar dinheiro. Ele recolhia cascos de garrafas nas casas de parentes e amigos da família, vendendo-os em seguida. Também juntava jornais e papéis para negociar por quilo. Além disso, seu talento manual, aprendido na escola profissionalizante onde estudava, permitia-lhe fabricar pequenos brinquedos. Confeccionava animais e insetos de madeira e papelão, explorando um universo interior como num mosaico de sonhos e realidades.
As habilidades a serviço da criatividade
No Mercado Municipal, Leo encontrava peças para montar veículos, como cabines, caçambas e pneus, que ele usava para criar caminhões vendidos aos amigos do bairro. Além disso, fabricava periscópios utilizando canos de papelão recolhidos nas sobras das lojas de tecidos. Com engenhosidade, encaixava dois canos com janelas em lados opostos e espelhos fixados à frente das mesmas, em ângulos de 45 graus. Deste modo, através desse jogo de reflexos, quem olhava por uma janela podia ver as imagens na frente da outra.
Grande parte do que ganhava era gasto com revistas em quadrinhos e livros usados, cultivando assim seu amor pela leitura e conhecimento.
O mergulho em concepções extraordinárias
Leo adorava histórias de ficção científica, fantasia e aventura. Chegou a ler muitos das mais de 250 publicações de uma editora portuguesa, Edições Europa América. Desde modo, muitas dessas histórias o impactaram profundamente, influenciando a sua imaginação na criação dos mundos onde ele por muitos anos habitou. Inclusive, a criação da Arca de Noé do Conhecimento Humano veio a luz sob a influência deles, assim como sua atração pelas máquinas e, posteriormente, pela informática. Com efeito, Leo conheceu escritores, mundos e concepções de realidade incomuns. Alguns dos livros que o marcaram profundamente versavam sobre poderes psíquicos e encontros com seres alienígenas. Assim como relações humanas complexas envolvendo caracteres peculiares.
Ajustando o universo à mentalidade vulgar
Disso tratava Um Estranho numa Terra Estranha, do Robert A. Heinlein, sobre um humano criado por marcianos que, trazido à Terra, parecia apenas um bebe, num corpo adulto. No entanto, seus poderes psíquicos lhe permitem diminuir os batimentos cardíacos e a respiração, entrando num estado de quase morte, mas de intensa lucidez e abrangência de percepção. Ele também conseguia analisar cenas e pessoas com o tempo praticamente parado. Tinha a habilidade de “grocar” outros seres, penetrando nas profundezas de suas mentes e conhecendo como era ser a totalidade daquele sobre a mira de sua prospecção. Igualmente podia desintegrar pessoas e coisas.
A água para ele era sagrada e, em sua educação, oferecer água representava um ato de máxima oferta e aceitação. O nomearam Smith e, posteriormente, Mike. Ele viajou extensivamente, grocando povos e culturas. Identificou os motivadores que influenciavam comportamentos de praticamente todos os grupos sociais do planeta. Entre eles, dois se salientaram à sua sensibilidade: sexo e religião.
Convergência harmônica de desejos e intenções
Posteriormente criou uma religião onde treinava seus seguidores na habilidade de grocar. Os cultos se realizavam em grandes anfiteatros fechados onde todos os presentes grocavam um único casal no ato sexual. O êxtase coletivo provocado por essa comunhão despertava sentimentos de satisfação profunda e compreensões incomensuráveis. Além da desidentificação do sexo como algo pecaminoso. Pelo contrário, vivenciavam-no como uma comunhão da mais elevada vibração. Aliás, Mike também introduziu o conceito, inicialmente considerado blasfemo, quando se referia a outra pessoa como “Tu és Deus!”
Altruísmo e martírio
No entanto, o conjunto das forças que possuíam poderes decisórios se sentiu ameaçado por essa libertação e as perseguições se tornaram implacáveis. Quanto mais aumentava o número de seus seguidores, mais Mike era criminalizado. E quanto mais isso acontecia, mais seus ensinamentos se espalhavam, liberando poderes notáveis em quem os praticava. No final ele compreendeu que seria necessário um sacrifício para que os seus preceitos se impusessem pelo seu próprio valor, sem a interferência do culto à sua presença.
Tudo foi preparado como para um espetáculo transmitido a nível planetário, onde ele foi executado sumariamente, enquanto sorria e proferia mensagens de amor. A partir desse evento, a popularização de sua doutrina se espalhou maciçamente, tornando-se praticamente a religião oficial de todos os povos. No entanto, liberto da fisicalidade, Mike estava sempre presente, em contato com aqueles que abraçaram as práticas que ele ensinou.
Validando poderes pessoais
Vale salientar que a história como é contada aqui pode parecer grosseira, em relação ao texto original. Esse livro, expandiu o conhecimento de Leo sobre os comportamentos humanos mais do que qualquer outra informação técnica que ele conhecera até aquele momento.
