Arquivos CULTURA - Blog do Saber https://blogdosaber.com.br/tag/cultura/ Cultura e Conhecimento Fri, 12 Jan 2024 11:32:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.3 Empurrando a morte com a barriga https://blogdosaber.com.br/2024/01/16/empurrando-a-morte-com-a-barriga/ https://blogdosaber.com.br/2024/01/16/empurrando-a-morte-com-a-barriga/#respond Tue, 16 Jan 2024 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=3795 Ler mais]]> Possíveis significados para a morte

Eu costumo dizer que nós temos essa mania desafortunada de empurrar a morte com a barriga. Diferentemente de outras culturas, as orientais, por exemplo, que valorizam a velhice e o idoso, a sabedoria, o acúmulo de experiência de vida. Nesses lugares, cada ruga é vista como um presente, algo que se conquista com o passar dos anos. Quanto mais idade uma pessoa tem, mais afortunada ela é.

O dia de finados no México é conhecido como o día de los muertos. Enquanto na maior parte das culturas ocidentais, o 2 de novembro é um dia para visitar túmulos e lamentar a morte de entes queridos, no México, os primeiros dois dias de novembro se transformam em festa. Trata-se de uma grande celebração com “o objetivo de demonstrar amor e respeito pelos mortos”. Tão importante para valorizar a vida indígena – inclusive, tendo os astecas como um de seus ancestrais -, acabou sendo reconhecido pela Unesco como patrimônio cultural. Para saber mais sobre essa data festiva, acesse o artigo da National Geographic, 10 coisas para saber sobre o Dia dos Mortos.  

Há controvérsias

As pessoas costumam associar qualquer assunto que envolve a morte a um significado negativo de morbidez: “que papo mórbido!” e simplesmente mudam de assunto. Apesar de repetirmos constantemente frases como “a única certeza que temos é a da morte” e respondermos negativamente para perguntas como “você gostaria de viver para sempre?”, a prática se mostra um pouco controversa. Afinal, não falamos sobre a morte, e, dessa forma, os nossos familiares ficam sem saber sobre que fim gostaríamos que o nosso corpo tivesse, as crianças ficam sem uma explicação coerente sobre aquele que partiu ou sobre a possibilidade de seus pais não estarem mais presentes, os doentes que amamos, em fase terminal, ficam sem saber que estão próximos do fim e todos perdemos a chance de sermos e fazermos alguém mais feliz. Nem que seja apenas por alguns instantes.

Só mais uma etapa

O fato é que a morte é só mais um estágio da vida: nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. E sabemos que nem sempre as fases de crescimento e de envelhecimento duram tanto quanto se espera da estatística. Afinal, somos seres mortais e vulneráveis tanto a interferências externas quanto internas. Um ciclo tão bem aceito para as plantas que cultivamos em nossas hortas, mas com o qual não sabemos lidar quando se refere àquela pessoa com a qual convivemos. Incluindo nós mesmos.

Ainda há esperança!

Mas há quem faça questão de falar sobre a morte! O Death Cafe é uma franquia social criada pelo antropólogo e sociólogo suíço Bernard Cretazz com o intuito de “aumentar a conscientização sobre a morte visando ajudar as pessoas a fazer o máximo de suas vidas (finitas)”. A iniciativa teve tanta aceitação que se espalhou pelo mundo e, hoje, é uma organização internacional, em que pessoas de uma comunidade se encontram mensalmente para tomar um café enquanto falam das suas experiências e angústias em torno do tema. Para saber mais sobre, leia na íntegra o texto da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, Café, bolo e um dedo de prosa sobre a morte.

Ao empurrarmos a morte com a barriga, empurramos também a vida. Adiamos o nosso presente, as nossas vivências. Vivemos de futuro, de planos e projetos. Estamos fadados ao destino. Passamos por cima de tudo aquilo que está disponível para nós neste exato momento. Por outro lado, quando aceitamos a morte como mais uma etapa disso que chamamos de vida, passamos a valorizar o agora. O descanso agora. A atenção agora. O amor agora. Afinal, amanhã, de fato, pode ser tarde demais. 

