Arquivos violência - Blog do Saber https://blogdosaber.com.br/tag/violencia/ Cultura e Conhecimento Mon, 18 Mar 2024 14:00:37 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.3 O Avesso da Pele: de Tenório a Calligaris https://blogdosaber.com.br/2024/03/19/o-avesso-da-pele-de-tenorio-a-calligaris/ https://blogdosaber.com.br/2024/03/19/o-avesso-da-pele-de-tenorio-a-calligaris/#comments Tue, 19 Mar 2024 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=4408 Ler mais]]> O avesso do que é visível e palpável 

A grosso modo, essa seria a tradução livre do tema central abordado no livro do escritor e colunista da Folha de São Paulo Jeferson Tenório, ‘O Avesso da Pele’. 

Citação do livro (J. Tenório, p. 61):

Você sempre dizia que os negros tinham de lutar, 
pois o mundo branco havia nos tirado quase tudo 
e que pensar era o que nos restava. É necessário preservar o avesso,
você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. 
[…] Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único.
E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos.

Depois de atravessarmos uma maré de escândalos iniciada pela diretora de uma escola estadual em Santa Cruz do Sul, que quase baniu a obra em escolas de 18 municípios do Rio Grande do Sul e que, de fato, tiraram-na de circulação em outros estados para “avaliação”, restam ainda as polêmicas.

Perfil do livro

‘O Avesso da Pele’ é uma ficção contemporânea que aborda o racismo no Brasil. Conta a história de um jovem que teve seu pai morto em uma abordagem policial. Pedro é um jovem negro da periferia, que tenta buscar as suas origens e o sentido das vidas daqueles que o cercam, inclusive, dele mesmo. Trata das relações familiares dentro de um caráter existencial.

Citação do artigo de opinião da Brasil de Fato RS:

O protagonista nos vai levando da infância à vida adulta na sua busca pela história e a vida do pai brutalmente assassinado por um policial perverso que julgou ser senhor sobre a vida de um professor pacato que lutou a vida inteira para dar um pouco de dignidade à família, ao filho que agora deverá buscar seu corpo e a si mesmo.

Vencedor do Prêmio Jabuti – o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) – em 2021, a obra de Jeferson Tenório passou por uma seleção em 2019 e foi aprovada e inserida no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2022. A estadual Ernesto Alves foi uma das escolas que escolheu o livro para ser usado em 2024, conta matéria da Brasil de Fato RS

Debate e polarização

Tenório se manifestou na sua página do Instagram:

O Avesso da Pele já foi adotado em centenas de escolas pelo Brasil, venceu o prêmio Jabuti, foi finalista de outros prêmios, teve direitos de publicação vendidos para mais de 10 países, foi adaptado para o teatro. Além disso, o livro foi avaliado pelo PNLD, em 2021, ainda no governo Bolsonaro. A própria diretora assinou a ata de escolha do livro.

A diretora da escola Ernesto Alves, Janaina Venzon, teria publicado um vídeo nas redes sociais, onde denuncia a obra de Tenório, categorizando-a como inadequada e tendo como argumento a explicitação de cenas de sexo. No entanto, o livro traz outras diversas questões que na nossa sociedade ainda caem em polêmica, como a religião candomblé, a crítica às escolas porto alegrenses e ao sistema educacional brasileiro, além da exposição da violência policial. Veja mais em Censura a O Avesso da Pele de Jeferson Tenório

Bom, esse assunto acabou, pra variar, polarizando o país. Dividindo a população entre conservadores, que acabaram sendo chamados de “grupos bolsonaristas”, e progressistas, conhecidos também por “petistas”. Um lado acusa o outro de “distorções e fake news”, enquanto o outro acusa um de ser “só uma questão ideológica, sem soluções concretas”. Ou seja, um acusa o outro, em ambos os sentidos, de pura pantomima.

