Relatos sob apelos e curiosidade
Habituado a catalogar os seus estados internos, Leo acumulou uma longa lista de manifestações em fases distintas. Ele partiu da vitimização, onde a autocomiseração era constante, passando pela revolta até, finalmente, chegar a assumir pelo menos uma parte da responsabilidade por tudo que lhe acontecia. Posteriormente, numa fase mais madura, ele olhava para os seus diários e impressionava com a profundidade com que se dilacerava por dentro. Mal sabia que o encontro de Eros com Afrodite estava próximo. Também reconheceu que toda energia dispensada naquelas emoções criaram uma aura vibratória que atraia algozes.
A consciência gerando o ovo do cisne
No começo da adolescência, a ideia que ele fazia de si mesmo era das piores. Ele carregava uma coleção de complexos que lentamente trabalhou, modificando seus estados de consciência e, portanto, suas atitudes diante dos acontecimentos. Mas durante muito tempo ele guardava as emoções, as implodia, causando efeitos inibitórios, repressivos.
Com a chegada do amor em sua vida, ele recebeu um impulso ascendente, e o seu valor aumentou aos seus próprios olhos. Após o afastamento súbito dessa fonte de inspiração, ele atravessou uma longa noite escura da alma. Se achava feio, desajeitado, colecionava imperfeições para justificar a rejeição que sentia por si mesmo. Dessa maneira, sua iniciação no mundo do sexo foi tardia, para uma pessoa de sua geração. Leo tinha 17 anos quando teve sua primeira experiência.
O conflito produzindo faíscas de luz
Ao se aprofundar no conhecimento da psique humana, consequentemente, de si mesmo, ele separou tudo que podia ser usado na sua evolução e lentamente foi se desfazendo dos excessos, dos melodramas, do lixo. Apesar dos seus antagonistas internos constantemente reviverem traumas, trazendo a tona emoções estagnadas, em contrapartida, sendo mestre na arte de imaginar cenários, acontecimentos e emoções agradáveis, ele constantemente magnetizava respostas da vida que o envolviam numa aura de encantamento.
O chamado do claustro e da abnegação
Ele assistira a um filme sobre a vida de São Francisco de Assis que o havia tocado imensamente. Como sua família tinha ligações com os franciscanos, ele decidiu que entraria na ordem. Sua mente vagou em cenários idílicos de mosteiros, visões de si mesmo cantando em missas matinais e participando da disciplina rígida que incorporava o celibato, ou seja, abstinência sexual.
Por ironia do destino, nesta mesma noite encontrou com um colega de escola, um pouco mais velho, acompanhado de duas garotas. Ele o convidou para acompanha-los num passeio de carro. Inicialmente ele rejeitou a proposta. Mas devido a insistência, principalmente das garotas, que falavam em inglês, ele aceitou. Eles haviam saído de um mercado onde compraram garrafas de sidra.
O erotismo brotando da santidade
Logo que entraram no veículo, começaram a beber. Leo se sentia estranho pela proximidade, pelos toques mas, após alguns goles, começou a se soltar rindo de qualquer bobagem. Ali mesmo começaram o jogos preliminares. Sua inexperiência, apesar de ser motivo de zombaria por parte do amigo, tornou-se um atrativo extra para as garotas, ambas americanas, e elas queriam toca-lo. Internamente Leo se debatia entre as sensações recém-despertadas e a memória da outra garota, a quem jurara amor eterno. A acontecimento se configurava como O encontro de Eros com Adrodite.
A folia dos espíritos na dança da carne
Chegaram numa casa à beira mar. A praia estava vazia e, com exceção de algumas lâmpadas baças em postes inclinados pelo vento e pela areia, tudo era escuridão. Ao entraram, ele ficou surpreso com o tamanho da casa, cujo mobiliário estava coberto por uma fina camada de pó. Em seguida, ele ficou sozinho com uma das garotas na sala, enquanto os outros desapareceram casa a dentro.
Ela foi extremamente meiga e praticamente o ensinou tudo que ele deveria fazer, guiando-o com desenvoltura. O despertar de prazeres tão intensos o deixaram extasiado e, subitamente, algo tomou posse dele. Tornou-se poderoso e, mesmo que desajeitado, aprendeu rápido e usufruiu de um êxtase que marcou profundamente a sua vida. Ela ria, se deliciava, desfrutando do poder que parecia exercer sobre ele.