Sabe aquela história do “morreu feliz”? É isso. E você, como está vivendo? Da melhor forma que você poderia?

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O Halloween https://blogdosaber.com.br/2023/10/31/o-halloween/ https://blogdosaber.com.br/2023/10/31/o-halloween/#comments Tue, 31 Oct 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=3045 Corvos X Urubus

De volta a terra do tio Sam, cheguei bem na época de um dos eventos que mais aquecem a economia norte-americana: o halloween.

Assim como os brasileiros aguardam o carnaval com ansiedade, os americanos contam os dias para o halloween. As lojas exultam com as vendas. Os americanos se esbaldam comprando fantasias, doces em formatos curiosos (caveiras, ossos, monstros, pedaços de corpo humano), abóboras de diversos tamanhos e itens de decoração. Nessa atmosfera de terror e diversão o comércio lucra bilhões de dólares.

O halloween tem um apelo cultural tão forte que se espalhou pelo mundo através das produções cinematográficas. Aos poucos, o Brasil vem importando essa cultura através escolas bilingues e cursos de inglês.

O halloween veio com os imigrantes das ilhas inglesas.

Como vocês sabem, os EUA também foi colônia e sua cultura é uma mescla de outras que chegaram ao país, com os imigrantes. O Halloween é uma festa pagã, de origem celta, trazida pelos irlandeses e escoceses, em que se comemorava o fim da colheita e a véspera do dia de todos os santos. Quem quiser se inteirar mais sobre o assunto, clique aqui: O que é o Halloween.https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/hallowee.htm

O corvo, ave sinistra?

Pois bem, um dos ícones do Halloween é o corvo, uma das aves mais comuns do continente. Não sei se por causa de sua penugem escura, tenebrosa, das historinhas de bruxas da Disney ou pelo famoso conto “O Corvo,” de um dos mais brilhantes escritores americanos, Edgar Allan Poe. Sei que elegeram o corvo como um pássaro sinistro, diabólico, que não pode faltar referências durante as festividades.

Corvos aqui na Flórida são como os pombos nas pracinhas de Natal: andam em bando e fazem uma sujeira danada. Outro dia postei a visita de dois sinistros em minha varanda e uma amiga perguntou se eu não tinha medo. Respondi que não, só não gosto porque eles fazem minha varanda de banheiro. Quando os vejo, saio tangendo para evitar a sujeira.

Como é que eu teria medo de corvos se nasci e me criei vendo os grandes urubus do sertão se alimentando de restos de animais pelas estradinhas carroçáveis em que passeava quando criança? Tampouco temo aquelas aves “agourentas.” Ao contrário, acho muito nobre o trabalho de limpeza que elas fazem nas carcaças espalhados pelo sertão afora. O compositor Zé Ramalho já os denominava como “garis” do céu.

Nojo, muito menos.  E não somos todos meio que “urubus” se alimentando de animais mortos? Dá até um título naquele polêmico jornal francês: “Je suis urubu.”

“Somos todos urubus.”

Esse papo está ficando macabro demais. Será influência do Halloween?

Pois deixemos cada país com suas aves, sua cultura e suas datas comemorativas. Bom é respeitar todas, principalmente, se você está em terras estrangeiras. Não sou fã do halloween, mas desejo uma boa diversão a quem comemora.

Por aqui, vou ler um poema de Edgar Allan Poe, não porque é halloween, mas porque comprei o box dele que estava em promoção na gigante Amazon, que já faz parte da cultura americana e também está se espalhando pelo mundo.