Inclusive, discussões entre os chamados “grupos bolsonaristas” acrescentam nas críticas ao livro a exposição ao uso de drogas e a palavrões. Veja mais em Qual é o papel dos pais na educação dos seus filhos na sala de aula? Bancada debate.

Sobre digerir um assunto…

Mesmo que restasse a dúvida se Janaína Venzon teria aprovado ou não o livro de Jeferson Tenório em sua escola, há algo que fica muito claro, desde a denúncia até a sua entrevista pelo portal Gaz, que é o fato da diretora e sua equipe não saber como trabalhar a obra com os seus alunos.

Não saber trabalhar um conteúdo revela problemas na digestão desse assunto. Um celíaco, por exemplo, não consegue digerir o glúten. Se ele o ingere, vários sintomas se manifestam em direção ao desconforto. No caso dos psicanalistas e outros psicoterapeutas, se eles não são acompanhados terapeuticamente, ocorrem entraves nas sessões dos seus pacientes. Eles só poderão ir com um paciente até onde eles foram em suas próprias análises pessoais. Por isso é tão comum pessoas reclamarem que suas psicoterapias não avançam e até mesmo da sensação de que, em algum momento, elas acabam sendo analistas de seus próprios terapeutas. 

Então, apesar de muitos profissionais precisarem atuar de forma imparcial em suas atividades, estão vulneráveis às suas crenças, fraquezas e incompreensões.

O real está velado?

É interessante, nessa discussão, chegarmos à seguinte conclusão: que enquanto um grupo quer escancarar, o outro prefere velar. Mas estamos falando da verdade, do real? É isso que está para ser escancarado ou velado?

Criança por trás de uma cortina que impede uma visão clara das coisas

A fala do jornalista Roberto Motta no programa ‘Os pingos nos is’ é, no mínimo, curiosa. Ele diz que o que está presente no livro de Tenório é algo que seus filhos não têm conhecimento. Digamos que seus filhos não acessem esse tipo de conteúdo de forma alguma através da internet, de fato, muitas famílias de classe média desconhecem a vida na periferia. Afinal, é fato que a cultura de uma para outra difere absurdamente. Mas, tendo em vista que boa parte da população brasileira – segundo o site do Ipea, 29% – se encontra nas favelas, não seria plausível que todos os brasileiros tomassem conhecimento dessa realidade, de forma a evitarem uma alienação sobre o seu próprio país? 

Em termos de real, não seria o mesmo que assistir aos clássicos ‘Hotel Rwanda’ e ‘Diamante de Sangue’ e ao mais recente sucesso dos cinemas, ‘Som da Liberdade’?

A infância moderna no Brasil

Conforme já abordado no artigo O jovem contemporâneo: um sujeito sem lei?, resgatando essa intenção de proteger os jovens contra, digamos, a realidade nua e crua, em seu ‘Hello, Brasil!’, Contardo Calligaris critica a infância moderna, colocando-a como uma extensão da demanda dos pais:

Citação do livro (C. Calligaris, p. 237):

… a infância moderna – esse prolongado limbo social – foi inventada para satisfazer as novas necessidades da subjetividade adulta: particularmente, a necessidade de conquistar status pelas vias do sucesso e, portanto, de projetar em suas crianças um sonho de felicidade social nem sempre realizável ou realizado na vida do adulto.

E, trazendo as diferentes experiências sociais no Brasil, critica também a “estratificação social radical” bem como a “fraca representação comunitária” no país, que dividem o jovem moderno em:

Citação do livro (C. Calligaris, p. 238):

… filhos/as de excluídos sociais para quem, de qualquer forma, o fundamento comunitário da lei não tem valor. Eles veem na exclusão de seus pais o fracasso da comunidade… “Não reconheço a lei, mas tenho que ser feliz; então vale tudo”;
… filhos/as das classes médias que frequentemente verificam em seus pais um desprezo cínico pela comunidade… os sonhos parentais de sucesso e ascensão social está acima da lei… Então vale quase tudo;
… filhos/as das ditas elites para quem a obrigação de ser feliz pode ser acompanhada pela convicção de que os pais – e a sua classe – seriam os únicos e arbitrários donos da lei. Então vale tudo mesmo.
Exclusão e violência

Calligaris entende que, em vez de uma relação direta entre pobreza e criminalidade, o que existiria é a ligação entre criminalidade e exclusão. Ele afirma que, no Brasil, “não se sabe bem sobre que base construir uma comunidade” e questiona se é possível “fundar – na representação de todos ou quase todos – a autoridade da lei.”

