Vestígios

Vestígios de minha estadia em casa

Essa semana, quando varria o apartamento, deparei-me com diversos vestígios meus espalhados pelos cômodos. Eram fios de cabelos por toda parte, anéis, que costumo retirar na cozinha para lavar a louça e deixar num cantinho para pegar depois, itens de maquiagem na bancada da pia do quarto de hóspedes – pois fica só para mim – e meus minúsculos fones de ouvido na mesa da sala.

Vestígios de minha presença, de que eu estive ali. Uns, que nem percebo, como meus cabelos que caem como folhas de outonos por todo lugar. Outros, como minhas chaves, que deixo estrategicamente visíveis para eu pegar sempre preciso sair. Enfim, vestígios.

Continuei minha varredura rindo comigo mesma, pois me vieram à mente as aulas de Direito Penal sobre vestígios que, segundo um doutrinador famoso, poderiam ser objetos, sinais, rastros, marcas, substâncias ou elementos. Pelo jeito, se eu cometesse um crime, seria facilmente pega, pois sou ciente que por onde passo, deixo pistas. E quem não os deixa?

Nossos vestígios

Como seres de ação, sempre estaremos produzindo vestígios, seja de forma voluntária ou não.

Segundo as lembranças das aulas de Direito, nossos vestígios podem ser perceptíveis, como os que citei ou latentes (ocultos) que precisam de alguma técnica para serem revelados.

Trazendo tais ensinamentos para a vida cotidiana, imagine uma pessoa “normal” que ninguém desconfia que ela tem vestígios decorrente de traumas. Entretanto, quando ela se depara com algum gatilho que recorde o que passou, irá demonstrá-los de alguma forma.

Vestígios que deixamos por aí.

Assim como no Direito, nossos vestígios são nossa marca, sinal, nossas coisas ou algo ou que mostre que estivemos presentes. O que somos e o que fazemos de maneira que alguém possa nos identificar.

Vale salientar que nem sempre nossos vestígios serão agradáveis. Uma vez um ex-namorado me disse não gostava de meu jeito prático de ser, mas que tinha aprendido algo: fazer o que precisava ser feito, sem adiar ou esperar que a solução caia do céu.

Meus colegas de trabalho reconheciam meu “modus operandi” de resolver as coisas, de forma fria, sem embromação. Uns gostavam, outros não. Eles costumavam dizer “Isso é a cara de Veridiana” – em relação a algo que sinalizava minhas atitudes.

Vestígios personalíssimos

Ao longo da vida carregamos vestígios de nossas dores, de amores, de nossas vitórias, dos desafios que enfrentamos, de nossas perdas, das experiências que tivemos (o que chamamos de aprendizados), das pessoas que convivem/conviveram conosco e que admiramos, enfim, de tudo que passamos e causou impacto em nós. Essas marcas nos acompanham para sempre.

Temos ainda vestígios das pessoas que vieram antes de nós. Carregamos alguns de nossos pais, além das características físicas: eu tenho uma mania de limpeza que todos dizem “ser coisa de mamãe” bem como tenho também a desconfiança e o bom humor de meu pai.

Recentemente, minha irmã me flagrou fazendo um bico que meu marido costuma fazer quando está analisando algo. Fiz involuntariamente. São vestígios da convivência com a pessoa que mais divido o tempo e a vida.

Temos ainda o vestígio de Deus que é a capacidade de amar e perdoar, algo que não poderia ser criado por nós.

Nosso cheiro, nossos trejeitos, a maneira de ser e realizar coisas são nossos vestígios mais perceptíveis e se fixam ao longo da convivência. Nem sempre percebemos, mas quem convive conosco pode enumerá-los.

Em síntese, sempre deixaremos nossas marcas na vida das pessoas, assim como se deixa numa cena de crime. Vale citar a máxima que diz “não existe crime perfeito” da mesma forma que também não existe uma pessoa que não deixe vestígios.

Não se engane, sempre deixaremos um pouco de nós por onde passarmos. De preferência, vamos deixando boas impressões pelo caminho.

Agora me conte, qual o seu vestígio mais visível, que todo mundo ao se deparar com ele, sabe que foi você que passou ou esteve ali?

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12 comentários em “Vestígios”

  1. Ótimo começar as terças-feiras com uma leitura sempre prazerosa. Logo me identifiquei com os “Vestígios Personalíssimos”, pelo que já passei durante minha adolescência e as vezes, tão raramente na fase adulta. Às vezes me bate aqueles pensamentos de como seria minha vida se eu fosse uma pessoa “normal”, aí lembro dos “bullyings” (ainda não se usava esse termo) que sofria na escola. Muito raramente percebem que estou triste ou cabisbaixo, esse tipo de vestígio pouquíssimas pessoas percebem. Minhas dores costumo guardar só pra mim. Mas me identifiquei bastante com esse tipo de Vestígio.
    Parabéns, minha amiga querida. Do seu fã #1

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    • Obrigada, meu querido amigo e poeta Pablo.
      Seus vestígios são sua essência. Não se envergonhe deles. Sei que não tem sido fácil para você, mas olhe para trás e veja o quanto você tem vencido a vida e suas provações.
      Obrigada pela leitura. Saiba que daqui, sempre lhe desejo o melhor!
      Um grande abraço, querido.

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  2. Querida, mais uma crônica que faz pensar e deixa seus vestígios em minha mente. Penso que quando escrevemos, deixamos muito de nós em cada palavra, que se mistura com os vestígios do(a) leitor(a) e se transforma. Isso é o que mais me encanta na literatura.
    Grata! <3

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  3. Eu lendo e me lembrando dos meus vestigios rrss. Gosto de conversar na mesa como meu pai, herdei dele o mesmo gosto musical, tbm deixo meus aneis em cima de bancadas e sou muito perfeccionista na organização da casa sem falar do café com bolo caseiro nas sextas. Eu e meus vestigios.

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  4. Lendo essa crônica, lembrei-me de uma frase que vi em uma parede há algum tempo atrás:
    “Deixe o seu melhor por onde passar, possa que algum dia tenhas que voltar.”

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