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Felicidade: segredo, capital ou conhecimento? https://blogdosaber.com.br/2023/07/25/felicidade-segredo-capital-ou-conhecimento/ https://blogdosaber.com.br/2023/07/25/felicidade-segredo-capital-ou-conhecimento/#respond Tue, 25 Jul 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=2002 Ler mais]]> Filosofia de vida

Alguns chamam de lagom, outros de niksen, sendo a sua maioria de origem nórdica. As filosofias de vida para a felicidade vão ganhando espaço na mídia, à medida que o cansaço e os transtornos vão somando vítimas em todo o mundo. A grosso modo, o segredo da felicidade nesses países desenvolvidos é o equilíbrio das atividades diárias: trabalho, lazer, alimentação, atividades físicas. Bom, nada que, no fundo, já não saibamos, certo? Nada que Immanuel Kant já não nos tivesse prevenido em sua obra ‘Crítica da Razão Pura’, ao dar dicas de como evitar pensamentos mórbidos.

Então, a questão é: por que não praticamos as filosofias de vida de lugares como esses em que grande parte das populações afirma ser feliz? Parece tão palpável…

Diferenças de capital
As diferentes camadas da sociedade e os seus segredos para a felicidade
As diferentes camadas da sociedade e as suas escolhas

Bom, pensando que estamos no Brasil, cuja jornada de trabalho é uma das maiores do mundo e a produtividade, em contrapartida, é umas das menores, e, para completar, possui políticas públicas que não contribuem com a qualidade de vida do cidadão, essas já poderiam ser justificativas suficientes. Pelo menos, para a maioria da população.

O grande problema em países como o Brasil é que, de um lado temos as camadas mais baixas da sociedade, lutando para pagar as suas contas e sair das dívidas, do outro temos pessoas em desejo constante por ascensão social. Dinheiro nunca é suficiente. Assim, o trabalho não só é mandatório como é excessivo, pungente.

Não é só sobre saber parar, mas conseguir parar. É possível? Para quem é possível? Em qual circunstância?

Viver o niksen, o lagom ou mesmo o dolce far niente é sobre ter tempo. Às vezes, é sobre o quanto de tempo você consegue comprar, mas, às vezes, é sobre se permitir ter tempo. É sobre prioridades, sobre sentir-se à vontade ou não. É sobre escolhas, é sobre abrir mão. Pois é, ninguém falou que seria fácil. Talvez, em alguns países seja mais acessível que em outros. 

Mas se eu estou munido de tempo, como faço para viver uma filosofia como essa?

Vivendo uma filosofia

Bom, se estamos falando de filosofia, estamos falando de conhecimento, certo? E como viver um conhecimento que não temos? Nos países nórdicos, esses são conhecimentos vividos e passados de geração para geração. As pessoas nascem e crescem nesse sistema. Essa não é a nossa cultura. Não de nós brasileiros. 

Quando a gente nasce na cultura, normalmente, a gente só repete o que os outros fazem ao nosso redor. A gente não costuma parar para analisar o que estamos fazendo ou por que estamos fazendo determinada coisa. Para quem não é parte de uma cultura e anseia por vivê-la mesmo assim, não se trata tanto de entendê-la, mas de entender quem é você dentro dela. Afinal, a felicidade é algo de subjetivo.

Para concluir, cito uma passagem de Sigmund Freud em ‘O mal-estar na civilização’:

No sentido moderado em que é admitida como possível, a felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz. Fatores os mais variados atuarão para influir em sua escolha. Depende de quanta satisfação real ele pode esperar do mundo exterior e de até que ponto é levado a fazer-se independente dele; e também, afinal, de quanta força ele se atribui para modificá-lo conforme seus desejos.

Já dizia Jacques Lacan: que queres?

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Uns com tanto, outros com tão pouco: as diferenças culturais perante o caos https://blogdosaber.com.br/2023/06/27/uns-com-tanto-outros-com-tao-pouco-as-diferencas-culturais-perante-o-caos/ https://blogdosaber.com.br/2023/06/27/uns-com-tanto-outros-com-tao-pouco-as-diferencas-culturais-perante-o-caos/#respond Tue, 27 Jun 2023 09:30:00 +0000 https://blogdosaber.com.br/?p=1806 Ler mais]]> O que não faz uma pandemia?!