Ao final de seu livro, Calligaris faz algumas propostas que poderiam ser adotadas pelo governo, no intuito de trazer soluções para os problemas por ele levantados, entre eles: “a abolição de qualquer tipo de regime de prisão especial”, que a corrupção de dinheiro público seja considerada crime hediondo – “desbanalizando” essa “violência criminosa da elite” -, “ação de policiamento de tolerância zero contra a deterioração do espaço público”, o aumento dos salários de policiais e educadores e “um eventual plano “terapêutico”, por assim dizer, da autoimagem da polícia”. E vai mais a fundo:

Citação do livro (C. Calligaris, p. 245-246 e 249):

PROPOSTA 1
… proponho que sejam impostos, como disciplina obrigatória em todo o ensino superior do país, no mínimo dois semestres de serviço comunitário… O que importa é que o contato prolongado com as margens excluídas da sociedade brasileira faça parte obrigatória da educação dos rebentos das elites. Ou seja, que não seja possível passar dos Jardins para um arranha-céu da Paulista via universidade americana sem ter passado algum tempo na zona sul profunda de São Paulo, por exemplo.
(…)
PROPOSTA 5
Estudos experimentais mostram um aumento vertiginoso dos índices de marginalidade e de criminalidade quando, em um bairro pobre, a porcentagem de habitantes de classe média é reduzida abaixo de um definido índice (5%…)… Uma comunidade fortemente estratificada deve combater a segregação habitacional para oferecer sempre a representação da mobilidade social…
Um programa deveria ser estabelecido contra a segregação do habitat.
Do conhecimento ao reconhecimento

Em suma, Calligaris defende o conhecimento em primeiro lugar. E quando se fala de conhecimento, tratamos da ciência, ou melhor, da consciência. Consciência do que existe por aí e, até mesmo, ao lado de nossas casas. Com que pessoas estou lidando? Qual é a sua realidade? Afinal, se os políticos saem da elite, como poderão saber a necessidade da população mais carente? E todos nós somos políticos em potencial, certo? Ou melhor, todos somos políticos, pois participamos de uma sociedade, temos direito de voto e possuímos vozes.

O problema é que em qualquer sociedade nem todos terão as mesmas oportunidades de se fazerem ouvir. Não falo apenas daqueles mais desfavorecidos economicamente falando, mas de todos aqueles que se sentem invisíveis ou subestimados, seja por aparentarem ou pensarem diferente, seja por constituírem grupos socialmente construídos em cima de estereótipos: negro burro, mulher fraca, nordestino preguiçoso. ‘O Avesso da Pele’ propõe olharmos para o que está por trás da carcaça do burro, do fraco, do preguiçoso; propõe um olhar para o invisível. Afinal, todos os indivíduos sentem necessidade de reconhecimento, para que a sua existência seja validada.

Convenções e o livro enquanto formador

No mais, os tais livros proibidos sempre existiram. Eles eram proibidos conforme as convenções das sociedades. Mas nunca deixaram de ser lidos se havia oportunidade. Hoje, o mesmo ocorre com blogs, vídeos, canais, filmes etc. Ficando a cargo dos pais controlar o conteúdo que seus filhos acessam, através de senhas, que os jovens acabam dando um jeito de decifrar. Assim, os pais fingem que controlam seus filhos, enquanto os filhos fingem que são controlados.

