Enchente e céu azul

Tragédia anunciada

Nos últimos dias, o mundo parou para ver o Rio Grande do Sul embaixo d’água. Foi quase uma semana de chuvas intensas em grande parte do estado para que o Guaíba atingisse a sua marca histórica em termos de nível. O transbordo dos rios adjacentes anunciava a maior tragédia do estado. Bom, isso, para algumas pessoas. Para outras, a anunciação já havia sido feita muito antes.

Em junho de 2023, um ciclone extratropical devastou mais de 40 cidades do Rio Grande do Sul, deixando 16 mortos. Em setembro, enchentes causaram o que seria conhecido até então como o maior desastre natural da história do estado: 50 pessoas morreram e o Vale do Taquari foi o mais afetado.

“Desde o boletim de março, a MetSul Meteorologia vinha alertando sobre as chuvas intensas de abril e maio”, afirma reportagem da Publica. Mas não ficamos por aí. A maior enchente da história do Rio Grande do Sul até então havia ocorrido em 1941. “Os temporais começaram em 10 de abril e castigaram cidades gaúchas por 35 dias”, segundo artigo da GZH. O dia 8 de maio daquele ano registrou o pico da enchente, com o Guaíba atingindo a marca dos 4,76 metros. Exatos 85 anos depois, a régua do Cais Mauá registra um recuo: 5,08 metros de altura.

Bom, estamos tratando de algo que era imprevisível? Não. No entanto, no desespero, todos tentam encontrar um culpado, certo? E, então, pra variar, entramos no jogo da polarização. Quem deveria ter feito algo e não fez? Quem ajudou mais? Quem atrapalhou?

Responsabilização

É importante lembrarmos especialmente nessas horas que os representantes de um povo são reflexo dele mesmo. E parece que a “síndrome do céu azul” é comum entre brasileiros. Veja citação do Bispo Dom Gregório Paixão, sobre as enchentes na cidade imperial do Rio de Janeiro, no canal A síndrome do céu azul:

Vivemos a síndrome do céu azul em Petrópolis. Depois que a chuva, a catástrofe, passa, depois de alguns meses, a gente sofre essa síndrome, ou seja, a vida volta mais ou menos à normalidade e as coisas muitas vezes são esquecidas.

Esquecemos. Esquecemos que algum dia a tragédia ocorreu. Quem sabe foi só um pesadelo? Esquecemos de cobrar dos políticos as medidas necessárias, esquecemos de deixar as áreas de risco antes que sejam denominadas assim pela enésima vez. Esquecemos… Em prol do bem material, do capital, ou das memórias afetivas. Ou, talvez, seja muita fé de que haverá uma providência divina.

Mas o fato é que o longo prazo nunca nos interessou. Necessitamos ver resultados imediatos. E os planos emergenciais existem inclusive para eventos que, talvez, nunca se materializem em uma vida inteira. Assim, além de esquecermos, duvidamos. Duvidamos das previsões, das autoridades. Não evacuamos ou deixamos para evacuar tarde demais.

E a experiência ensina?

A reportagem da Publica traz ainda a fala da climatologista Flavia Moraes, da Georgia State University, que critica a estratégia de comunicação pública no Brasil, alegando que “a decisão sobre sair de casa em uma hora de crise é delegada à população”. E defende que “seria necessário um tom mais firme e direcionado para a ação” pois “o cidadão comum não possui recursos e nem conhecimento climático necessário para avaliar o grau de emergência”.

Bom, então, retornamos à experiência. Pois, se o cidadão comum não tem conhecimento climático, a experiência de uma tragédia dessa magnitude, além de pertencer não somente a um indivíduo, mas a uma comunidade inteira, deveria ir além do inesquecível, deveria nos ensinar alguma coisa. E por que não nos ensina? Por que vivemos a síndrome do céu azul e seguimos não trabalhando com as prevenções e elegendo os mesmos representantes?

Os comportamentos individuais refletem em um padrão populacional. Da mesma forma que podemos viver um relacionamento tóxico com um parceiro, também podemos vivê-lo com políticos ou ideologias. Mas isso vai nos levar a analisar a cultura, mais especificamente, a brasileira, que deverá ser tema de um outro texto. Por enquanto, vos deixo a reflexão inicial.

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