No Japão pós pandemia, desde março, quando o uso de máscaras deixou de ser obrigatório, popularizou-se um curso para exercitar o sorriso. A hora/aula custa em torno de 55 dólares, servindo para fortalecer os músculos faciais e ajudar os seus alunos a se acostumarem com o riso novamente.

Durante a pandemia de Covid-19, muitos hábitos foram extintos e outros colocados em seus lugares. Foi um momento de readequar as nossas rotinas: o uso de máscaras, o isolamento social, as compras online, as aulas à distância. Tudo isso acompanhado de notícias trágicas e de desesperança. Era o fim do mundo!

Alguns países mais e outros menos enrolados em leis e metodologias de tratamento e profilaxia. Alguns países com mais e outros com menos mortes. Alguns com mais e outros menos contaminações. Dependendo de onde você estivesse, você poderia estar mais ou menos isolado, mais ou menos melancólico. Mas, dependendo do que, afinal? Da cultura, claro.

As leis falam sobre um povo

A verdade é que as leis são reflexo da sociedade. As legislações vão se implementando conforme a permissividade. Quando as pessoas de uma sociedade, por exemplo, tendem a ser mais individualistas, mais fácil será de adotarem regras que convergem para a individualidade. O Brasil, por exemplo, assim como a maioria dos países latinos, é conhecido pelo calor humano. As pessoas gostam de abraçar, de beijar, enfim, do toque. O Japão, por outro lado, é uma nação pouco calorosa.

Enquanto no Japão e outros países economicamente desenvolvidos o uso de máscara e o isolamento eram comuns, no Brasil as pessoas não sabiam muito bem o que fazer em relação a isso. Longe de uma necessidade de obedecer às autoridades, tratava-se mais de uma mistura dos sentimentos de medo (da morte) e do desejo de manter o calor humano, de manter o que já fazemos naturalmente, de manter o laço (bem apertado).

A irreversibilidade da personalidade

Mascarados, nós brasileiros aprendemos a rir com os olhos e a cumprimentar com as piscadelas! Já as aglomerações, apesar de tratadas como algo proibido, não eram nada que o jeitinho brasileiro não pudesse dar um jeito! Que fosse a céu aberto, com máscaras abaixo do nariz, parcelando ou reduzindo o número de convidados. Nós aprendemos a fazer de um jeito que se encaixasse em uma brecha do que as autoridades divulgavam.

O japonês vem de uma cultura que, além de contar com a disciplina, é mais fechada, de pouco toque, de pouco riso. O isolamento apenas intensificou o que já era inato. Nesses casos, o uso de máscaras pode inclusive ser uma forma de fuga em massa do contato social. Por isso a necessidade das aulas de prática do sorriso ao retornar da tormenta. Prática de algo que não tem lugar de pertencimento. Muito diferente do que representa para nós do país tropical. Assim, tormenta para uns e não tão atormentador para outros.

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Evitar Ingestão de Substâncias Nocivas https://blogdosaber.com.br/2023/03/02/controle-de-ingestao-de-substancias-nocivas/ https://blogdosaber.com.br/2023/03/02/controle-de-ingestao-de-substancias-nocivas/#respond Thu, 02 Mar 2023 13:09:19 +0000 http://blogdosaber.com.br/?p=817 Ler mais]]> Iniciamos a conversa sobre os pilares da Medicina do Estilo de Vida (MEV). No texto anterior.
Vimos que os pilares são: a nutrição, atividade física, sono, estresse, relacionamentos e
evitar ingestão de produtos tóxicos.
Neste texto, vamos falar um pouco sobre como evitar a ingestão de substancias nocivas ( ou
toxicas) na visão da MEV:
O tabaco já está definitivamente estabelecido como causa de muitas doenças, portanto o
seu consumo (em qualquer forma!) é fortemente desencorajado.