Embora os livros façam parte da formação, aumentando a capacidade cognitiva e crítica dos indivíduos, já que trazem conhecimento, não importando se é “certo” ou “errado”, não são eles que definem o sujeito. Pelo contrário, os conteúdos dos livros só poderão ser classificados como “certo”, “errado”, “apropriado”, “inapropriado”, “relevante” ou “irrelevante” a partir da formação do sujeito que, por sua vez, depende das figuras maternas, paternas e do meio em que foi criado.  

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Ser Foda é uma questão de Consciência https://blogdosaber.com.br/2024/01/04/ser-foda-e-uma-questao-de-consciencia/ https://blogdosaber.com.br/2024/01/04/ser-foda-e-uma-questao-de-consciencia/#comments Thu, 04 Jan 2024 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=3653 Ler mais]]> Expandir a consciência para ser foda

Temos visto, no universo literário atual muita apelação para vender livro. Em um mundo onde a juventude está cada vez mais rebelde, não pelo simples fato de querer contrariar os pais. Isso não é novidade nenhuma. A juventude sempre foi assim. Mas porque essa é a juventude do não me toque, onde corrigi-los à moda antiga não é mais permitido. Entretanto os filhos acham os pais babacas. Por isso foi muito fácil as produções literárias atraírem leitores com títulos apelativos sempre invocando a palavra foda-se como isca. Uma atitude até certo ponto covarde se levarmos em consideração que nunca tivemos um índice de suicídio entre jovens tão alarmante em todo o mundo. Essas pessoas se acham foda, pois seus livros vendem aos milhares e estão crentes que abafam. Eu costumo dizer que ser foda é uma questão de consciência.

Ser foda é uma questão de Consciências. Expandir a consciência para ser foda.

Apelando para vender a custa do chulo

E não é isso que vemos na mente dos autores que escrevem esse tipo de coisa. Só estão pensando em faturar com a venda dos seus livros. Mas o custo é muito alto e acho que não preciso dizer o porquê. Basta verificar os títulos mais populares para entender:

  • A sutil arte de ligar o foda-se de Mark Manson;
  • O coach do foda-se de Diva Depressão;
  • Seja Foda! De Caio Carneiro;
  • Foi foda para mim e foda-se pra você;
  • Fodeu Geral de Mark Manson;
  • Ligue o foda-se e seja feliz de Fábio Lemos e Évelin Santos.

Uma linguagem não só apelativa, mas pobre, chula e agressiva, para não dizer violenta. Na verdade desnecessária, pois incita ainda mais a rebeldia nos jovens e ao contrário de uma leitura que faça o jovem refletir e expandir sua consciência causa-lhe apenas acomodação quanto aos valores, conceitos e estilo de vida. Impedindo-os de rever os seus conceitos e quebrar paradigmas.

Sem apelação e violência é muito melhor

Quando digo que ser foda é uma questão de consciência tenho uma triste notícia pra todos aqueles que se acham assim. Entendam que ser foda, no bom sentido, é encontrar sua melhor versão e isso é algo para muitas experiências, muitas vidas e muito aprendizado. Não acontece da noite para o dia e muito menos numa única experiência de vida.

Portanto sejam mais humildes, menos apelativos e menos violentos. Ao contrário, sejam mais educados, mais elegantes, gentis e generosos. Sejam mais criativos, imaginativos e originais. Criem títulos mais inteligentes, perspicazes e eloquentes. Desta forma, conquistarão e atrairão a turba de jovens que quiseres pacificamente.

Wagner Braga

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Tradução de violência: uma reflexão https://blogdosaber.com.br/2023/10/31/traducao-de-violencia-uma-reflexao/ https://blogdosaber.com.br/2023/10/31/traducao-de-violencia-uma-reflexao/#respond Tue, 31 Oct 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=3043 Ler mais]]> História

Conhecer a história da nossa civilização é o primeiro passo para tentar entender a violência. Pensando a partir da teoria evolucionista, podemos analisar o primórdio do homem como um ser muito próximo a qualquer outro animal selvagem, certo? Disputa pelo alimento, pelo território, pela sobrevivência. Ou seja, barbárie. 

