Palavras Máquinas e Emoções

As muitas Janelas de um Universo Multifacetado

Leo sempre foi fascinado pelo poder das palavras, e essa fascinação o acompanhava em cada página dos seus diários. Nesse sentido, ele não apenas registrava sonhos, mas também catalogava impressões e tecia análises detalhadas. Portanto, suas listas de palavras e significados eram como mapas de seu mundo interno, cada termo carregando um universo de interpretações. O hábito de escrever evoluiu com o tempo: de anotações rápidas em cadernos, ele passou a usar máquinas de datilografia para compor poemas e textos curtos, muitas vezes na forma de cartas—que,ora destinava a si mesmo, ora a Deus. Por isso as Palavras Máquinas e Emoções o fascinavam tanto.

Posteriormente, com o advento da era digital, Leo migrou para os editores de texto, onde começou a explorar contos e crônicas. Sua paixão por aparelhos eletrônicos, estimulado por sua formação nessa área, o aproximou dos computadores. O primeiro contato ocorreu durante o curso de engenharia elétrica, com uma máquina monumental que ocupava uma sala inteira e era programada por cartões perfurados. A complexidade daqueles aparelhos o fascinava.

A emoção do primeiro computador pessoal

Contudo foi um evento fortuito que lhe proporcionou seu primeiro computador pessoal: ao participar de um concurso promovido por uma revista nacional, Leo respondeu à pergunta “Qual é o som que fez a sua cabeça?” com um texto que ecoou profundamente na redação daquela publicação. As palavras impressas numa folha de papel, presa à embalagem, diziam: “O som que fez a sua cabeça, fez a nossa também! ”Como prêmio, recebeu um TK-90X, um dispositivo rudimentar que, apesar de simples, abriu para ele um domínio de possibilidades, como Janelas de um universo multifacetado.

Palavras máquinas e emoções. As muitas janelas de um Universo Multifacetado.

Do rudimentar ao sofisticado

Assim, com esse equipamento modesto, ligado a uma televisão e a um gravador de fitas K7, Leo começou a se aprofundar no mundo da informática. Ele via naquele pequeno teclado com processador de 8 bits uma porta de entrada para dimensões antes inimagináveis. Eis que sua trajetória o levou a lidar com aparelhos mais sofisticados no trabalho, com telas de fundo preto e letras verdes, e disquetes gigantescos que, apesar de obsoletos, eram revolucionários para a época.

Contudo, o verdadeiro divisor de águas veio com seu primeiro computador rodando o sistema operacional Windows. Foi aí que Leo encontrou paralelos profundos entre o funcionamento desses dispositivos e os mecanismos da mente humana. Os conceitos de “hardware” e “software” se entrelaçavam com sua percepção do corpo e da mente, revelando novas perspectivas sobre seus próprios processos mentais e emocionais.

Comparações de processos similares

Em seguida, Leo passou a documentar obsessivamente tudo o que se repetia em sua mente. Seus gráficos, rabiscos e anotações proliferaram, dando origem a um vasto mapa de suas emoções e pensamentos. Ele categorizava esses padrões em grupos que, inicialmente, nomeava com precisão quase cirúrgica. Contudo, consciente das conotações patológicas dessas divisões, optou por tratá-las como simples mecanismos internos, numa tentativa de desmistificar as complexidades de sua própria psique.

Simultaneamente, a profundidade desse processo de autoconhecimento o levou a explorar a psicanálise, traçando paralelos entre a mente humana e os procedimentos da informática. Ao esquematizar suas relações emocionais e mentais, Leo desenvolveu o que chamou de contra condicionamentos. Esses “antivírus” mentais foram aprimorados ao longo de anos de prática disciplinada, e só alcançaram sua eficácia plena quando ele se viu morando sozinho. Esses “contra programas”, compostos por onomatopeias, gestos e afirmações, tornaram-se ferramentas indispensáveis na batalha contra seus próprios demônios internos.

A dor como forma de impedir o sofrimento

Posteriormente, Leo desenvolveu uma técnica peculiar: usar a dor física como um escudo contra pensamentos nocivos. A cada ideia maldosa que surgia, ele pressionava a unha do indicador contra a pele fina do polegar, transferindo para esse gesto os tormentos que as sugestões negativas poderiam causar. Durante algum tempo, seus polegares ficaram doloridos e inchados, porem a estratégia se mostrou eficaz. Mas conforme persistia, apenas um leve toque, já desfazia o programa hostil.

Leo transformou sua relação com as máquinas em um verdadeiro culto. Leitor ávido de ficção científica, ele imaginava uma estação espacial onde armazenava todo o conhecimento humano—uma Arca de Noé digital, que abrigava tanto as criações artísticas quanto as emoções e suas conexões. Esse processo imaginativo ganhou contornos físicos com a chegada do computador pessoal e, mais tarde, da internet, que ampliou suas fontes de informação de maneira exponencial.