Amor sacer et profanus amor
No fundo da sua mente, sob as camadas do álcool, as imagens líricas que ele idealizara para esse mesmo ato, com o fruto do seu amor, flutuavam e ele se imaginava com ela. Apesar de ser a sua primeira vez, ele queria que durasse. Quanto mais tempo melhor. Algumas imagens eróticas de livros vieram a sua mente, aumentando a sua excitação. Agora ele compreendia e assimilava o que era ser homem, macho, masculino e toda uma herança ancestral o possuiu. Ao rosto e corpo da moça, ele sobrepunha a outra, e a beijava com ardor. Aquilo foi grandioso, para ele, fenomenal. Eles sorriam, suados, felizes. Muito longe Leo ouvia se distanciando os sinos do mosteiro há pouco sonhados.
Sinos anunciando prazeres indizíveis
Sentiu frio e percebeu que algumas janelas estavam abertas. Assim mesmo, prosseguiram. Quando finalmente atingiram o ápice, perceberam que tinham tido plateia. O outro casal os estivera assistindo e repetiam o gozo que já haviam sentido.
Nessa noite, Leo dormiu em sua pequena casa, não muito longe daquela onde estiveram. Ao ficar sozinho seu corpo vibrava com intensidade e uma mistura de exultação e culpa se debatia dentro dele. Por um lado seus algozes internos o acusavam de ter traído o seu amor, cuja aura de pureza e castidade se desvanecia. Por outro as emoções cruas que vivenciara há pouco despertaram dentro dele sensações paradisíacas que o inundavam. Ele sentia uma felicidade de vitória. Algo primitivo e visceral percorria seu corpo. Gratidão era a tradução mais precisa daquilo que finalmente se instalou em seu ser. Como se águas muito puras sobreviessem sobre torvelinhos os acalmando numa sensação de completude e paz.
A fixação em deleites monógamos
O grupo ainda se encontrou algumas vezes até a partida das moças, no término das férias. A vida de Leo tomou outro sentido e com a entrada na universidade, com seu primeiro emprego, suas viagens e conquistas assumiu dimensões antes nunca sonhadas.
As terapias o ajudaram a se sentir a vontade com seu corpo, a usufruir com naturalidade a satisfação que ele podia lhe proporcionar. E, apesar de ser propenso a solidão e arredio a envolvimentos de convivência íntima, se saia bastante bem nas interações puramente físicas. Se apegava ao prazer. Queria repeti-lo constantemente, com a mesma parceira, o que criava uma aura de relacionamento, do qual ele fugia. As suas mudanças de cidades contribuíram para sustentar a sua solidão. Eventualmente Leo encontrou amantes maduras, com quem podia se relacionar sem cobranças, sem compromissos formais.
Apesar do seu temor, da guilhotina, do castelo na ilha, do fosso com jacarés, da ponte levadiça e do dragão de 3 cabeças, o amor penetrou por suas defesas e se instalou em seu coração, vitorioso.
A constatação de desdobramentos infindáveis
Ao olhar para trás, Leo vê todas as fases de sua vida se desdobrarem como páginas de um livro de autodescoberta. A rejeição e o conflito interno que um dia dominaram seu ser agora são sombras distantes, transformadas pela luz da aceitação e do amor próprio. Em paz com seu corpo e suas emoções, ele navega pela vida com um coração aberto, aceitando cada momento de felicidade com gratidão e júbilo.
A fascinante aventura de viver
A satisfação preenche sua alma ao perceber o quanto evoluiu, mas ainda sente que sua jornada está longe de ser concluída. A magia da vida continua a sussurrar convites para novas aventuras, para experiências que prometem expandir ainda mais sua compreensão da grandeza da existência. Ele sabe que cada passo adiante não é apenas um movimento no tempo, mas uma dança com o universo, um abraço com o desconhecido.
E assim, com o espírito em comunhão com a vastidão do cosmos, Leo segue em frente. Sempre aberto ao novo, sempre pronto para evoluir, sabendo que cada capítulo de sua história é uma oportunidade para crescer, amar e ser extraordinário.
Curitiba, 05 de novembro de 2024
Manoel Queiroz