O jurista e antropólogo J. J. Bachofen é precursor das teorias sobre o matriarcado. Segundo ele, a maternidade seria a fonte das culturas, ou melhor, o que teria possibilitado a eliminação do barbarismo e, portanto, a criação das sociedades. Desse ponto de vista, evidenciamos um perfil mais benevolente da mulher em relação ao homem?

Bom, estudos mostram que as primeiras sociedades não eram nem matriarcais nem patriarcais, mas apresentavam tendências que ora tangenciavam os primeiros ora, os últimos. E que, apesar das mulheres terem sido mais dominantes e terem tido mais influência na esfera econômica nas sociedades de horticultura, elas acabavam caminhando em direção ao assentamento residencial e à agricultura de arado, que eram dominados pelos homens. Seria uma dificuldade das mulheres se adaptar a sistemas competitivos, exploradores e técnico-econômicos, típicos das sociedades “patrilineares”? Talvez.

Propriedade e domínio

O filósofo, sociólogo e antropólogo, Friedrich Engels, teoriza que à medida que se institui a propriedade privada e a ideia de garantia de repasse aos herdeiros, institui-se também o casamento monogâmico, assim como, segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o tabu do incesto. Dessa forma, inicia-se o controle da sexualidade feminina. Assim, inicia-se a submissão e a passividade feminina?

Trecho extraído da obra de Gerda Lerner, A Criação do Patriarcado:

“A primeira oposição de classes a aparecer na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre homem e mulher em casamento monogâmico, e a primeira opressão de classes coincide com a do sexo feminino pelo sexo masculino.”

Demonstrar domínio sobre alguém: seria essa a tradução para qualquer tipo de violência praticada? Teria sido a redução do papel da mulher, dentro de uma sociedade, à maternidade a forma primeva de violência? Justamente ao papel que seria aquele o mais digno e essencial para a criação de uma sociedade?

Mas, então, como se mantém uma civilização onde todos querem dominar alguém? Ter mais que alguém, ser mais que alguém. Trata-se de uma sociedade sustentável ou de uma pirâmide? Será que é nesse ponto que ela se fragmenta?

Aproveite para ler também A unidade fragmentada: de Freud a Butler.

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As flores perdidas de Alice, fulana, beltrana https://blogdosaber.com.br/2023/10/03/as-flores-perdidas-de-alice-fulana-beltrana/ https://blogdosaber.com.br/2023/10/03/as-flores-perdidas-de-alice-fulana-beltrana/#respond Tue, 03 Oct 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=2623 Ler mais]]> Panorama

A minissérie da Prime Video, ‘As flores perdidas de Alice Hart’, conta a história de mulheres marcadas pela violência doméstica ou vítimas de atos violentos de algum homem e, até mesmo, de sua própria omissão. A história se dá em torno da personagem Alice Hart, inicialmente criança, que sofre com a brutal agressão do pai. Na idade adulta, descobre-se vítima de uma avó controladora, foge de casa e acaba se envolvendo com Dylan, um homem que apresenta sinais de ciúme delirante. 

É interessante ver como a história se desenrola, como cada personagem feminina foi afetada por presenças ou ausências masculinas em suas vidas, como cada uma contorna os seus traumas. Tudo isso em torno das flores cultivadas na fazenda Thornfield. Flores estas sinônimos de amor, de cuidado. Algo que por muito tempo faltou na vida dessas mulheres.

O silêncio, o abuso, o sofrimento

Os episódios trazem pequenas doses de poesia com a linguagem das flores de Thornfield. E, como em todas as outras línguas, com palavras, por algum motivo, não ditas, mantidas em segredo, perdidas. Como muitas vezes nos mantemos calados diante de algo que nos assusta. Um silêncio emocionante no deserto da Austrália. 