Os primeiros voos na rede mundial de comunicação

Os primeiros passos na rede eram lentos e cheios de obstáculos. A conexão era estabelecida por meio de linhas telefônicas, acopladas a um modem, e as trocas de dados eram feitas em mensagens de texto. Leo colecionava listas de acessos, que trocava ou comprava de outros aficionados. Cada nova descoberta na rede era comemorada com entusiasmo, como quando encontrou, em um arquivo digital, um livro que explorava a relação entre pensamentos, emoções e o envelhecimento—um texto misterioso sobre imortalidade, cujo autor ele nunca conseguiu identificar.

Escrevendo em um dos primeiros editores de texto com interface amigável, Leo participou de um concurso nacional de contos e conquistou o segundo lugar. A história relatava suas experiências no garimpo de Serra Pelada, onde esteve por duas vezes. Ele narrava suas caminhadas solitárias pela selva, a coleta de folhas gigantes, sementes, e o afeto de um macaco prego que o recebia com alegria ao final de cada dia, subindo e descendo por seu corpo em uma dança de pura felicidade. Também esclarecia, de forma sucinta, todos os procedimentos, da extração, avaliação, venda e fundição do ouro em barras.

Garimpando simpatias e vitórias

A experiência no garimpo foi um ponto de virada em sua vida. Num ambiente hostil e brutal, Leo enfrentou uma situação extrema em defesa de outra pessoa, e pela primeira vez expôs suas opiniões com veemência. Esse ato de coragem inaugurou uma nova era em sua biografia, onde os “diálogos hipotéticos” que por vezes ensaiava em sua mente tornaram-se confrontos reais, cheios de convicção e fundamentados em observações meticulosas.

A selva: um santuário vegetal

Oportunamente, contaremos de forma mais completa sobre sua passagem por Belém e, principalmente, pelo garimpo, onde conviveu diversas vezes com a presença do sobrenatural. Então, falar sobre sua navegação por rios majestosos, como o Negro e o Amazonas, no convés de imensos catamarans tendo como dormitório uma rede que balançava ao ritmo das águas. Descrever Santarém, onde os rios Tapajós e Amazonas se encontram, e golfinhos cor-de-rosa dançam e dão saltos graciosos.

Narrar suas aventuras em Manaus, onde, seguindo as indicações de moradores, chegou a lugares encantados, nos quais a luz do sol penetrava pela densa folhagem, como vitrais num santuário vegetal, e centenas de pequenas quedas d’água criavam uma atmosfera deslumbrante. Compartilhar sua estadia na ilha do Marajó, com seus búfalos de chifres imponentes, vindos da Ásia, seus peixes, suas mangueiras e praias de rio.

A fidelidade com suas próprias regras internas

Tendo como regra básica sentir-se bem acima de tudo, Leo mudou de emprego e de cidade algumas vezes e, dentro de uma mesma empresa, exerceu funções que demandavam sacrifícios de seu bem-estar. Abandonou-as sem remorsos. Cada lugar o enriqueceu com transformações formidáveis. Sua propensão a apreciar o melhor de cada situação lhe presenteou com acontecimentos eletrizantes.

A homenagem sinestésica: comunhão e lágrimas

Por exemplo, na sua despedida de Salvador, rumo a Curitiba, o gerente da unidade quis fazer-lhe uma homenagem. Todos estavam presentes, do alto escalão aos auxiliares de serviços gerais. Num determinado momento, Leo percebeu que todas as mulheres ausentaram-se do salão. Neste instante, a esposa de um colega, que era terapeuta, veio buscá-lo. Entraram numa sala em total escuridão. Ali estavam elas. Em conjunto, o levaram até o centro, o tocaram e o levantaram em seus braços enquanto cantavam:

“Você entrou no trem

E eu na estação

Vendo um céu fugir

Também não dava mais para tentar

Lhe convencer a não partir…”

O rosto de Leo se inundou de lágrimas e um mundo de emoções o invadiu. Da mesma forma, outras despedidas tiveram fortes efeitos sobre sua sensibilidade. Em cada vez que partiu, doou todos os pertences que lhe serviram na vida doméstica. E manteve os elos através dos meios a sua disposição.

Rios caudalosos de emoções intensas

As memórias de Leo muitas vezes irrompem como rios caudalosos, inundando sua mente com episódios detalhados, repletos de emoções e significados. Ele sonhava em poder, um dia, transmitir essas vivências com um simples toque, permitindo que outros experimentassem a intensidade e a beleza de cada momento vivido. Na ausência desse poder, as palavras tornaram-se seus veículos mágicos, capazes de transportar os leitores por janelas de um universo multifacetado.

Manoel Augusto Queiroz

Curitiba, 20 de agosto de 2024

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2 comentários em “Palavras Máquinas e Emoções”

  1. Esse foco num propósito complexo, difícil, exigente d’uma constante carga de coragem e capacidade provoca o respeito e admiração. Na história e proporcionalmente aos letrados poucas foram as pessoas que perseguiram seus objetivos com tanta disposição e objetividade.

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