Os cigarros eletrônicos são perigosos. Mascar fumo, charuto, nada disso é recomendável.

O álcool faz parte da culinária e socialização em nossa cultura, assim se você já tem
esse hábito, é necessário moderação.

Mas não precisa tornar-se abstêmio se você não tem nenhuma contraindicação (problemas psiquiátricos, hepáticos etc). Não há uma dose perfeitamente segura para todos. Só devemos evitar a ingestão de substâncias nocivas.

Mas a OMS define como dose padrão 10g de etanol puro, já a NIAAA – National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism. sugere 14g/dia. No Brasil o CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool ) considera
também 14g.

Mas, quanto tem 14 g de álcool? Tem, por exemplo, em uma taça de 150 ml de vinho, um copo de 350 ml de cerveja ou uma dose pequena de 40 ml de destilados por dia.

E não, o vinho não é saudável!

Os polifenóis do vinho seriam muito mais bem aproveitados se você comesse a uva in natura e é essa a recomendação adequada.

Quanto às drogas ilícitas, não acho que você ache que façam qualquer bem, não é?

A maconha, apesar do lobby favorável, é muito perigosa, especialmente para os jovens. Interfere com a memória, a atenção, a velocidade de processamento das informações e a capacidade de concentração e, abaixo dos 25 anos, eleva em muito o risco de surto psicótico.

O princípio ativo canabidiol, usado para algumas doenças, conhecido popularmente como CBD, é uma substância extraída da planta Cannabis e não tem nada a ver com o uso recreativo da maconha. Fumar a droga não serve para entregar uma dose adequada de CBD para tratar qualquer doença.

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Desacontecimentos https://blogdosaber.com.br/2022/11/30/desacontecimentos/ https://blogdosaber.com.br/2022/11/30/desacontecimentos/#respond Wed, 30 Nov 2022 20:55:43 +0000 http://blogdosaber.com.br/?p=92 Ler mais]]> É com muita satisfação que publicamos mais um dos criativos e inteligentes contos da nossa querida Ana Madalena, que resolveu nos dar uma canja e me enviou essa pérola com o título de “Desacontecimentos”, aqui na nossa coluna crônicas desta quarta-feira. Uma história mirabolante e futurista, que se passa algumas décadas adiante, que ela relata com muita imaginação. Então aproveite a oportunidade e se delicie com essa crônica maravilhosa.

Estava triste e por isso resolveu escrever; dessa forma teria tempo para refletir sobre o que deixar registrado. Cada palavra seria medida e pesada, inventaria até algumas para explicar suas emoções. Depois do apagão, que dizimou uma boa parte do mundo, tudo que restou ficara definitivo, para sempre. O futuro já era realidade, mas ela continuava com os mesmos dilemas de antes.


Lembrava com saudade do ano 2025, o único que pôde escolher para salvar na memória, sem dúvidas, o melhor da sua vida. Finalmente conseguira engravidar, depois de muitas tentativas. Seu sonho se concretizara com as gêmeas, Sara e Sofia. Infelizmente, seu companheiro não suportou cuidar das crianças, nem lidar com seu complicado puerpério, a nova rotina… Ele sumiu, para nunca mais. Se ainda estivesse vivo, deveria estar gostando desse novo modelo de vida, de pessoas com aspecto encerado e sem sentimentos. Um bando de máquinas!