A série mostra semelhanças entre mulheres tão diferentes espalhadas por uma Austrália de paisagens diversas. Semelhanças em torno da posição feminina frente ao homem em uma sociedade que deixa de ser patriarcal, mas que ainda sofre com o abuso de poder masculino. Poder que ainda lhe resta, representado especialmente pela força física. 

‘As flores perdidas de Alice Hart’ também nos faz refletir sobre as decisões que tomamos por outras pessoas. Pois, no fundo, pensamos ter sabedoria suficiente para isso, não nos dando conta que o saber que possuímos é apenas sobre nós mesmos. Baseado em nossa própria experiência, sob o nosso ponto de vista. Então, queremos evitar danos, embora eles sejam inevitáveis. Podem até ser prorrogados ou durar menos tempo do que deveriam. No entanto, o fato é que o sofrimento faz parte das nossas vivências. Relacionar-se é sinônimo de angústia: seja pelo medo da presença seja pelo medo da ausência. Seja por ambas as situações simultaneamente.

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O jovem contemporâneo: um sujeito sem lei? https://blogdosaber.com.br/2023/09/12/o-jovem-contemporaneo-um-sujeito-sem-lei/ https://blogdosaber.com.br/2023/09/12/o-jovem-contemporaneo-um-sujeito-sem-lei/#comments Tue, 12 Sep 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=2468 Ler mais]]> A violência e a lei

Como foi abordado no artigo Projeto Eu Me Protejo: a luta contra a violência sexual infantil, as vítimas mais prováveis de violência são os jovens, especiamente os menores de idade, cujos registros de estupro representam 68% de todos os registros no sistema de saúde. Sendo as mais vulneráveis vítimas, acabam se encaixando também como aqueles que mais provavelmente praticarão violência. 

Em Expressões: a arte e a coragem, refletimos sobre o senso de coletivo como pré-requisito para a construção e manutenção de comunidades. Afinal, quando falamos de civilização, tratamos de ideias voltadas para um conjunto, para “o bem de todos”, não do indivíduo isolado. Socializar requer regras, maneiras, etiqueta. Porque quando vivemos em comunidade, é preciso respeitar as diferenças e, muitas vezes, deixar de lado o que pensamos ou sentimos.

Só que, para que exista uma sociedade com regras etc, é preciso que haja a lei. Assim como nas religiões os padres, pastores e profetas são aqueles que pregam “a verdade”, os políticos são os representantes legais de uma nação que disseminam o que pode e o que não pode, os direitos e deveres.

Sociedade moderna e frustrada

Então, chegamos em um ponto crítico da sociedade moderna: a crise da autoridade. Entramos numa época em que qualquer um se sente confortável o suficiente para se colocar numa posição acima da lei. Segundo o escritor e psicanalista Contardo Calligaris, em sua obra Hello, Brasil!, isso teria tido origem entre o fim do século XVIII e o início do XIX, quando “a infância se constitui no Ocidente como uma época protegida e separada da vida adulta”. Calligaris também coloca que a criança teria se tornado uma peça central na família, onde os adultos projetam os seus anseios e desejos. Desejo de que a criança realize o que o pai e a mãe não conseguiram realizar. 

Somado a isso, quando entramos em países como o Brasil, nos quais a maioridade acaba tendo um caminho prolongado, os jovens passam muito tempo sob a jurisdição única dos próprios pais. Pais, estes, frustrados com um Estado que não dá conta de seus desejos. Internet, redes sociais, tudo entra para escancarar essa frustração e provar que, aqui, vale tudo. Vale tudo, exceto a lei.

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Poder e submissão: https://blogdosaber.com.br/2023/03/28/poder-e-submissao-ate-que-ponto-o-estado-e-efetivo-contra-a-violencia-domestica/ https://blogdosaber.com.br/2023/03/28/poder-e-submissao-ate-que-ponto-o-estado-e-efetivo-contra-a-violencia-domestica/#respond Tue, 28 Mar 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=1134 Ler mais]]> Até que ponto o estado é efetivo contra a violência doméstica?
Crime contra a mulher

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 21 um projeto de lei voltado para a proteção de mulheres vítimas de violência. Para mais informações sobre o projeto, acesse https://www.camara.leg.br/noticias/947084-camara-aprova-projeto-que-determina-protecao-imediata-a-mulher-que-denuncia-violencia.