Leo se identificou vivamente com o personagem principal. Constatou que alguns estágios de sua trajetória possuíam similaridades com o aprendizado de Mike e sua ambientação às normas sociais terrenas. Assim também, sua percepção dos outros seres, a transparência que ele observava, através da linguagem do corpo, das expressões e das emanações que se propagavam e o atingiam de forma tão acentuada.
Sondagem nas profundezas do ser
Na sua solidão, ele emulava tudo que absorvera. Nesse processo, em uma das suas caminhadas solitárias pelas praias encontrou com Meru, um ser translúcido e polimorfo, com quem desenvolveu uma relação simbiótica, já referida no texto Pelas Areias da Imaginação. Através dele, numa fase em que penetrava no mundo corporativo, Leo grocou todas as pessoas com quem se relacionou.
Da mesma forma, outras histórias que entraram em sua vida através dos livros tiveram muitos dos seus elementos incorporados. Hábitos, estratégias, formas de perceber a realidade, de mudar ângulos de percepção. Era como ser habitante de um imenso castelo com uma infinidade de janelas através das quais a realidade podia ser vista sob muitos ângulos, parâmetros, molduras e, no topo a visão ampla de todo o contexto.
Proteção contra desavenças
Nas tramas de espionagem ele aprendeu várias técnicas, principalmente após a inquisição que destruiu seu maior tesouro: seus livros. Numa velha e volumosa gramática portuguesa, ele cortou as páginas a partir do meio. Num laborioso esforço, usando lâminas de barbear, escavou um buraco retangular. Colou as páginas a partir dali, transformando-as num recipiente duro, como uma caixa, onde colocava o que estava lendo. Quando algum familiar se aproximava, ele cobria o buraco com as páginas que ficaram soltas, dissimulando, se protegendo.
Os livros tornaram-se seus melhores amigos, cúmplices, conselheiros e mestres. Nas páginas de seus diários, anotava palavras, significados, conceitos, ideias e estratégias. Registrava todas as fórmulas descritas por Julio Verne em suas aventuras literárias, bem como as sensações e sentimentos detalhados. As profundas elucubrações dos personagens de Dostoiévski, mergulhando nos abismos da alma humana, fascinavam-no, misturando-se ao seu Mosaico de Sonhos e Realidades.
A expressão mais pura e refinada
As reflexões de Balzac sobre a frivolidade, vaidade, indiferença e a crueldade resultante também ocupavam suas anotações. Leo se envolvia nos dilemas dos protagonistas de Stendhal e nas artimanhas para driblar regras sociais ou apenas sobreviver, como expostas nos manuais de Torquato Accetto em A Arte da Dissimulação Honesta e de Baltasar Gracián em A Arte da Prudência. Ele absorvia as percepções delicadas de almas sensíveis e poéticas em sociedades repressoras, como em Confissões de uma Máscara de Yukio Mishima, e a exposição lúcida e detalhada de José Ingenieros em O Homem Medíocre.
Espíritos iluminados doando sabedoria
A consciência expandida e a descrição primorosa de seres complexos e excepcionais, como em Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar, encontravam eco em sua própria busca por significado. Leo tinha predileção por contextos onde os conflitos emocionais exploravam as nuances mais profundas das relações humanas. São tantos escritores fantásticos e enredos emocionantes! Leo se comovia ao lembrar de todas as vidas que explorou, todo amor que experimentou, todo sofrimento e êxtase que vivenciou através desses autores fabulosos.
Ângulos de abrangência
A mente de Leo transborda de referências, compreensões, ideias, acontecimentos, informações que circulam, se tocam, se multiplicam em palavras, imagens, cenas, emoções. Ele desenvolveu técnicas para afastar-se, flutuar para um ângulo de observação sem envolvimentos, desapegado.
Tendo passado a maior parte da sua vida sozinho, em realidades imaginadas ou explorando os múltiplos universos da literatura, ele pensava sobre si com tendo um pé no chão e outro no ar. Recentemente ele aterrissou por completo. Segue usando as muitas técnicas que desenvolveu para desbravar mais territórios, ampliando sua experiência de forma contínua e persistente. Ele se sente como um instrumento cujas cordas sensíveis são tocadas pelas mãos de Deus, e cuja música tem a marca de sua essência.
Desvendando o porvir
E agora, com os pés firmemente ancorados na terra e o espírito livre para alçar voos, ele avança sem medo. Cada nova jornada é uma sinfonia de descobertas, cada passo uma nota vibrante na melodia de sua existência. As técnicas que ele aperfeiçoou ao longo dos anos são como estrelas guias, iluminando o caminho por onde passa. Seu coração, se afinando com a harmonia do universo, ressoa em consonância com as notas tocadas pela mão da providência. Ele se move com a certeza serena de quem sabe que sua vida, deixará um eco eterno, fruto de sua busca por sabedoria e beleza.
Manoel Queiroz