De lá para cá, burlava as regras, escrevendo tudo o que achava importante. Tinha que ter memórias, mas sabia o risco que corria. Sentia falta do velho mundo, das cores, principalmente o amarelo. O mundo cinza era profundamente triste, até o sol sumira do céu, ou o que restou dele, agora mais distante ainda. Não suportava viver numa pré-história high-tech, com pessoas robóticas e para lá de estranhas. Gostaria de ter sumido, como tantos outros.  Não lhe agradava a ideia da não finitude da vida; o “não morrer” era um tédio, mas uma vez ali tinha que ser renovada a cada década. A aplicação do chip, além de dolorosa, era obrigatória. Não sabia se tivera sorte ou azar quando o primeiro, que fora implantado, na base da sua nuca, não funcionou. Por algum motivo, a instalação não foi concluída com sucesso, motivo pelo qual tinha lampejos de outra realidade, outra vida. Vivia unicamente em função de descobrir alguém que também tivesse essa falha, mas não era fácil. Quem em sã consciência se entregaria?


Sua rotina incluía uma busca incessante por sua família, mas tinha que ser cautelosa.  Como os sentimentos e laços familiares tinham sido extintos, as famílias foram separadas de forma aleatória, para garantir que a “experiência” não tivesse falhas. Ser eterno e viver em um mundo sem pragas era o objetivo dos cientistas no poder. Ela sonhava com o fim, porque o fim era a solução; detestava o meio, mas ela estava presa nele para sempre. E o para sempre, era muito assustador. Não suportava viver numa eterna ficção-científica.


Uma ideia fixa tomou conta do seu pensamento.  Se daria mais uns meses para procurar sua família e, depois, se não encontrasse ninguém… Teria que ser cuidadosa, burlar sentimentos, sonhos e o que mais eles pudessem farejar. Ouviu dizer que “eles” sabiam cada emoção, pois o portador exalava um odor apenas detectado pelo grande mestre. Tinha que se manter indiferente para não sentirem seu cheiro de tensão, medo e ansiedade, embora não soubesse que punição maior poderia ultrapassar o castigo de não morrer. As paredes de espelhos pareciam refletir seu olhar de angústia. Precisava urgentemente tirar aquele olhar do seu rosto; qualquer um perceberia que ela não estava bem.


Olhou a rua pela janela, daquilo que chamavam de bloco; o seu, de quatro pavimentos, parecia uma mínima parte de um lego gigantesco. Vivia a dor do cárcere. Não fazia ideia de como era nos andares mais altos. Não era permitida interação com outros subgrupos. Se sentia no fundo do poço, ou melhor, uns cinco metros abaixo dele. Todo dia rezava para ter de volta sua vida de antes; sofria só em pensar que reclamara tanto por coisas tão pequenas, como as calçadas esburacadas que quase a faziam cair quando enganchava seus saltos, ou as rodinhas do carrinho das gêmeas. Queria seu passado, até as coisas que detestava…  A dor de não ver crianças brincando ao sol, casais enamorados, cachorros abanando os rabos, a lua no céu, o vai e vem das ondas do mar, pessoas sorrindo, era um peso muito alto para carregar. Em pensar que todos escolheram o tempo, ou melhor, a falta dele, para ser a principal meta de trabalho do século. E depois, de várias tentativas, finalmente descobriram como fazê-lo parar. O feitiço virou contra o feiticeiro.

Sentiu algo salgado na boca. Depois de uns segundos se deu conta que era uma lágrima. Abriu os olhos assustada! A luz que invadia seu quarto, também entrava nos seus olhos. Lentamente olhou ao redor, como que não acreditando no que via.  Suas filhas dormiam nos bercinhos ao lado da sua cama. Adorava ouvi-las sugando as chupetas; sabia que quando faziam tão fortemente, era porque estava perto de acordarem para mamar. Sentou na beira da cama, tentando colocar seus pensamentos em ordem. Olhou o calendário; precisava saber se voltara para 2025.  De repente, viu as flores murchas no vaso em cima da mesinha de cabeceira. Abriu um enorme sorriso; finalmente tudo voltara a ser como antes!