Em meio a tantas notícias de feminicídio no Brasil, torna-se realmente necessário tomar algumas atitudes mais drásticas. Isso não quer dizer que o alto índice de feminicídio seja uma novidade aqui no país.

A questão é que o número de denúncias feitas por mulheres contra violências causadas por atuais ou ex parceiros tem aumentado.

Como viralizar?

Quando os assuntos se tornam manchete, eles ficam em evidência, e quando passamos a ver evidências de algo que ainda não havíamos parado para prestar atenção, ele se torna novidade.

Assim, quando uma grande quantidade de pessoas entende como novidade, o assunto é repercutido ou, na linguagem atual, viralizado.

E a moral da mulher, onde fica?

No caso da violência doméstica, soma-se o fato de que se trata realmente de um assunto que acomete grande parte das mulheres. Porque violência doméstica não inclui apenas agressão física, trata-se também de moral.

A desmoralização da mulher dentro de um núcleo familiar é um dos temas mais abordados na clínica psicanalítica. Essa desmoralização começa quando o homem diminui o papel da mulher dentro da sociedade ou de sua própria casa:

O trabalho dela não é importante, ela ganha uma mixaria, ela não sabe cozinhar, ela não cria bem os filhos, ela não faz nada direito.

Um problema estrutural

É por isso que se fala tanto em machismo estrutural.

No entanto, não nos damos conta que não existiria machismo se não fossem as diferenças claramente marcadas pela sociedade entre o homem e a mulher, mas, em sociedades patriarcais, ainda reina Édipo.

Quem não conhece o mito do rei que matou o pai e se casou com a mãe? Uma história que, em outras palavras, resume-se à agressão e conquista de um homem e à submissão de uma mulher.

Jacques Lacan, o segundo nome da Psicanálise, diz em seu quinto seminário “As formações do inconsciente”:

“A virilidade e a feminização são os dois termos que traduzem o que é, essencialmente, a função do Édipo. Encontramo-nos, aí, no nível em que o Édipo está diretamente ligado à função do Ideal do eu”.

O poder e a submissão

O que quero dizer com isso?

Que existem características que são típicas masculinas e outras tipicamente femininas.

Na sociedade fálica, o homem representa o poder e a mulher, a submissão e em qualquer sociedade, uma pessoa que gosta de agredir naturalmente é atraída por uma outra que aparenta ser mais frágil.

É uma questão de sobrevivência. Você não vai bater em alguém maior que você, certo?

Dentro de uma sociedade, as características típicas dos dois sexos podem ficar mais ou menos evidenciadas, dependendo se ela dá mais ou menos importância às diferenças.

No entanto, é interessante ter em mente que quando falo de sociedade, não estou me referindo às autoridades, mas aos próprios indivíduos que compõem essa organização.

O papel do estado

O que mais quero dizer com isso?

Que o feminicídio constata uma cultura vivida e propagada pela própria sociedade, tanto por homens quanto por mulheres, e que tratar desse assunto é algo muito mais complexo, mas, ao mesmo tempo, não tão menos viável do que se imagina.

O projeto de lei da ministra Simone Tebet é, a princípio, válido e pode salvar muitas vidas, mas, como com diversos programas que temos no Brasil, pergunto-me “até quando?”.

Programas estes que não possuem fiscalização, que não têm um plano estratégico associado. Esses tipos de programas e leis acabam sendo uma forma de “tapar o sol com a peneira”.

As mulheres não precisam de cota ou espaço para atuarem, isso elas já têm. O que elas precisam é se sentir livres dos papéis atribuídos pela sociedade patriarcal.

Ao se sentirem livres dessa posição enrijecida, elas não sentirão mais que precisam de proteção, seja de seus parceiros (proteção essa, muitas vezes, contraditória) ou da polícia.

Mas isso, apesar de ser uma mudança individual, deve acontecer em coletivo, marcando, assim, uma mudança cultural, estrutural. E o início dessa transformação deve ocorrer na infância.

Então, se o estado tem um papel grandioso nisso, é o de garantir a segurança e uma educação de qualidade para as crianças. Escolas onde elas sejam incentivadas a se questionarem.

Sem mais.

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Infiel de Ayaan Hirsi Ali, uma Autobiografia de Arrepiar! https://blogdosaber.com.br/2023/02/15/infiel-de-ayaan-hirsi-ali-uma-autobiografia-de-arrepiar/ https://blogdosaber.com.br/2023/02/15/infiel-de-ayaan-hirsi-ali-uma-autobiografia-de-arrepiar/#respond Wed, 15 Feb 2023 11:26:38 +0000 http://blogdosaber.com.br/?p=577 Ler mais]]> Hoje é quarta-feira e é dia de DICA DE LIVRO.

A DICA DE LIVRO de hoje é INFIEL de Ayaan Hirsi Ali.

Talvez a melhor biografia que eu já tenha lido na minha vida.

Uma história de vida de arrepiar qualquer um.

Nesses dias de tanto questionamento sobre igualdade de gêneros um exemplo de uma verdadeira guerreira, uma heroína.

Em novembro de 2004, o cineasta Theo van Gogh foi morto a tiros em Amsterdã por um marroquino.

Que em seguida o degolou e lhe cravou no peito uma carta em que anunciava sua próxima vítima:

Ayaan Hirsi Ali, que fizera ao lado de Theo o filme Submissão , sobre a situação da mulher muçulmana.

E assim essa jovem exilada somali, eleita deputada do parlamento holandês e conhecida na Holanda por sua luta pelos direitos da mulher muçulmana.

Por suas críticas ao fundamentalismo islâmico, tornou-se famosa mundialmente.

No ano seguinte, a revista Time a incluiu entre as cem pessoas mais influentes do mundo.

Como foi possível para uma mulher nascida em um dos países mais miseráveis e dilacerados da África chegar a essa notoriedade no Ocidente?


Em Infiel , sua autobiografia precoce, Ayaan, aos 37 anos, narra a impressionante trajetória de sua vida,.

Desde a infância tradicional muçulmana na Somália, até o despertar intelectual na Holanda e a existência cercada de guarda-costas no Ocidente.

É uma vida de horrores, marcada pela circuncisão feminina aos cinco anos de idade.

Surras frequentes e brutais da mãe, e um espancamento por um pregador do Alcorão que lhe causou uma fratura do crânio.

É também uma vida de exílios, pois seu pai, quase sempre ausente.

Era um importante opositor da ditadura de Siad Barré: a família fugiu para a Arábia Saudita, depois Etiópia, e fixou-se finalmente no Quênia.


Obrigada a frequentar escolas em muitas línguas diferentes.

Conviver com costumes que iam do rigor muçulmano da Arábia (onde as mulheres não saíam à rua sem a companhia de um homem) à mistura cultural do Quênia.

A adolescente Ayaan chegou a aderir ao fundamentalismo islâmico como forma de manter sua identidade.

Mas a guerra fratricida entre os clãs da Somália e a perspectiva de ser obrigada a casar com um desconhecido escolhido por seu pai.

Conforme uma tradição que ela questionava, mudaram a sua vida.

Ela acabou fugindo e se exilando na Holanda.

Ayaan descobre então os valores ocidentais iluministas da liberdade, igualdade e democracia liberal.

Passa a adotar uma visão cada vez mais crítica do islamismo ortodoxo.

Concentrando-se especialmente na situação de opressão e violência contra a mulher na sociedade muçulmana.

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