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Recomeços https://blogdosaber.com.br/2022/11/30/recomecos/ https://blogdosaber.com.br/2022/11/30/recomecos/#respond Wed, 30 Nov 2022 20:08:35 +0000 http://blogdosaber.com.br/?p=75 Ler mais]]> Quarta-feira é dia de crônica, aqui no blog do saber. A nossa mais nova coluna recheadas de boas e saudáveis crônicas da melhor qualidade. A nossa estreia, na semana passada foi com a bela história de paz e guerra, uma trégua no natal, escrita por Ana Madalena, que dá agora uma nova contribuição com a crônica “recomeços”. Então, vamos lá, faça uma boa leitura e tire suas conclusões!

Foi no início de julho de 2019, alguns dias antes do meu aniversário. Estava muito feliz e tinha planejado chegar bem cedo, mas chovia bastante e faltou energia o dia todo. Escolhi o meu apartamento pela vista, que é magnífica, mas o prédio, bem antigo, não tem gerador. Meus amigos disseram que foi uma compra por impulso, mas quando vieram para o “open house” entenderam o porquê da escolha. Meu apartamento de 35,7 metros quadrados era tudo que eu precisava para ser feliz.  E acredite, cada centímetro fez uma grande diferença no decorrer desse ano…

Sou o tipo básica, mas gosto de conforto e de beleza nas mínimas coisas. Decorei meu apartamento do jeito que sonhei. Infelizmente, pouco depois da minha mudança, a empresa onde trabalho resolveu me “promover” e eu passei a fazer viagens a cada quinze dias. O meu sonhado “lar doce lar” virou apenas um lugar para dormir. Até que…

Recordo quando meu supervisor ligou, já tarde da noite, cancelando minha viagem de março. Disse que seria por uns dias e que assim que tudo normalizasse, eu retomaria a agenda de trabalho. Desliguei eufórica, até abri um vinho para comemorar! Finalmente eu teria tempo para curtir meu cantinho!

Liguei a TV para saber da tal pandemia;  confesso que me assustei com o que ouvi. Telefonei para meus pais e irmãos e pedi para que não saissem de casa. Corri ao supermercado e fiquei impactada com as filas intermináveis; parecia que estávamos numa guerra. E era, só que invisível.

Preparei um roteiro para meus próximos dias. Não poderia ficar sem foco, sou movida à rotina. Tentei me exercitar, ter horário de leitura, de trabalho, fazer cursos online e outras tantas coisas que sempre reclamei não fazer por falta de tempo. Mas o tempo foi passando e a quarentena se prolongando… Veio a inquietação. De tudo. O mais estressante foi não saber quando isso acabaria.

Chegou julho, a Terra deu mais uma volta ao redor do sol e eu fiz aniversário sozinha. Não, minto! Comprei um hamster chinês, apesar da minha desconfiança de tudo que vem de lá. Nossas noites foram reservadas para os exercícios: eu na esteira e ele na rodinha. Tomei a resolução de cuidar de um ser vivo depois que vi todas as minhas plantinhas morrerem por descuido. Aquele planejamento de uma rotina saudável ficou no papel por meses, quando vestia pijamas e arrastava chinelos.

Agora falta pouco para esse ano ser mais um calendário jogado fora. Apesar de todos os percalços e das milhares de pessoas que perderam a vida, confesso que depois que peguei o ritmo, só tenho coisas positivas para levar comigo. Descobri que sou ótima companhia e que, apesar do caos do isolamento, fiz descobertas incríveis e aprendi novas habilidades. Também comprei uma estante de exatos 70 centímetros e já preenchi duas prateleiras dos livros que li, de longe o melhor programa cultural e à prova de aglomeração. Também escrevi um diário; quem sabe um dia eu venha a ter filhos e eles possam entender como alguém vive em meio a uma pandemia.

O ano de 2020 realmente ficará marcado na vida de todos nós. Aos amigos e familiares eu cito Oswaldo Montenegro, na música Sem mandamentos,  “hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse e até desculpo o que você falou”. Esse é o meu hino de esperança; deixemos rusgas e outros sentimentos incômodos para trás.  Vamos agradecer! Nós sobrevivemos!

Ana Madalena

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